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Para vaticanista, igreja
não faz revisionismo
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao reiterar a crítica já feita em
2000 à Inquisição, João Paulo 2º
"evocou de modo penitente" um
dos erros do passado da igreja e,
ao mesmo tempo, endereçou
uma crítica ao sectarismo que
orienta os comportamentos de
caráter inquisitorial do mundo
moderno.
É o que diz Giancarlo Zizola, 68,
vaticanista e autor da biografia "A
Utopia de João 23" (1973) e de "O
Sucessor" (1996), sobre a já aberta
sucessão do atual pontífice.
Eis os principais trechos da entrevista de Zizola à Folha.
(JOÃO BATISTA NATALI)
Folha - João 23 e o Concílio Vaticano deram uma interpretação
mais aberta, menos dogmática, a
respeito da igreja. Já estava então
embutida uma condenação da Inquisição?
Giancarlo Zizola - Tanto para
João 23 quanto para João Paulo 2º
a Inquisição não é apenas uma
nódoa na história. Ela é também
um estado de espírito. A Inquisição é uma atitude cultural de autoritarismo, segundo a qual "eu
detenho a verdade" e por isso
obrigo pela força que você esteja
de acordo com as minhas idéias.
Caso contrário, você será excluído
da igreja.
Folha - Seria o caso das guerras e
do terrorismo religioso?
Zizola - Por certo. As guerras religiosas e o terrorismo contra os
dissidentes foram próprios ao
passado da igreja. Pensar criticamente a Inquisição não significa
apenas referir-se a ela como história. É uma atitude permanente
diante daquilo que também ocorre na atualidade.
Folha - A Polônia foi o último país
a abolir a Inquisição. Se o papa fosse italiano esse tema seria tão presente no seu pontificado?
Zizola - Não creio que seja o caso. O primeiro papa que se posicionou contra a Inquisição foi
Leão 13, no século 19. Era um italiano, tanto quanto João 23. Não
creio que a atitude espiritual do
pontífice possa ser interpretada
pelas divisões geográficas da Europa. É algo cultural.
O fato de ser polonês talvez traga ao papa uma sensibilidade
maior quanto às inquisições recentes, como o nazismo e os campos de concentração.
Folha - Mas essa crítica não foi
feita pelo Concílio Vaticano 2º?
Zizola - Há um autoritarismo laico que o nazismo e o comunismo
representaram. São coisas que
João Paulo 2º conheceu de perto
em seu país.
O mundo moderno ainda alimenta comportamentos inquisitoriais, e o papa sabe disso. O concilio consagrou o princípio da liberdade religiosa. Por esse princípio, a verdade é algo na qual ninguém é forçado a acreditar. Ela é
alcançada num processo de escolha e de liberdade.
Folha - O papa minimizou a Inquisição? Por que se penitenciar novamente por causa dela?
Zizola - Ele não a minimizou, e é
uma diretriz de seu pontificado
criticar e pôr um fim aos erros cometidos pela igreja ao longo dos
séculos.
No ano 2000 ele confirmou esse
comportamento durante cerimônia pública na basílica de São Pedro. Referiu-se na época à violência cometida em nome de valores
religiosos e a outros crimes que a
igreja traz em sua história.
Folha - Por que voltar ao assunto?
Zizola - Ele procurou, a meu ver,
evocar de modo penitente a memória de erros do passado. Não se
trata de uma memória revisionista da história eclesiástica. Não há
nisso uma imensa novidade.
Folha - Se o papa não fosse visto
como um conservador, será que ele
precisaria retornar ao tema?
Zizola - A visão de que existe
uma igreja progressista e outra
conservadora acaba por prejudicar o entendimento sobre o conteúdo histórico e espiritual dos
pontificados.
João Paulo 2º procurou preservar as tradições do catolicismo e
da vida espiritual familiar. Mas,
por outro lado, ele também dá à
religião uma interpretação inovadora, como a relação da igreja
com sua memória.
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