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São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

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"Viagem" a pé revela destruição após 3 dias de protestos

DO ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

Com a circulação de veículos praticamente paralisada na região de La Paz, os únicos meios de transporte são as bicicletas e os pés. Foi assim que a reportagem da Folha conseguiu superar os cerca de 12 km que separam o aeroporto do centro da capital boliviana. A viagem, que durou três horas, mostrou parte dos estragos causados pelos violentos protestos das últimas semanas.
A primeira parte do percurso foi feita na garupa de uma bicicleta, alugada por US$ 3 a duas quadras do aeroporto, fechado desde a segunda-feira. (Este repórter chegou por meio de um bimotor particular).
No primeiro minuto de viagem, uma imagem impressionante: na noite anterior, manifestantes pararam um trem e jogaram dois vagões de cima de um pontilhão, praticamente bloqueando a avenida abaixo. Em um dos vagões, se lia: "Chilenos ladrões".
A frase alude tanto a uma tentativa fracassada do governo de exportar gás natural via Chile -que em 1879 tirou o acesso ao mar da Bolívia- quanto à privatização das ferrovias, que teve participação do país vizinho.
Perto do trem, havia cerca de 20 soldados. A cerca de 200 metros, uma concentração de moradores começava a organizar um protesto, carregando sobretudo bandeiras bolivianas.
Após cerca de dez minutos, os milhares de cacos de vidro que disputavam espaço com pedras na avenida de acesso à capital furaram o pneu da bicicleta e obrigaram o repórter a continuar a viagem a pé ladeira abaixo até o centro de La Paz.
Os primeiros automóveis vistos na avenida foram quatro caminhões, que carregavam tropas de choque -provavelmente para impedir a chegada de mais manifestantes à capital.
Algumas das poucas pessoas vistas se ocupavam em cortar galhos dos eucaliptos que circundam a avenida. O motivo é a crônica falta de gás. Mais tarde, uma fila de cerca de 50 pessoas com botijões vazios diante de um quartel do Exército atravessava toda a avenida.
A metade da viagem foi feita na companhia de Secondito Álvarez, 40, saído de uma das vielas que ligam a avenida às favelas que ocupam boa parte dos espaços à margem. Com fortes traços indígenas, Álvarez, que vende materiais de construção e não tem filhos, disse que participou de manifestações pacíficas a favor da renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada, mas disse que não apóia o principal líder da oposição, o cocaleiro e socialista Evo Morales.
"Ele só está se aproveitando das manifestações do povo, mas não está preparado para assumir a Presidência", disse.
De repente, interrompendo o tenso silêncio da cidade, um motoqueiro passa pela avenida, já perto do centro da cidade. Todos o observam. "Está desrespeitando a greve geral. É um traidor", explica o pacenho.
Álvarez afirmou que o principal motivo das manifestações são a corrupção e as promessas vazias. "Olhe as favelas, veja aquela fábrica [aponta um prédio abandonado]. Onde está o desenvolvimento econômico?"
Para ele, só resta a saída a Sánchez de Lozada. "Se ele não sair, será enforcado até sexta."(FM)

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