São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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ANÁLISE

Políticas internas são maior entrave a acordo

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Os termos da contraproposta feita ao Irã por Brasil e Turquia são razoáveis.
Eles preservam o objetivo ocidental de impedir que o país persa mantenha estoque considerável de urânio enriquecido e, ao oferecer os turcos como intermediários, dão aos iranianos a garantia de que esse material será devolvido, sob a forma de combustível para seu reator de uso médico.
No entanto, um acordo que abra caminho para uma relação de maior confiança entre o Irã e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU) depende em boa parte de questões de política interna em Washington e Teerã que estão fora da influência dos dois países que se propõem como mediadores.
Nos EUA, o Irã é há tempos a "bête noire" de lobistas e analistas de política externa que o veem como potencial ameaça à supremacia militar israelense no Oriente Médio e o apontam como o principal fator da instabilidade na região, pelo apoio ao Hamas palestino e ao Hizbollah libanês.
A imagem iraniana só piorou depois da repressão que se seguiu à reeleição de Mahmoud Ahmadinejad.
Esses setores têm representação forte no Congresso americano, onde tramita um pacote de sanções unilaterais ao qual a Casa Branca não ousa se opor frontalmente, apesar de considerá-lo contraproducente e de aplicação difícil, pois atingiria inclusive empresas de países aliados que fornecem combustível e outros produtos ao Irã.
O presidente Barack Obama assumiu "estendendo a mão" a Teerã. Mas, antes que colocasse na mesa uma pauta ampla para o diálogo bilateral, foi atropelado por divisões em sua própria equipe, pelo tumulto da eleição iraniana e pelas dificuldades em outra frente regional, o conflito israelo-palestino.
No final de 2009, Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, começaram a falar em "sanções paralisantes" e a buscar apoio para isso no Conselho de Segurança da ONU.
A Casa Branca ora apoia e ora põe em dúvida a efetividade da mediação brasileiro-turca. Nunca deu sinal público de que concordará com as adaptações na proposta original feita pela AIEA, de que o Irã entregasse, sem intermediários, a maior parte de sua reserva de urânio para a produção de combustível na França e na Rússia.

Contexto iraniano
O Irã também envia as próprias mensagens contraditórias. Em outubro de 2009, Ahmadinejad disse sim à troca de urânio -foi seu governo que procurou a agência atômica da ONU, pedindo suprimentos para o reator médico. Mas logo recuou, após críticas internas.
Como disse à Folha Gareth Evans, copresidente da Comissão Internacional sobre Não Proliferação e Desarme, a situação mostra o "quanto é simplório fazer julgamentos rápidos sobre o que pode e o que não pode ser obtido num ambiente político complexo como o iraniano".
Foram os "caras bons do movimento democrático" em Teerã, disse Evans, que disseram que a ideia da AIEA "era uma ameaça à segurança e ao orgulho nacionais". Mesmo nos EUA, a maioria dos exilados iranianos se opõe a mais sanções e defende a legitimidade do programa nuclear.
Há poucas dúvidas, entre especialistas, de que o Irã pretenda manter atividades atômicas que o levem ao chamado "limiar da bomba". Mas não há certeza de que o país pretenda se armar.
As punições e o isolamento resultantes e a possibilidade de que vizinhos e rivais também buscassem o armamento nuclear relativizariam eventuais vantagens do rompimento com o Tratado de Não Proliferação.
Nos últimos dias, o Irã deu sinais de que está buscando um acordo. O chanceler, Manoucher Mottaki, convidou para jantar os embaixadores na ONU dos países-membros do Conselho de Segurança, e o governo deu vistos às famílias de três americanos presos em 2009, acusados de espionagem.
Mas ainda não é possível dizer se tratam-se de manobras para ganhar tempo -como dizem os ocidentais- ou de uma disposição autêntica de fazer concessões.


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