São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Participação foi maior que em janeiro, diz governo

Iraquianos votam em massa sobre Constituição

KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BAGDÁ

Em um dia considerado tranqüilo, o comparecimento às urnas ontem para decidir sobre o projeto da nova Constituição iraquiana foi estimado em mais de 10 milhões de eleitores, o correspondente a dois terços do eleitorado, informou um membro da Comissão Eleitoral após o encerramento da votação.
"Talvez tenhamos chegado a cerca de 11 milhões de eleitores", disse à agência de notícias Reuters Farid Ayar, um dos sete membros da Comissão Eleitoral.
Se 10 milhões dos 15,5 milhões de eleitores tiverem votado, o número significaria um comparecimento de cerca de 65%, número maior dos que os 58% registrados nas eleições de janeiro, as primeiras realizadas após a queda do ex-ditador Saddam Hussein.
Segundo Ayar, o processo de votação registrou incidentes isolados. O maior problema ocorreu na Província de Anbar, a oeste de Bagdá, onde insurgentes trocaram tiros com soldados americanos. Essa província é o centro da insurgência sunita.
"Em Anbar, estavam previstos 207 centros de votação, mas abrimos 144", afirmou. Segundo a BBC, três soldados iraquianos morreram na explosão de uma bomba perto da fronteira com o Irã e um civil morreu no ataque a uma seção eleitoral de Bagdá, onde pelo menos outras seis pessoas ficaram feridas.
A contagem dos votos já começou. A comissão espera divulgar os primeiros resultados parciais amanhã. A apuração deve terminar na quinta-feira.

Dedos sujos
Todos ostentam uma nova marca. Seu dedo indicador pintado com tinta de cor azul brilhante é a prova indelével de sua participação. As ruas desertas da cidade são o cenário onde famílias inteiras entre homens, mulheres e crianças se dirigem caminhando aos centros de votação devido à proibição ao trânsito de veículos.
Embora a escuridão tenha tomado conta da cidade desde a noite anterior devido à sabotagem, deixando mais de 70% dela às escuras, muitos iraquianos mostravam conformidade.
"Quero esta Constituição para o meu país, para os meus filhos", disse, entusiasmado, Abbas, encarregado de verificar que os eleitores introduzam as cédulas nas urnas da escola para meninos Muhammad Baker Al Hakim -que funciona desde 1949 no multiétnico bairro de Karrada-, edifício ao qual a Folha teve acesso exclusivo.
Há meses, esse xiita de 45 anos trabalha na organização da consulta e repete que quer "um futuro para os meus filhos". A jornada começou às 7h, quando as 6.235 escolas da capital e de todo o país abriram suas portas para dar início à consulta constitucional num dia ensolarado e com temperaturas que chegam a 40ºC. Os iraquianos habilitados são estimados em 15,5 milhões, segundo o cálculo estipulado pelas cartilhas de racionamento de do programa Petróleo por Alimentos que servem de referência.
Os postos de controle a cargo da polícia da polícia iraquiana verifica que os homens não possuem celulares, câmeras e muito mais importante: nem armas ou explosivos. Numa tenda improvisada, três jovens mulheres vistoriam o corpo de eleitoras.
Apesar da tensão dos dias anteriores -estima-se que mais 450 pessoas morreram-, desde a manhã de ontem houve numerosos atentados em todo o país. Os ataques começaram com um atentado contra um colégio eleitoral ba Província de Diali, a noroeste de Bagdá, na qual morreram cinco policiais iraquianos e outros 12 ficaram feridos-o clima neste setor da cidade tem sido calmo em comparação com os últimos dias.
Numa Bagdá convertida em cidade-fantasma -devido ao fechamento de prédios públicos, escolas e da maioria do comércio- , até as últimas horas continuava a colocação de cartazes nas paredes de várias avenidas chamando a votar pelo "sim". Mas também foram inundadas com panfletos que chamavam a votar pelo "não". "Resistam à ocupação. Resistam votando "não'", dizem os panfletos distribuídos por grupos sunitas opostos à consulta e que colocavam por terra o acordo aceito por uma de suas organizações.
"Você está de acordo com o rascunho da Constituição iraquiana?", é a pergunta que os iraquianos têm de responder. Uma cédula escrita em árabe e em curdo é entregue aos eleitores, que escolhem entre "sim" ou "não".
"Eu voto pelo "sim'", disse o exultante Sinan, jovem cristão de 24 anos. "Porque creio na liberdade, e esta Constituição é o caminho ao respeito a todas as pessoas no Iraque." Apesar dos temores dos líderes cristãos de uma "islamização" do país, Sinan acredita que a convivência será boa como a de outros tempos, quando eram inexistentes os grupos ortodoxos que querem desestabilizar a relação entre as diferentes fés.
O vôo rasante dos helicópteros Apache e Black Hawk americanos sobre os telhados levanta a terra dos jardins internos da escola e até as pesadas vestimentas de algumas mulheres. Uma fila de jovens xiitas alistados no novo Exército iraquiano esperam ansiosos para votar.
Os sunitas que decidiram não apoiar o boicote às eleições participaram em alta proporção em Bagdá, ainda que, como se estimava previamente, a participação nas Províncias de Nínive, Salahedine e Al Anbar foi escassa por causa da insegurança.
Horas antes do início do referendo e na segunda sexta-feira do Ramadã, os sermões foram mais longos que o habitual. Altas vozes, contundentes e quase imperativas eram ouvidas nos sermões dos imãs, produzindo outra contenda. A batalha dos minaretes.
As bombas lançadas anteontem contra as sedes do Partido Islâmico no bairro Adhamiya, em Bagdá, em Baiyi e o incêndio de seus escritórios em Fallujah deixaram uma mensagem clara. Pouco antes das pregações do meio-dia, uma manifestação com faixas de "não à Constituição" e entoando slogans que chamavam de "traidor" o líder do Partido Islâmico, Mohsén Abdulhamid, se reuniu diante da mesquita de Abu Hanifa, em Adhamiya, considerada o centro espiritual do grupo.


A argentina Karen Marón é especializada na cobertura de conflitos armados, como na Colômbia e no Oriente Médio

Com agências internacionais


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