São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2006

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ARTIGO

Os EUA e a eleição na Nicarágua

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os EUA travam outra guerra na Nicarágua e os alvos são os mesmos dos anos 80: Daniel Ortega e a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Só que agora contam votos, e não luta armada, para impedir que Ortega, líder nas pesquisas de opinião, ganhe a eleição presidencial de 5 de novembro.
Há preocupação com interferências do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, tempero freqüente em disputas políticas em países latino-americanos.
Mas o semanário "Confidencial", de um membro da família Chamorro, com fortes antecedentes anti-sandinistas, escreveu que "a Venezuela tem sido mais esperta do que os EUA".
Seu embaixador "trata de se manter discreto".
O americano, Paul A. Trivelli, ao contrário, "age com arrogância, se comporta como um ator político e quase diariamente dá sua opinião sobre quem deve ser o futuro presidente". Alguns órgãos de imprensa se referiram a ele como um sexto candidato presidencial: empenhou-se com visibilidade total, como se fosse um articulador nacional de movimentos partidários, com o objetivo de reunificar a "família liberal". Esta se dividiu em três partidos, o que enfraqueceu a oposição aos sandinistas -embora Ortega comande uma frente esfarrapada, com rastros de corrupção, formada do que restou da organização revolucionária convertida em partido político.

Ex-inimigos
Acontece que Ortega, após perder velhos amigos, conseguiu atrair velhos inimigos. O argumento é "reconciliação".
Seu candidato a vice é o ex-contra Jaime Morales, da guerrilha que tentou derrubar o regime sandinista numa guerra suja financiada pelos EUA.
Ortega se aproximou do partido Resistência Nicaragüense, também de ex-contras, e acabou formalizando aliança. As amarguras de três derrotas em eleições presidenciais se sobrepuseram a veleidades como coerência. Os sandinistas e seus antigos inimigos assinaram um pacto de 15 pontos prometendo que "a família nicaragüense nunca mais recorrerá a métodos violentos para resolver suas diferenças".
No mesmo ato, a candidatura de Ortega recebeu o apoio de Maria Rizo, irmã de um ex-vice-presidente, agora candidato de um dos ramos da "família liberal", o partido Liberal Nacionalista. O mais forte adversário de Ortega, Eduardo Montealegre, pertence a outro ramo, a Aliança Liberal Nicaragüense.
Mesmo com toda essa reciclagem, os sandinistas continuam assombrando Washington. Nas eleições de 2001, perdidas por Ortega, Jeb Bush, irmão do presidente Bush e governador da Flórida, publicou texto de página inteira no "La Prensa", da família Chamorro, afirmando que "Ortega é inimigo de tudo o que os EUA representam" e não aceita os "princípios básicos da democracia e do livre mercado".
Na campanha atual, o embaixador Trivelli faz dupla com o deputado Dan Burton, que apelou para que os eleitores nicaragüenses não coloquem em risco "as excelentes relações entre a Nicarágua e os EUA" votando em Ortega. Também pediu que se faça uma frente anti-sandinista.
Trivelli disse que explicar reações do Congresso americano não é intervenção. Um repórter da rede britânica BBC perguntou a Ortega se ele é ainda um revolucionário. A resposta foi um "inequívoco" sim.
Com o seguinte adendo: "No passado lutamos uma revolução com armas, mas a Nicarágua está agora em nova etapa.
Agora o projeto revolucionário é feito por meio do voto".


O jornalista NEWTON CARLOS é analista de questões internacionais


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