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MEMÓRIA
País viveu revolução há 50 anos
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1952, há mais de 50 anos,
portanto, a Bolívia foi cenário da
segunda revolução social mais
importante da América Latina. A
do México aconteceu antes, em
1910, e a boliviana tornou-se uma
"revolução esquecida", apesar do
que representou em comoção nos
Andes e repercussões no resto do
continente. Três dias e três noites
de combates nas encostas de La
Paz mataram 1.000 pessoas.
Milícias operárias, constituídas
sobretudo de mineiros, invadiram quartéis, se apoderaram de
fuzis, transformaram bananas de
dinamite, usadas nas minas, em
armas, fizeram parceria com a polícia e derrotaram o Exército.
Além de humilhado, o Exército
acabou dissolvido. O Movimento
Nacional Revolucionário (MNR)
e seu candidato presidencial, Paz
Estenssoro, assumiram afinal o
poder à força, depois de ganhar
eleições, com um discurso fortemente nacionalista.
Estenssoro e outros intelectuais
criaram o MNR como instrumento de idéias nacionalistas que, às
vezes, se confundiam com restos
de nazismo. Mas 1952, com a presença na linha de frente da COB, a
Central Operária Boliviana, marcou com determinação um duplo
objetivo: nacionalização das minas e reforma agrária.
Na época, a Bolívia produzia
53% do estanho consumido no
mundo. Bolivianos miseráveis extraíam da terra matéria prima das
naves espaciais. A contrapartida
eram fortunas bilionárias de uns
poucos.
A "restauração", no entanto,
não tardou. Num segundo mandato, entre 1960 e 1964, o mesmo
Estenssoro "reabilitou" o Exército
e terminou vítima de uma nova
geração de generais. Entre eles,
um morreu em suspeito desastre
de avião, René Barrientos. Outro,
Ovando Candia, foi um furacão
nacionalista que caiu em cima da
americana Gulf Oil. Com um terceiro, Juan Torres, o Parlamento
transformou-se em Assembléia
Popular, com retrato do russo Lênin.
A "restauração" retomou com a
ditadura do general Hugo Banzer.
Houve depois uma associação de
generais com máfias das drogas,
e, em 1985, Estenssoro iniciou
uma terceira Presidência. "As
causas da crise estão no pseudo-socialismo de 1952", dizia a Confederação dos Empresários.
Surgiu Sánchez de Lozada. Um
dos poucos milionários da Bolívia, com um espanhol carregado,
fruto de longa estada acadêmica
nos Estados Unidos, ele ocupou o
Ministério das Finanças e entregou-se de corpo e alma ao neoliberalismo. A inflação caiu de
25.000% a 10% ao ano. Isso lhe
deu capital político com o qual se
elegeu presidente pela primeira
vez, em 1993, como candidato do
MNR "histórico".
Não se trata só da "guerra do
gás". Os camponeses querem
mais reforma agrária, os velhos,
melhores aposentadorias, e os
trabalhadores, melhores salários.
Entre manifestantes falou-se em
resgate de objetivos revolucionários, como a tomada do poder pelos trabalhadores. Há, na Bolívia,
no entanto, uma síndrome do
MNR, que ocupou o poder na revolução de 1952 e terminou nas
mãos de Lozada. Os megafones
podem estar em mãos de outros
Estenssoros.
NEWTON CARLOS é jornalista e analista especializado em questões internacionais
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