São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2007

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Abuso alimentou movimentos por mudanças

DE NOVA YORK

O grupo Voice of the Faithful (Voz dos Fiéis) sempre foi o mais conservador e comedido dentre os movimentos católicos americanos que clamam por mudanças na igreja. Criado em Boston, em 2002, após virem à tona denúncias de abusos sexuais contra crianças cometidos por padres daquela diocese, defendia genericamente mais "transparência" na forma como a igreja é administrada.
Agora, após ter conquistado para a sua causa 35 mil membros em todo o mundo, segundo dados próprios, decidiu mudar de estratégia: também está apresentando uma reivindicação concreta, a de que o Vaticano revise a obrigatoriedade do celibato para os padres.
"Desde o início estamos tentando entender o porquê de tudo aquilo e concluímos que a forte cultura do segredo, da qual o celibato é parte, foi uma das causas", explica Mary Pat Fox, presidente do Voice of the Faithful. Na sua opinião, se as suspeitas tivessem sido tratadas às claras em vez de acobertadas pelos bispos, muitos casos seriam evitados e ainda serviriam como exemplo para outras comunidades católicas que eventualmente enfrentem problema parecido.
A atitude do grupo evidencia a característica mais marcante da Igreja Católica nos EUA: a iniciativa dos fiéis. "Seria muito fácil simplesmente mudar para uma religião que estivesse de acordo com as suas crenças do que é certo, do que é errado, de como a igreja é administrada. Mas as pessoas são tão leais à sua fé que, em vez disso, realizam as transformações", comenta Thomas Groome, professor do Departamento de Teologia do Boston College. "Esse orgulho de ser católico confere vitalidade à igreja."
O Voice of the Faithful é cauteloso. Como não quer partir para o enfrentamento, Fox mede com cuidado cada palavra que diz. Movimentos antigos, entretanto, são bem mais incisivos e têm atraído grande número de fiéis porque corrigem parte do descompasso entre as normas religiosas em vigor e os anseios da sociedade moderna. "Todo mundo quer ter um bom casamento, uma boa vida, criar os seus filhos, e muitas pessoas se sentem excluídas pela doutrina. Dentro dos grupos, elas encontram apoio. Afinal, Cristo simplesmente acolhia a todos do jeito que eram", destaca o escritor Brian McLaren, autor de livros como "A Mensagem Secreta de Jesus", lançado no Brasil neste ano pela editora Thomas Nelson.

Gays e mulheres
Em 1976, nasceu o Call to Action (Chamado à Ação), que luta por objetivos como a aceitação dos homossexuais e maior participação das mulheres na igreja. Bandeiras semelhantes tem o Future Church (Igreja do Futuro). Mas, para todos os questionamentos que esses grupos fazem, a resposta é apenas uma: "Não podemos fazer nada, isso é assunto para o Vaticano", diz, firme, a feira Mary Ann Walsh, porta-voz da Conferência de Bispos Católicos dos EUA.
Reclamando da falta de diálogo, Nicole Sotelo, diretora do Call to Action, relata o caso de um bispo de Nebraska que chegou a chamar a polícia para prender um grupo de católicos que entrou em seu escritório para lhe entregar uma carta.
Exceto pelo Voice of the Faithful, que ainda neste ano deseja fazer chegar às mãos do papa um documento com os seus pedidos, ninguém espera grandes avanços da igreja enquanto ela estiver sob Bento 16.
"O problema é a alta hierarquia, o papa e os cardeais são extremamente conservadores", lamenta Aisha Taylor, diretora da Conferência para a Ordenação de Mulheres. Mas depois acrescenta, animada: "Eles não estão prontos para a transformação, mas tenha certeza de que os fiéis estão".
"Bento 16 é o papa número 265. Haverá o 266, o 267, o 268... Nunca se sabe, pode ser em um ano ou 20, mas a igreja não tem alternativa senão mudar. Até porque o que esses grupos defendem são valores universais como igualdade, compreensão e justiça", completa o professor Groome. (DG)


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