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análise
Texto provoca interpretações conflitantes
FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO
O tema central do discurso
de Bento 16, que provocou
revolta em vários setores da
comunidade muçulmana internacional, não era a relação
entre o islã e o cristianismo.
No entanto, o pronunciamento deu margem a interpretações conflitantes das
palavras de Ratzinger por
parte de especialistas das
duas correntes.
O assunto principal que o
papa trouxe à tona enquanto
falava à platéia da Universidade de Regensburg -e que
acabou ficando em segundo
plano- foi a relação entre fé
e razão.
E o cerne da argumentação
do papa foi a afirmação de
que "não agir racionalmente
é contra a natureza de Deus".
Isso porque, conforme o sumo pontífice, a razão humana é manifestação divina, ou
seja, Deus está presente em
cada um dos homens também por meio da razão.
Fé e violência
A partir daí ele desenvolve
um raciocínio que culmina
no reconhecimento de que o
pensamento racional que rejeita a religião como fonte de
princípios éticos é limitado.
Até chegar a essa conclusão,
ele passa por episódios da
história da teologia cristã e
faz referências a Kant e Sócrates.
O problema com os clérigos muçulmanos -e agora
com políticos de países islâmicos- está no exemplo de
que Bento 16 se utilizou para
dar início ao seu discurso.
O papa citou trecho de um
diálogo que ocorreu ("talvez", como ele mesmo frisa)
no final do século 14, entre o
imperador bizantino Manuel 2º Paleólogo e um "persa instruído" sobre "a cristandade, o islã e a verdade de
ambos". A certa altura, o imperador pede ao seu interlocutor que lhe mostre "o que
Maomé trouxe de novo, e você só encontrará coisas más e
desumanas, como sua ordem
de espalhar pela espada a fé
que pregava".
O exemplo é usado pelo
papa para dizer que o imperador percebia que atos irracionais -no caso, a guerra, a
violência- são contrários a
Deus.
"Não dá pra ter religião
com violência; era isso que o
papa queria dizer", explica o
teólogo Fernando Altemeyer
Jr., ouvidor e professor da
PUC-SP.
Embora o papa tenha afirmado que a pergunta do imperador ao persa foi "brusca", não a condenou. E clérigos muçulmanos viram no
uso desse exemplo um sinal
de que o papa não entende
claramente o conceito de "jihad" (que os muçulmanos
traduzem como "esforço" e
que é associada no Ocidente
à guerra santa), ligando o islã
à violência.
Razão no islã
E viram também, num nível mais sutil, a indicação de
que o islã mantém uma visão
da racionalidade como algo
não necessariamente ligado
à religião -como o próprio
papa disse, "no ensinamento
muçulmano, Deus é absolutamente transcendente" (o
que significa que pode ser
um esforço vão tentar chegar
a Deus por meio da razão).
"É lamentável; o papa não
sabe o mínimo necessário da
religião islâmica", diz o xeque Jihad Hassan, vice-presidente para a América Latina da Assembléia Mundial
da Juventude Islâmica. "A fé
é racional também para o islã", completa o xeque Hassan. Do contrário, "como explicar grandes descobertas
científicas por parte dos muçulmanos, que seguiam o Alcorão?".
Segundo Altemeyer, porém, a intenção de Bento 16
não foi criticar o islã: "Ele
não está criticando o islã"; o
que ele afirma é que "não é
possível pensar Deus ligado a
sangue".
Já o xeque Hassan concorda que "a condenação à violência é imperativa, o problema ocorre quando, ao condená-la, você a liga a um grupo
específico. É uma forma de
criar um preconceito".
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