São Paulo, Quarta-feira, 16 de Junho de 1999
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ANÁLISE
Vingança e humilhação ameaçam paz

do enviado especial a Pristina

Apesar do acordo de paz, Kosovo ainda é um barril de pólvora. O sentimento de vingança dos albaneses e a humilhação da retirada sérvia ameaçam fazer correr mais sangue na Província.
Os papéis devem se inverter agora. Com o fim da polícia sérvia, que acabou oficialmente ontem, uma nova força de segurança civil terá de ser constituída.
O ELK (Exército de Libertação de Kosovo), a guerrilha separatista, está pronto para ceder parte significativa de seu contigente para essa finalidade.
Os policiais e paramilitares sérvios, que fizeram o serviço mais sujo na guerra, a partir de agora são apenas civis. O novo policial poderá "visitar" aquele que massacrou e matou seus familiares.
Se a Otan e a ONU, encarregada de criar novas instituições civis em Kosovo, falharem em dar segurança aos sérvios que ficaram, naturalmente se formará uma nova "guerrilha".
Em Pristina, albaneses que trabalham com os jornalistas estrangeiros já temem franco-atiradores.
A humilhação sérvia é vísivel na retirada dos soldados (abatidos e contrariados) e no êxodo dos civis para o norte. A "integridade territorial iugoslava" é uma ficção do acordo de paz.
A Sérvia perdeu Kosovo. Quem dá as cartas não é a ONU (Organização das Nações Unidas), como diz o ditador Slobodan Milosevic para mascarar sua derrota, apesar de ter surpreendido a Otan.
Quem manda é a Otan, que travou uma guerra improvisada (deveria durar 2 semanas, mas durou 11), tomou uma rasteira na hora da "photo op" (os russos foram as primeiras forças de paz a chegar a Pristina), mas ocupa competentemente o território kosovar.
O problema é que não basta o superpoder da maior máquina militar do planeta para acabar com o ódio racial em Kosovo.
Uma "paz artificial" não demorará a ser quebrada se extremistas dos dois lados voltarem a se enfrentar.
Outro fator de desestabilização é a crise econômica que atinge a Sérvia por quase dez anos.
Sem ajuda financeira das potências ocidentais a Belgrado, o alto desemprego (1,6 milhão dos cerca de 8 milhões de habitantes, segundo o governo) e refugiados (400 mil da Guerra da Bósnia e os que estão deixando Kosovo agora) podem dar combustível para a subida ao poder de extremistas.
Vojislav Seselj, que anunciou sua saída do governo, é líder do SRS (Partido Radical da Sérvia) e parece apostar no declínio de Milosevic. É mais nacionalista, ao menos na retórica, do que o ditador.
Em Kosovo, além da recomposição econômica (a infra-estrutura está completamente devastada), a ONU e a Otan têm a missão de "ensinar" tolerância aos albaneses, para que não repitam a violência da qual foram vítimas.
É compreensível a sede de vingança da população que sofreu uma cruel limpeza étnica, cujas evidências de atrocidades são cada vez maiores.
No entanto, o Ocidente deve prestigiar lideranças pacifistas, como o kosovar de etnia albanesa Ibrahim Rugova, aos extremistas do ELK.
Ontem, tropas da Otan prenderam pela primeira vez soldados da guerrilha.
Esse ato soou como uma resposta clara ao clamor sérvio por proteção. Na mesma tarde, o congressista Vojislav Vukcevic, enviado a Pristina de pelo líder sérvio moderado Vuk Draskovic (liderança mais simpática aos ocidentais e vice-versa), fazia um apelo.
"Peço ao povo sérvio que continue aqui, onde já vive por 13 séculos. Já resistiu à dominação do Império Otomano (por mais de cinco séculos) e pode fazê-lo agora. Se não proteger os sérvios, as Nações Unidas e a Otan terão falhado no cumprimento de sua missão em Kosovo." (KA)


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