São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2008

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entrevista

Papel do Brasil deve ser evitar intervenções

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

O presidente Lula deveria converter sua popularidade em liderança regional, a fim de servir como um agente moderador em crises como a da Bolívia. A opinião é da chilena Marta Lagos, fundadora e diretora do Latinobarómetro, instituto de pesquisas que desde 1995 monitora os humores da opinião pública em relação ao desempenho dos governantes latino-americanos. De passagem por Genebra para uma conferência, Lagos disse à Folha que a violência na Bolívia é "inevitável" e criticou a interferência externa na crise, mencionando Venezuela e EUA.

 

FOLHA - O diálogo entre governo e oposição pode criar uma solução consistente?
MARTA LAGOS
- A Bolívia vive uma luta entre o poder político, que conta com o apoio da maioria, como mostrou o plebiscito revogatório, e o poder econômico. Uma divisão que também é geográfica, algo semelhante ao que ocorreu nas eleições de Brasil, México, Equador e Peru. São muitos os países em que a pobreza e a política estão correlacionados geograficamente, o que torna as divisões ainda mais complexas. Essa luta na Bolívia representa um novo aspecto na luta pela democracia. Antes era a minoria que dominava a maioria, pois tinha o poder político e econômico. Hoje a maioria política não consegue dominar a minoria econômica. Acho que a Bolívia enfrentará uma série de instabilidades institucionais inevitáveis antes de haver uma solução negociada. Em todo o mundo a democracia foi construída após a violência e não vejo que na Bolívia seja diferente.

FOLHA - Por quê?
LAGOS
- Acho que é inevitável que haja mais violência. Torço para que não seja uma guerra civil ou um conflito apoiado por agentes internacionais. O ideal seria que os bolivianos pudessem resolver seus problemas sozinhos e que ninguém mais interviesse para "ajudar". A autodeterminação dos povos vale neste caso.

FOLHA - A interferência externa foi negativa? Como os países da região podem ajudar?
LAGOS
- Toda interferência externa é sempre negativa, porque desequilibra os poderes de uma sociedade. A comunidade internacional pode fazer muito vigiando e observando para que não haja intervenções incorretas.

FOLHA - Quando fala em intervenção negativa a sra. se refere à Venezuela?
LAGOS
- Estou falando da Venezuela, mas também dos EUA, que fornecem armas à oposição, o que pode tornar a situação ainda mais grave. O Brasil poderia ajudar impedindo que os EUA fizessem isso. Essa sim, seria uma intervenção externa positiva. Seria fantástico também se pudesse transmitir ao governo Chávez que não interfira.

FOLHA - Mas a sra. tem provas de que os americanos estejam armando a oposição?
LAGOS
- Não. O que há são suspeitas, que são reforçadas pelo histórico de intervenções dos EUA na América Latina. Esse histórico e o fato de a Bolívia ter expulsado o embaixador americano criaram o temor de que poderia estar se repetindo uma intervenção como a do passado.

FOLHA - O presidente Lula tem recorde de aprovação doméstica e é também o líder latino-americano mais popular, como mostra o Latinobarómetro. Isso deve ser traduzido em liderança regional?
LAGOS
- Creio que sim. Muita gente espera que ele possa levantar mais a voz em nome da América Latina. Ele é um líder muito mais consensual do que Chávez, que neste momento tem muitos pontos negativos. Lula, por outro lado, conseguiu um equilíbrio muito difícil. Deveria levantar a voz para defender a Bolívia contra a intervenção de governos estrangeiros.

FOLHA - Que Bolívia emergirá desta crise?
LAGOS
- Não sei se a Bolívia terá uma Constituição socialista, como disse Morales, mas sem dúvida será uma Carta muito mais democrática que a de hoje. Os bolivianos estão enfrentando simultaneamente problemas que outros países tiveram 50 ou 60 anos para abordar.


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