São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 2011

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Paquistaneses veem uso de base pelos EUA

Moradores de Ghazi Borotha dizem que americanos frequentam instalação há um ano

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A GHAZI BOROTHA (PAQUISTÃO)

Toda vez que uma autoridade paquistanesa vai à TV dizer que houve inaceitável violação do espaço aéreo do país no ataque a Osama bin Laden, o professor primário Assef dá risada.
Para ele e outros moradores da região de Ghazi Borotha, a violação é rotina: eles vivem ao lado de uma base aérea "fantasma" que vem sendo usada por americanos há um ano, segundo contam.
Os militares estrangeiros chegaram, oficialmente, para ajudar após as grandes enchentes de 2010. As águas baixaram, mas, segundo os vizinhos, ele ficaram. O Paquistão nega veementemente que isso tenha acontecido.
A Folha foi até lá na quinta passada. O local fica a duas horas e meia da capital Islamabad e a apenas 25 km de uma das principais bases aéreas paquistanesas, em Kamra -que sedia o esquadrão do orgulho aeronáutico do país, o caça JF-17 Thunder.
"Eles levantam voo várias vezes por semana, mas, depois do ataque em Abbottabad, ficou tudo muito quieto por aqui", conta Assef. A seu lado, o primo Arif detalha: "Eu vi um daqueles helicópteros compridos americanos, todo preto, caindo na segunda-feira depois da ação aqui. Não explodiu, mas ouvi um barulho grande. Depois, a coisa acalmou", diz ele.
A reportagem esboça um Black Hawk, modelo usado pelas forças americanas, notável pelos grandes estabilizadores da cauda. "Esse mesmo, já vi no jornal", diz. O Paquistão não opera o modelo.
Abbottabad é a cidade militar em que Bin Laden estava escondido e foi morto. Os EUA nunca detalharam, mas deixaram subentendido que os quatro helicópteros que participaram da operação partiram do Afeganistão -presumivelmente Jalalabad, onde fica a maior base americana na região, a cerca de 250 km dali. Um deles, com tecnologia furtiva ao radar, foi explodido em solo após uma suposta falha.
Mas, olhando no mapa, Ghazi é bem mais perto, cerca de 60 km. O Black Hawk tem autonomia para ir e voltar ao Afeganistão em missão, mas, se há americanos em Ghazi, ela seria uma opção mais tentadora, ao menos como escala -na sexta, a imprensa paquistanesa disse que ao menos dois dos aparelhos pousaram ao norte, vindos do país vizinho.
Mas há americanos? "Sim, eu já os vi entrando e saindo. Usam jipões com vidros escurecidos, gostam de Land Cruiser. Às vezes, saem com escolta pesada de paquistaneses, que cuidam da área externa da base", conta outro morador, Botal. A Folha viu um desses veículos, um Land Cruiser Prado, quando chegava perto da estrada. Mas os vidros fumê funcionaram, e não era possível definir a etnia dos ocupantes.
A base pode ser chamada de fantasma por suas peculiaridades. Nos anos 70, ela fazia parte do Projeto Hidrelétrico Ghazi Borotha, que dá nome a um canal adjacente que desemboca no reservatório de Tarbela -o sexto maior do mundo.
Há anos, a Força Aérea paquistanesa a tomou, e começam as estranhezas. A base, diferente da praxe no país, não tem marcações oficiais. E não há paiol que os militares locais não identifiquem.
Existem bandeiras paquistanesas pintadas em guaritas e, no portão principal e em discos, a inscrição da "kalimah" (o credo central do islã, a oração que começa com "não há deus senão Alá"). Intercalando no muro, "área proibida", em urdu e inglês.
Não é possível chegar perto, sob pena de prisão. A Folha tirou fotos de dentro do carro em que estava, em movimento. Parando sob uma árvore próxima, não demorou cinco minutos para homens começarem a se aproximar do veículo.
Na noite do dia 2, disse Botal, houve barulho na madrugada. Sua casa não tem rede elétrica, como muitas, e ele disse que não sabia distinguir se eram helicópteros ou aviões -como o modelo turboélice para vigilância eletrônica Saab 2000 que passou pela área enquanto a reportagem estava lá.
Também foi possível ver um helicóptero passar baixo, mas ele era um MI-17 russo da Força Aérea local, provavelmente em direção à base de Kamra.
Examinada com ajuda do site Google Maps, a base tem cinco hangares e uma pista.


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