São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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Inquisições visavam assegurar ortodoxia católica

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os seis séculos de Inquisição percorrem momentos bastante diferenciados de repressão a hereges, alquimistas, bruxos e, nos países ibéricos, também a muçulmanos e judeus, suspeitos de práticas religiosas proibidas.
Mas todas essas formas têm como denominador comum a violência institucional da igreja, o sectarismo e a intolerância incompatíveis com as liberdades do indivíduo que o iluminismo difundiu a partir do século 18.
A Inquisição partia da idéia, compartilhada pela igreja, pela nobreza e por boa parte das pessoas pobres, de que a sociedade deveria ser homogênea em suas idéias confessionais. A adesão incompleta a determinada forma de cultuar Deus tornava-se, então, passível de punição.
Hereges -que contestavam a ortodoxia do cristianismo- existiam desde o princípio da religião. A novidade em 1231, quando Gregório 9º instituiu o primeiro tribunal, estava na adoção de práticas jurídicas codificadas para identificar dissidentes e submetê-los a penas que iam do simples jejum ou penitência até a morte na fogueira.
Dirigidos por franciscanos e dominicanos, tais tribunais foram de início ativos no sul da França, no norte da Itália e na Alemanha. Em 1478, Sixto 4º autorizou-os na Espanha, onde os julgamentos ocorreram segundo a lógica persecutória do poder temporal -os reis Fernando e Isabel não haviam obtido a conversão voluntária de mouros e judeus sefaraditas.
Em 1542, Paulo 3º cria a Inquisição romana, destinada a conter a propagação na Itália dos adeptos de Lutero e Calvino.
Na Espanha, a Inquisição foi extinta apenas em 1834, e só depois disso na Polônia. Deixou um rastro de arbítrio e aberrações. Entre elas, as condenações de Giordano Bruno, em 1592, e de Galileu, em 1633, ambos adeptos da teoria de Copérnico, segundo a qual a Terra girava em torno do Sol.
Alguns inquisidores são de tristíssima memória, como o dominicano Tomás de Torquemada, responsável por algo como 2.000 mortes em fogueiras espanholas. Ele também aplicou amplamente o confisco dos bens dos réus -suspeita-se que Inquisição "fabricava" hereges para ampliar seu patrimônio.
Tribunais da Inquisição não foram instalados no Brasil. Os processos eram julgados em Portugal, onde, em 1536, a monarquia obteve do papa a autorização para instalá-los. Mas as terras brasileiras foram objeto de "visitações" do Santo Ofício, a primeira delas em 1618, a segunda em 1623. Fora desses períodos, bispos da colônia eram encarregados dos inquéritos.
Entre 1694 e 1748 foram 18 os brasileiros condenados à morte pela Inquisição de Lisboa. A mais conhecida das vítimas foi o dramaturgo Antônio José da Silva (autor de "Guerras de Alecrim e Manjerona"), cognominado "O Judeu", queimado em 1793.
Mas os efeitos desse conjunto heterogêneo de tribunais não podem ser contabilizados pelo número de execuções. Eles criaram na verdade um clima generalizado de temor e delação. Retrospectivamente, representaram uma forma explícita de insegurança e de terrorismo ideológico.


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