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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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Euforia com prisão pode ser prematura


Resistência às tropas americanas não depende só de Saddam, e xiitas podem se sentir mais livres para protestar contra os EUA


PATRICK COCKBURN
DO "THE INDEPENDENT"

A euforia com que a notícia da captura de Saddam Hussein foi recebida em Washington e Londres pode acabar se revelando tão prematura quanto o triunfalismo que se seguiu à rápida captura de Bagdá, em abril.
É natural que os líderes americanos e britânicos estejam satisfeitos com a primeira boa notícia do Iraque desde o fim da guerra convencional. Mas ficou claro que não era Saddam Hussein, escondido num buraco debaixo da terra numa propriedade rural perto de Tikrit, quem estava coordenando o movimento de resistência que provoca baixas crescentes entre as tropas americanas, fato sempre admitido pelos comandantes americanos no Iraque.
Na realidade, é provável que os guerrilheiros agora tentem provocar ainda mais baixas entre as forças americanas, para provar que continuam ativos.
Segundo os serviços de inteligência americanos e membros do Conselho de Governo Iraquiano, os líderes da resistência são oficiais de médio escalão do Exército e integrantes do Partido Baath. São homens que perderam seu poder com a queda do regime, mas não são necessariamente "fiéis a Saddam". Muitos aderiram à guerrilha depois que os EUA dissolveram o Exército e as forças de segurança iraquianos, no clima de confiança exagerada que se seguiu à queda de Bagdá.
Uma questão importante agora será ver se os EUA vão exagerar novamente. Eles enfrentam uma miríade de inimigos ou potenciais inimigos, todos dotados de motivações e métodos diferentes.
A guerra de guerrilha que vem sendo travada desde meados de junho vem mostrando que, num conflito tão altamente difundido quanto esse, a resistência iraquiana é capaz de causar prejuízos políticos graves a George W. Bush com o emprego de meios bastante limitados. Assim, a tentativa da Casa Branca de afirmar que estava ganhando terreno, em outubro, quando a campanha presidencial começava, caiu por terra quando foguetes atingiram o hotel Al Rashid enquanto o subsecretário da Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, estava no local.
As evidências dos últimos meses indicam que a campanha guerrilheira é organizada em nível local -e não faltam homens armados e treinados no Iraque-, mas que existe algum nível de direção e financiamento central. Não está claro até que ponto as células que detonam as bombas colocadas ao lado de estradas para explodir comboios americanos estão ligadas aos homens-bomba que vêm alvejando qualquer aliado dos EUA, iraquiano ou não.
A resistência saberá que a captura de Saddam, por menos que ele estivesse fazendo de prático, constitui um incentivo psicológico importante para Bush, para a administração americana em Bagdá e para o Conselho de Governo interino. Mas não seria difícil aumentar o número de mortos e feridos americanos, se homens-bomba começassem a atacar comboios e barreiras americanos, como os guerrilheiros libaneses fizeram contra as forças israelenses no Líbano em 1983.
A captura de Saddam vai alterar a geografia política do Iraque sob outro aspecto. Vai deprimir a comunidade muçulmana sunita, cuja vida sob Saddam, ele próprio sunita, era melhor do que a atual. A prisão do ex-líder será saudada com unanimidade pelos curdos, massacrados pelo regime.
Mas a imagem de Saddam sendo levado à prisão não apenas será saudada pela maioria dos xiitas, 60% da população, como terá efeito importante sobre seu comportamento em relação às forças americanas. Até agora, fossem quais fossem seus temores em relação aos EUA, os xiitas sabiam que a alternativa era Saddam Hussein ou algum membro do antigo regime deposto.
De agora em diante, os xiitas não terão mais esse receio. Eles vão se sentir mais livres para se opor à política americana. É mais provável que essa oposição se manifeste em protestos de massa. Há sinais de que isso já está acontecendo na cidade de Hilla, ao sul de Bagdá, onde vêm acontecendo protestos prolongados e bem organizados contra os dirigentes indicados pelos EUA.


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