São Paulo, quarta-feira, 16 de setembro de 2009

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Unasul continua sem consenso sobre bases

Bogotá se nega a dar garantias formais cobradas por vizinhos em reunião de chanceleres e ministros da Defesa, em Quito

"A Colômbia não percebe o incômodo que isso causa nos outros países e não procura solucionar", desabafa Celso Amorim após novo fracasso


Dolores Ochoa/Associated Press
O chanceler e o ministro da Defesa colombianos, Jaime Bermúdez e Gabriel Silva, ao lado dos colegas brasileiros Amorim e Jobim

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A QUITO

Contrariando pressões dos outros 11 países da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), a Colômbia rejeitou dar garantias por escrito de que as bases militares cujo acesso facultará a forças americanas não servirão para atacar outros países, o que levou ao fracasso a reunião de chanceleres e ministros de Defesa da região convocada para debater o tema.
O encontro, realizado ontem em Quito sob os auspícios da presidência pro-tempore equatoriana da Unasul, não teve comunicado final e nem sequer resultou na promessa de um novo encontro para debater as preocupações militares.
A reunião também evidenciou o isolamento regional da Colômbia, criticada por apostar todas as suas fichas geopolíticas na parceria com Washington, vista pela maioria dos colombianos como ferramenta crucial no combate ao narcotráfico e às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) -que protagonizam uma guerra civil desde os anos 60.
A delegação colombiana resistiu até o final aos pedidos por garantias formais sobre a natureza da presença militar americana, cobradas com especial firmeza pelo chanceler brasileiro, Celso Amorim. A comitiva também se recusou a mostrar cópia do pacto firmado com os EUA, que desperta o espectro do intervencionismo americano no hemisfério.
Nos últimos minutos do encontro, que se estendeu das 9h às 18h no salão de um hotel de luxo em Quito, a Colômbia mostrou-se disposta a dar aos céticos algum tipo de garantias, desde que a declaração final não as tratasse como "formais". Não houve acordo, e a reunião foi encerrada, em meio ao cansaço e à constatação geral do tamanho do impasse sobre o tema, discutido já em cúpulas presidenciais da Unasul na própria Quito e em Bariloche (Argentina), no mês passado, antes da reunião extraordinária de ontem.
O chanceler Celso Amorim deixou clara, em conversa com a Folha e outro jornal, a sua avaliação da reunião.
"A questão das garantias espelha uma resistência da Colômbia em ter uma posição totalmente aberta e transparente com a região. Ela terá suas razões, não quero [detalhá-las], mas isso torna difícil chegarmos a um consenso", disse Amorim, que estava acompanhado do ministro Nelson Jobim, da Defesa, que em visita a Bogotá no mês passado dissera à Folha ter recebido a promessa das autoridades colombianas de que dariam as garantias.

Transparência
Amorim também criticou a malsucedida estratégia da Colômbia, que consistiu em desviar o foco das bases e incluir na agenda discussões sobre dois acordos de defesa que ela considera controversos: de um lado, a parceria com a França que permitirá ao Brasil comprar helicópteros e construir um submarino nuclear, além de negociar a aquisição de caças de última geração; do outro, a compra de sistemas de mísseis, tanques e helicópteros russos pela Venezuela.
"[Os colombianos] falaram em corrida armamentista. Mas não temos nenhuma dificuldade em mostrar tudo. A presença estrangeira em território de um país sul-americano é diferente da compra de armas", insistiu o chanceler brasileiro, que disse nunca terem sido questionadas as compras de equipamento militar por Chile e Peru, entre outros exemplos.
Amorim frisou que os países sul-americanos muitas vezes avalizaram apelos colombianos para condenar o narcoterrorismo, e, num tom inabitual para um chanceler, afirmou: "Temos um problema muito sério, não só pela questão das bases. A Colômbia não percebe o incômodo que isso causa nos outros países e não procura solucionar [a questão]".
A impressão foi reforçada pelo chanceler boliviano, David Choquehuanca. "Lamentavelmente não conseguimos alcançar soluções. Lamentamos a atitude e a intransigência da Colômbia, que não quer ser transparente no convênio sobre as bases militares."


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