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entrevista
Papel do Brasil deve ser evitar intervenções
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
O presidente Lula deveria
converter sua popularidade
em liderança regional, a fim
de servir como um agente
moderador em crises como a
da Bolívia.
A opinião é da chilena
Marta Lagos, fundadora e diretora do Latinobarómetro,
instituto de pesquisas que
desde 1995 monitora os humores da opinião pública em
relação ao desempenho dos
governantes latino-americanos. De passagem por Genebra para uma conferência,
Lagos disse à Folha que a
violência na Bolívia é "inevitável" e criticou a interferência externa na crise, mencionando Venezuela e EUA.
FOLHA - O diálogo entre governo e oposição pode criar uma solução consistente?
MARTA LAGOS - A Bolívia vive
uma luta entre o poder político, que conta com o apoio
da maioria, como mostrou o
plebiscito revogatório, e o
poder econômico. Uma divisão que também é geográfica,
algo semelhante ao que ocorreu nas eleições de Brasil,
México, Equador e Peru. São
muitos os países em que a
pobreza e a política estão
correlacionados geograficamente, o que torna as divisões ainda mais complexas.
Essa luta na Bolívia representa um novo aspecto na luta pela democracia. Antes
era a minoria que dominava
a maioria, pois tinha o poder
político e econômico. Hoje a
maioria política não consegue dominar a minoria econômica. Acho que a Bolívia
enfrentará uma série de instabilidades institucionais
inevitáveis antes de haver
uma solução negociada. Em
todo o mundo a democracia
foi construída após a violência e não vejo que na Bolívia
seja diferente.
FOLHA - Por quê?
LAGOS - Acho que é inevitável que haja mais violência.
Torço para que não seja uma
guerra civil ou um conflito
apoiado por agentes internacionais. O ideal seria que os
bolivianos pudessem resolver seus problemas sozinhos
e que ninguém mais interviesse para "ajudar". A autodeterminação dos povos vale
neste caso.
FOLHA - A interferência externa
foi negativa? Como os países da
região podem ajudar?
LAGOS - Toda interferência
externa é sempre negativa,
porque desequilibra os poderes de uma sociedade. A comunidade internacional pode fazer muito vigiando e observando para que não haja
intervenções incorretas.
FOLHA - Quando fala em intervenção negativa a sra. se refere à
Venezuela?
LAGOS - Estou falando da
Venezuela, mas também dos
EUA, que fornecem armas à
oposição, o que pode tornar a
situação ainda mais grave. O
Brasil poderia ajudar impedindo que os EUA fizessem
isso. Essa sim, seria uma intervenção externa positiva.
Seria fantástico também se
pudesse transmitir ao governo Chávez que não interfira.
FOLHA - Mas a sra. tem provas
de que os americanos estejam armando a oposição?
LAGOS - Não. O que há são
suspeitas, que são reforçadas
pelo histórico de intervenções dos EUA na América
Latina. Esse histórico e o fato
de a Bolívia ter expulsado o
embaixador americano criaram o temor de que poderia
estar se repetindo uma intervenção como a do passado.
FOLHA - O presidente Lula tem
recorde de aprovação doméstica
e é também o líder latino-americano mais popular, como mostra
o Latinobarómetro. Isso deve ser
traduzido em liderança regional?
LAGOS - Creio que sim. Muita gente espera que ele possa
levantar mais a voz em nome
da América Latina. Ele é um
líder muito mais consensual
do que Chávez, que neste
momento tem muitos pontos negativos. Lula, por outro
lado, conseguiu um equilíbrio muito difícil. Deveria levantar a voz para defender a
Bolívia contra a intervenção
de governos estrangeiros.
FOLHA - Que Bolívia emergirá
desta crise?
LAGOS - Não sei se a Bolívia
terá uma Constituição socialista, como disse Morales,
mas sem dúvida será uma
Carta muito mais democrática que a de hoje. Os bolivianos estão enfrentando simultaneamente problemas
que outros países tiveram 50
ou 60 anos para abordar.
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