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OPINIÃO
A direita latina contra-ataca ante a hesitação de Obama
"Distração" dos Estados Unidos permite que a situação golpista em Honduras se cristalize e incentiva setores conservadores em outros países da América Central
IMMANUEL WALLERSTEIN
O GOVERNO de George
W. Bush foi o momento da maior onda de vitórias dos partidos à esquerda
do centro na América Latina,
em mais de dois séculos. O governo de Barack Obama corre o
risco de ser o momento da vingança da direita na região.
O motivo pode ser o mesmo:
a combinação entre o declínio
do poderio americano e a posição central que os EUA ainda
mantêm na política mundial.
Os EUA são incapazes de se impor, mas ainda assim são vistos
como aliados necessários por
quase todo o mundo.
O que aconteceu em Honduras? O país vem sendo há muito
tempo um dos mais seguros pilares das oligarquias latino-americanas -uma classe dominante arrogante e insubmissa,
com estreitas conexões com os
EUA, em um país que abriga
uma grande base militar americana. As Forças Armadas do
país são cuidadosamente recrutadas de maneira a evitar
qualquer contágio por oficiais
com simpatias populistas.
Como oriundo da classe dominante, a expectativa era a de
que Zelaya continuasse a jogar
o jogo como os presidentes
hondurenhos sempre jogaram.
Mas, em vez disso, sua posição
política começou a ganhar tons
esquerdistas. Zelaya empreendeu programas internos que,
na verdade, faziam alguma coisa pela vasta maioria da população -construção de escolas
em regiões rurais remotas, aumento no salário mínimo, criação de clínicas de saúde. Após
dois anos, aderiu à Alba, a organização de cooperação internacional fundada pelo presidente
venezuelano, Hugo Chávez.
Depois, ele propôs realizar
um plebiscito sobre a opinião
da população quanto à possível
convocação de uma Assembleia
Constituinte. A oligarquia berrou que isso era uma tentativa
de mudar a Constituição para
que Zelaya pudesse disputar
um segundo mandato. Mas, como o plebiscito seria realizado
na mesma data em que a eleição de seu sucessor, a alegação
era claramente falsa.
Por que, então, o Exército
conduziu um golpe de Estado,
com apoio da Corte Suprema,
do Legislativo e da Igreja Católica? Dois fatores foram decisivos: a opinião desses grupos sobre Zelaya e sua opinião sobre
os EUA. Para a oligarquia hondurenha, Zelaya traiu sua classe e por isso merece ser punido,
para servir como exemplo.
E quanto aos EUA? Quando o
golpe aconteceu, alguns dos
mais ruidosos comentaristas
de esquerda da blogosfera o definiram como "golpe de Obama". Mas isso ignora a realidade. Nem Zelaya, nem seus partidários nas ruas, nem Chávez e
nem Fidel Castro analisam a situação de maneira tão simplista. Todos eles percebem a diferença entre Obama e a direita
americana (políticos ou comandantes militares) e expressaram repetidamente uma análise muito mais balanceada.
Parece bastante claro que a
última coisa que o governo
Obama desejava era um golpe
como esse. O golpe, na verdade,
foi uma tentativa de forçar
Obama a uma atitude. E essa
posição foi sem dúvida encorajada por importantes figuras da
direita americana, entre as
quais Otto Reich, o americano
de origem cubana que assessorava Bush sobre a política regional. Foi algo parecido com a
tentativa do presidente Mikhail Saakashvili, da Geórgia,
de forçar uma ação dos EUA, ao
invadir a Ossétia do Sul. Aquela
também foi uma ação empreendida com a conivência da
direita dos EUA. Mas não funcionou porque os soldados da
Rússia impediram.
Obama está vacilando desde
o golpe em Honduras. E por enquanto a direita hondurenha e
dos EUA está contente por ter
conseguido reverter a política
americana. Bastam algumas de
suas declarações mais absurdas
como prova. O chanceler hondurenho apontado após o golpe, Enrique Ortez, afirmou que
Obama era "um negrinho que
não sabe nada de nada". O embaixador dos EUA protestou
contra o insulto, e Ortez terminou transferido a outro posto.
A direita dos EUA é mais polida, mas não menos feroz. O
senador republicano Jim DeMint, a deputada de origem cubana Ileana Ros-Lethinen e o
advogado conservador Manuel
Estrada vêm insistindo em que
o golpe era justificado porque,
na verdade, não foi um golpe, e
sim uma defesa da Constituição hondurenha. E Jennifer
Rubin, uma blogueira de direita, publicou um post intitulado
"Obama está errado, errado, errado sobre Honduras".
A direita hondurenha está
tentando ganhar tempo, até
que se encerre o mandato de
Zelaya. Caso consigam realizar
esse objetivo, terão vencido. E
as direitas guatemalteca, salvadorenha e nicaraguense estão
assistindo a tudo, ansiosas por
promover golpes contra os governos de seus países.
A esquerda chegou ao poder
na América Latina devido ao
momento econômico propício
e à distração dos EUA. Agora, a
distração continua, mas o momento econômico é pior. E a esquerda leva a culpa por estar no
poder, ainda que na verdade
haja pouco que os governos de
esquerda possam fazer quanto
à economia mundial.
Será que os EUA podem fazer
algo mais com relação ao golpe?
Bem, é evidente que sim. Primeiro, Obama poderia oficialmente classificar o golpe como
golpe. Isso faria com que passasse a valer a lei americana
que dispõe que toda a assistência dos EUA a Honduras seja
suspensa. Ele poderia retirar o
embaixador americano do país.
Poderia dizer que não há nada a
negociar, em lugar de insistir
em "mediação" entre o governo
legítimo e os líderes do golpe.
Por que não faz tudo isso? É
simples. Há pelo menos quatro
outros itens de grande urgência
em sua agenda: a confirmação
de Sonia Sotomayor para a Suprema Corte; a confusão no
Oriente Médio; sua necessidade de aprovar ainda neste ano
seu pacote de saúde; e a pressão
pela abertura de um inquérito
sobre os atos ilegais do governo
Bush. Lamento, mas Honduras
ocupa o quinto lugar.
Assim, Obama vacila. E ninguém ficará satisfeito. Zelaya
pode ser restituído ao seu posto, mas talvez só daqui a três
meses. Tarde demais. Melhor
ficar de olho na Guatemala.
IMMANUEL WALLERSTEIN, pesquisador sênior na Universidade Yale, é autor de "O Declínio
do Poder Americano" (Contraponto). Este artigo
foi distribuído pela Agence Global.
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