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IRAQUE SOB TUTELA
Participação foi maior que em janeiro, diz governo
Iraquianos votam em massa sobre Constituição
KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BAGDÁ
Em um dia considerado tranqüilo, o comparecimento às urnas
ontem para decidir sobre o projeto da nova Constituição iraquiana
foi estimado em mais de 10 milhões de eleitores, o correspondente a dois terços do eleitorado,
informou um membro da Comissão Eleitoral após o encerramento
da votação.
"Talvez tenhamos chegado a
cerca de 11 milhões de eleitores",
disse à agência de notícias Reuters
Farid Ayar, um dos sete membros
da Comissão Eleitoral.
Se 10 milhões dos 15,5 milhões
de eleitores tiverem votado, o número significaria um comparecimento de cerca de 65%, número
maior dos que os 58% registrados
nas eleições de janeiro, as primeiras realizadas após a queda do ex-ditador Saddam Hussein.
Segundo Ayar, o processo de
votação registrou incidentes isolados. O maior problema ocorreu
na Província de Anbar, a oeste de
Bagdá, onde insurgentes trocaram tiros com soldados americanos. Essa província é o centro da
insurgência sunita.
"Em Anbar, estavam previstos
207 centros de votação, mas abrimos 144", afirmou. Segundo a
BBC, três soldados iraquianos
morreram na explosão de uma
bomba perto da fronteira com o
Irã e um civil morreu no ataque a
uma seção eleitoral de Bagdá, onde pelo menos outras seis pessoas
ficaram feridas.
A contagem dos votos já começou. A comissão espera divulgar
os primeiros resultados parciais
amanhã. A apuração deve terminar na quinta-feira.
Dedos sujos
Todos ostentam uma nova marca. Seu dedo indicador pintado
com tinta de cor azul brilhante é a
prova indelével de sua participação. As ruas desertas da cidade
são o cenário onde famílias inteiras entre homens, mulheres e
crianças se dirigem caminhando
aos centros de votação devido à
proibição ao trânsito de veículos.
Embora a escuridão tenha tomado conta da cidade desde a
noite anterior devido à sabotagem, deixando mais de 70% dela
às escuras, muitos iraquianos
mostravam conformidade.
"Quero esta Constituição para o
meu país, para os meus filhos",
disse, entusiasmado, Abbas, encarregado de verificar que os eleitores introduzam as cédulas nas
urnas da escola para meninos
Muhammad Baker Al Hakim
-que funciona desde 1949 no
multiétnico bairro de Karrada-,
edifício ao qual a Folha teve acesso exclusivo.
Há meses, esse xiita de 45 anos
trabalha na organização da consulta e repete que quer "um futuro para os meus filhos". A jornada
começou às 7h, quando as 6.235
escolas da capital e de todo o país
abriram suas portas para dar início à consulta constitucional num
dia ensolarado e com temperaturas que chegam a 40ºC. Os iraquianos habilitados são estimados em 15,5 milhões, segundo o
cálculo estipulado pelas cartilhas
de racionamento de do programa
Petróleo por Alimentos que servem de referência.
Os postos de controle a cargo da
polícia da polícia iraquiana verifica que os homens não possuem
celulares, câmeras e muito mais
importante: nem armas ou explosivos. Numa tenda improvisada,
três jovens mulheres vistoriam o
corpo de eleitoras.
Apesar da tensão dos dias anteriores -estima-se que mais 450
pessoas morreram-, desde a
manhã de ontem houve numerosos atentados em todo o país. Os
ataques começaram com um
atentado contra um colégio eleitoral ba Província de Diali, a noroeste de Bagdá, na qual morreram cinco policiais iraquianos e
outros 12 ficaram feridos-o clima neste setor da cidade tem sido
calmo em comparação com os últimos dias.
Numa Bagdá convertida em cidade-fantasma -devido ao fechamento de prédios públicos, escolas e da maioria do comércio-
, até as últimas horas continuava a
colocação de cartazes nas paredes
de várias avenidas chamando a
votar pelo "sim". Mas também foram inundadas com panfletos
que chamavam a votar pelo
"não". "Resistam à ocupação. Resistam votando "não'", dizem os
panfletos distribuídos por grupos
sunitas opostos à consulta e que
colocavam por terra o acordo
aceito por uma de suas organizações.
"Você está de acordo com o rascunho da Constituição iraquiana?", é a pergunta que os iraquianos têm de responder. Uma cédula escrita em árabe e em curdo é
entregue aos eleitores, que escolhem entre "sim" ou "não".
"Eu voto pelo "sim'", disse o
exultante Sinan, jovem cristão de
24 anos. "Porque creio na liberdade, e esta Constituição é o caminho ao respeito a todas as pessoas
no Iraque." Apesar dos temores
dos líderes cristãos de uma "islamização" do país, Sinan acredita
que a convivência será boa como
a de outros tempos, quando eram
inexistentes os grupos ortodoxos
que querem desestabilizar a relação entre as diferentes fés.
O vôo rasante dos helicópteros
Apache e Black Hawk americanos
sobre os telhados levanta a terra
dos jardins internos da escola e
até as pesadas vestimentas de algumas mulheres. Uma fila de jovens xiitas alistados no novo
Exército iraquiano esperam ansiosos para votar.
Os sunitas que decidiram não
apoiar o boicote às eleições participaram em alta proporção em
Bagdá, ainda que, como se estimava previamente, a participação
nas Províncias de Nínive, Salahedine e Al Anbar foi escassa por
causa da insegurança.
Horas antes do início do referendo e na segunda sexta-feira do
Ramadã, os sermões foram mais
longos que o habitual. Altas vozes,
contundentes e quase imperativas eram ouvidas nos sermões
dos imãs, produzindo outra contenda. A batalha dos minaretes.
As bombas lançadas anteontem
contra as sedes do Partido Islâmico no bairro Adhamiya, em Bagdá, em Baiyi e o incêndio de seus
escritórios em Fallujah deixaram
uma mensagem clara. Pouco antes das pregações do meio-dia,
uma manifestação com faixas de
"não à Constituição" e entoando
slogans que chamavam de "traidor" o líder do Partido Islâmico,
Mohsén Abdulhamid, se reuniu
diante da mesquita de Abu Hanifa, em Adhamiya, considerada o
centro espiritual do grupo.
A argentina Karen Marón é especializada na cobertura de conflitos armados, como na Colômbia e no Oriente Médio
Com agências internacionais
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