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Agentes de Pando atuaram em massacre
Vídeo mostra que funcionários do governo de oposição a Evo Morales atiraram em camponeses que fugiam por um rio
Polícia assistiu à cena sem intervir; marcas do embate que deixou pelo menos 15 mortos e 106 desaparecidos ainda são vistas em Porvenir
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A
PORVENIR E FILADELFIA (BOLÍVIA)
Funcionários do departamento boliviano de Pando, governado pelo oposicionista
Leopoldo Fernández, participaram dos confrontos entre
camponeses pró-Evo Morales e
opositores do presidente que,
segundo informações corrigidas ontem por La Paz, deixaram ao menos 15 mortos e 106
desaparecidos na quinta-feira.
Relatos de sobreviventes,
corroborados por imagens às
quais a Folha teve acesso, mostram que atiradores dispararam contra camponeses que
tentavam fugir a nado. A Polícia Departamental, que responde ao governo nacional, assistiu à cena sem intervir.
Quatro dias depois dos confrontos, no centro de Porvenir,
um casario de cerca de 3.000
habitantes, seis carcaças de
veículos queimados ainda estavam na rua, junto a um parque
infantil. Todos pertenciam aos
camponeses, que fugiram a pé
ou a nado. Ou foram mortos.
"Fizeram uma emboscada",
diz o morador de uma casa vizinha à praça, que pediu para não
ser identificado. "Dizem que os
camponeses tinham armas,
mas não vi nenhuma". Ele insiste ter visto funcionários do
departamento no confronto.
Metros adiante, uma moradora, também sob anonimato,
afirma que a maioria dos camponeses carregava paus e alguns portavam rifles.
Na rua que termina no rio,
outro morador de Porvenir disse que os camponeses foram
perseguidos a tiros até as águas
-os dois buracos de bala em
sua casa têm essa trajetória.
O confronto teve início na
madrugada da última quinta,
quando três caminhões com
cerca de 340 camponeses vindos de Puerto Rico se aproximaram de Porvenir. O destino
era Filadelfia, a 15 km dali. Segundo os camponeses, haveria
ali um encontro de organizações que apóiam Morales.
O comboio foi impedido de
prosseguir por uma trincheira
cavada por funcionários do departamento. Para justificá-la, o
governador Leopoldo Fernández alegou que os camponeses
"estavam armados e iam participar de um ataque contra os
oposicionistas organizado pelo
ministro da Presidência [Juan
Ramón Quintana]".
Durante a tentativa de ultrapassar a barreira, um engenheiro do departamento morreu. Fernández diz que ele foi
baleado, mas os camponeses
alegam que ele morreu quando
a sua camioneta se chocou com
um carro do comboio.
No início da manhã, os camponeses avançaram até o centro de Porvenir, mas foram
barrados por cerca de 50 homens da Polícia Departamental de Pando, submetida ao governo nacional, para evitar o
choque com a oposição.
Aos poucos, os dois grupos
incharam. Por volta do meio-dia, os opositores, fortemente
armados, avançaram dos dois
lados da rua, obrigando os camponeses a deixar seus carros e a
fugir pelo rio Tahuamano, de
20 metros de largura. A polícia,
dizem ambos os lados, nada
fez. Uma seqüência de vídeo
amador mostra que, durante a
travessia, foram feitos disparos
contra os que estavam na água.
O governo boliviano afirma
que provavelmente a maioria
dos desaparecidos morreu a tiros quando estava no rio.
A reportagem foi à sede da
Polícia Departamental em Porvenir, mas o comandante de
plantão não quis falar.
Prefeitura incendiada
Por volta do meio-dia de ontem, a reportagem visitou o povoado de Filadelfia, sede do
município, um reduto de apoiadores de Morales de apenas 120
habitantes. Ante a negativa de
táxis, os 15 km de distância foram percorridos em uma moto.
Na rua principal, ainda saía
fumaça do que sobrou de uma
pequena casa de madeira onde
funcionava a Prefeitura, incendiada na madrugada de domingo. Todo o arquivo e dois meses
de merenda infantil do município de 6.000 habitantes foram
queimados, exceto por algumas
cebolas ao lado das ruínas.
Ontem, dez homens de uma
força especial do Exército boliviano patrulhavam o povoado
com metralhadoras e revólveres. "Eles estão muito assustados. Muitos moradores tinham
ido dormir no mato e deixaram
os móveis fora de casa para que
não queimassem em caso de
ataque", disse um tenente, sob
condição de anonimato.
Após submeter a reportagem
a revista e perguntas, o prefeito
pró-Morales Antonio Aguilera
Roca e outros líderes aceitaram
falar e autorizaram fotos.
Quase todos os camponeses e
dirigentes estavam nos confrontos de Porvenir. Alguns deles mostraram cicatrizes de disparos. Os de Puerto Rico estavam em situação mais precária:
perderam todos os pertences e,
sem segurança para voltar, dormem na pequena biblioteca.
Segundo Aguilera, 70 moradores do município desapareceram. Um deles é o dirigente
Victor Choque. Chorando, sua
mulher, Dilma Hurtado, 44,
disse que não voltaria à sua casa, a sete horas de viagem, até
encontrá-lo.
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