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"Viagem" a pé revela destruição após 3 dias de protestos
DO ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
Com a circulação de veículos
praticamente paralisada na região
de La Paz, os únicos meios de
transporte são as bicicletas e os
pés. Foi assim que a reportagem
da Folha conseguiu superar os
cerca de 12 km que separam o aeroporto do centro da capital boliviana. A viagem, que durou três
horas, mostrou parte dos estragos
causados pelos violentos protestos das últimas semanas.
A primeira parte do percurso foi
feita na garupa de uma bicicleta,
alugada por US$ 3 a duas quadras
do aeroporto, fechado desde a segunda-feira. (Este repórter chegou por meio de um bimotor particular).
No primeiro minuto de viagem,
uma imagem impressionante: na
noite anterior, manifestantes pararam um trem e jogaram dois vagões de cima de um pontilhão,
praticamente bloqueando a avenida abaixo. Em um dos vagões,
se lia: "Chilenos ladrões".
A frase alude tanto a uma tentativa fracassada do governo de exportar gás natural via Chile -que
em 1879 tirou o acesso ao mar da
Bolívia- quanto à privatização
das ferrovias, que teve participação do país vizinho.
Perto do trem, havia cerca de 20
soldados. A cerca de 200 metros,
uma concentração de moradores
começava a organizar um protesto, carregando sobretudo bandeiras bolivianas.
Após cerca de dez minutos, os
milhares de cacos de vidro que
disputavam espaço com pedras
na avenida de acesso à capital furaram o pneu da bicicleta e obrigaram o repórter a continuar a
viagem a pé ladeira abaixo até o
centro de La Paz.
Os primeiros automóveis vistos
na avenida foram quatro caminhões, que carregavam tropas de
choque -provavelmente para
impedir a chegada de mais manifestantes à capital.
Algumas das poucas pessoas
vistas se ocupavam em cortar galhos dos eucaliptos que circundam a avenida. O motivo é a crônica falta de gás. Mais tarde, uma
fila de cerca de 50 pessoas com
botijões vazios diante de um
quartel do Exército atravessava
toda a avenida.
A metade da viagem foi feita na
companhia de Secondito Álvarez,
40, saído de uma das vielas que ligam a avenida às favelas que ocupam boa parte dos espaços à margem. Com fortes traços indígenas,
Álvarez, que vende materiais de
construção e não tem filhos, disse
que participou de manifestações
pacíficas a favor da renúncia de
Gonzalo Sánchez de Lozada, mas
disse que não apóia o principal líder da oposição, o cocaleiro e socialista Evo Morales.
"Ele só está se aproveitando das
manifestações do povo, mas não
está preparado para assumir a
Presidência", disse.
De repente, interrompendo o
tenso silêncio da cidade, um motoqueiro passa pela avenida, já
perto do centro da cidade. Todos
o observam. "Está desrespeitando
a greve geral. É um traidor", explica o pacenho.
Álvarez afirmou que o principal
motivo das manifestações são a
corrupção e as promessas vazias.
"Olhe as favelas, veja aquela fábrica [aponta um prédio abandonado]. Onde está o desenvolvimento
econômico?"
Para ele, só resta a saída a Sánchez de Lozada. "Se ele não sair,
será enforcado até sexta."(FM)
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