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São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

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MEMÓRIA

País viveu revolução há 50 anos

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1952, há mais de 50 anos, portanto, a Bolívia foi cenário da segunda revolução social mais importante da América Latina. A do México aconteceu antes, em 1910, e a boliviana tornou-se uma "revolução esquecida", apesar do que representou em comoção nos Andes e repercussões no resto do continente. Três dias e três noites de combates nas encostas de La Paz mataram 1.000 pessoas.
Milícias operárias, constituídas sobretudo de mineiros, invadiram quartéis, se apoderaram de fuzis, transformaram bananas de dinamite, usadas nas minas, em armas, fizeram parceria com a polícia e derrotaram o Exército. Além de humilhado, o Exército acabou dissolvido. O Movimento Nacional Revolucionário (MNR) e seu candidato presidencial, Paz Estenssoro, assumiram afinal o poder à força, depois de ganhar eleições, com um discurso fortemente nacionalista.
Estenssoro e outros intelectuais criaram o MNR como instrumento de idéias nacionalistas que, às vezes, se confundiam com restos de nazismo. Mas 1952, com a presença na linha de frente da COB, a Central Operária Boliviana, marcou com determinação um duplo objetivo: nacionalização das minas e reforma agrária.
Na época, a Bolívia produzia 53% do estanho consumido no mundo. Bolivianos miseráveis extraíam da terra matéria prima das naves espaciais. A contrapartida eram fortunas bilionárias de uns poucos.
A "restauração", no entanto, não tardou. Num segundo mandato, entre 1960 e 1964, o mesmo Estenssoro "reabilitou" o Exército e terminou vítima de uma nova geração de generais. Entre eles, um morreu em suspeito desastre de avião, René Barrientos. Outro, Ovando Candia, foi um furacão nacionalista que caiu em cima da americana Gulf Oil. Com um terceiro, Juan Torres, o Parlamento transformou-se em Assembléia Popular, com retrato do russo Lênin.
A "restauração" retomou com a ditadura do general Hugo Banzer. Houve depois uma associação de generais com máfias das drogas, e, em 1985, Estenssoro iniciou uma terceira Presidência. "As causas da crise estão no pseudo-socialismo de 1952", dizia a Confederação dos Empresários.
Surgiu Sánchez de Lozada. Um dos poucos milionários da Bolívia, com um espanhol carregado, fruto de longa estada acadêmica nos Estados Unidos, ele ocupou o Ministério das Finanças e entregou-se de corpo e alma ao neoliberalismo. A inflação caiu de 25.000% a 10% ao ano. Isso lhe deu capital político com o qual se elegeu presidente pela primeira vez, em 1993, como candidato do MNR "histórico".
Não se trata só da "guerra do gás". Os camponeses querem mais reforma agrária, os velhos, melhores aposentadorias, e os trabalhadores, melhores salários. Entre manifestantes falou-se em resgate de objetivos revolucionários, como a tomada do poder pelos trabalhadores. Há, na Bolívia, no entanto, uma síndrome do MNR, que ocupou o poder na revolução de 1952 e terminou nas mãos de Lozada. Os megafones podem estar em mãos de outros Estenssoros.


NEWTON CARLOS é jornalista e analista especializado em questões internacionais

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