São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2008

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China pressiona pais de vítimas do tremor

Parentes das dez mil crianças mortas em escolas que desabaram são impedidos de protestar e de recorrer à Justiça

Inicialmente elogiado por abertura informativa, agora o governo chinês instrui imprensa a dar destaque aos "resgates heróicos"

Alexander F. Yuan-13.jun.2008/ Associated Press
Parentes de um garoto de 13 anos que morreu após ter sido atingido pelos destroços da escola em que estudava, em Sichuan

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Pais de crianças que morreram no desabamento de escolas por causa do terremoto do mês passado em Sichuan estão sendo impedidos de protestar ou recorrer à Justiça.
Um mês depois do terremoto, que matou quase 70 mil pessoas, o governo tem negado o acesso de jornalistas estrangeiros às escolas, proibido a imprensa local de falar da má qualidade das construções e assediado os pais mais revoltados.
Na quinta-feira, dia que marcou um mês do terremoto, escolas ainda em escombros foram isoladas pela polícia. Pais que queriam fazer vigília foram instruídos a não ficarem ali.
Cerca de 10 mil crianças morreram quando as escolas desabaram após o terremoto de 12 de maio, que atingiu 7,9 graus na escala Richter. Prédios ao redor delas ficaram em pé, o que motivou denúncias de corrupção na construção de escolas com materiais baratos.
"Muitos pais queriam apenas homenagear seus filhos mortos, mas não podemos chegar perto da escola, há centenas de policiais ao redor", disse ao jornal britânico "The Guardian" a agricultora Xu Yan, mãe de uma menina de 11 anos que morreu sob os escombros da escola Xinjian.
A Folha conversou por telefone com dois pais, de Dujiangyang, que pediram para não ter sua identidade revelada. "Fomos alertados por policiais para não conversar com jornalistas estrangeiros."
Ambos contaram que o governo prometeu o equivalente a R$ 3.000 a quem perdeu o filho na tragédia - há 30 anos impera a política do filho único no país. Eles tentaram organizar um protesto, mas policiais desfizeram a aglomeração.

Adeus, abertura
O governo chinês foi elogiado por um inédito grau de abertura no fluxo de informações sobre o terremoto e pelo acesso relativamente livre de jornalistas às áreas destruídas. Mas liberalização já virou passado.
Editores chineses contaram à reportagem da Folha que receberam ordens do governo de dar prioridade a histórias sobre heroísmo no resgate e na eficiência do governo, e não tocar no assunto das chamadas "escolas tofu", que desabaram.
Oficialmente, a mídia estatal chinesa diz que o acesso às zonas afetadas pelo terremoto ainda é sem restrições.
"Se as escolas tivessem sido construídas de acordo com o código de construção, elas não desabariam imediatamente após um terremoto", diz Liang Wei, vice-diretor de Planejamento Urbano do Instituto de Desenho da Universidade Tsinghua. "Elas tinham problemas de desenho ou de procedimento construtivo."
O Departamento de Educação de Sichuan divulgou uma lista com as cinco causas dos desmoronamentos: magnitude do terremoto; coincidência com o horário das aulas; salas superlotadas, o que dificultou a fuga; o fato de muitas escolas serem construções antigas; problemas no desenho delas, que não previa terremotos.
"Quando um terremoto mais forte acontece, eles [os prédios] podem sofrer rachaduras, algumas partes podem entortar, mas eles não desabam imediatamente, como aconteceu em Sichuan", escreveu em seu blog o engenheiro pequinês Wang Bangjin.

Evitar problemas
Um reconhecido escritor de Xangai, Yu Qiuyu, escreveu em seu blog que os pais deveriam "evitar a criação de mais problemas". Ele disse que a "mídia ocidental anti-China" iria utilizar o protesto dos pais para "estragar a imagem do país" e que as escolas teriam desabado de qualquer jeito.
Se há dois meses a opinião do escritor teria sido aplaudida pelo nacionalismo que impera na internet chinesa, desta vez a reação foi contrária. Internautas o atacaram, dizendo que ele "não tem coração" e que só queria bajular o governo.


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