São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Contrastes culturais e econômicos reforçam rixa

DA ENVIADA A SANTA CRUZ

A queda-de-braço entre os governadores conservadores de seis dos nove departamentos (Estados) bolivianos com o governo do esquerdista Evo Morales -responsável pela crise política que se arrasta desde que o atual presidente assumiu em 2006- torna-se ainda mais complexa porque se alimenta de sentimentos regionalistas, diferenças culturais e assimetrias de desenvolvimento.
O discurso mais comum na rica Santa Cruz, que lidera a grita por autonomia administrativa em relação ao governo nacional, é que o departamento não deve se submeter aos desígnios e mudanças propostas por Morales por ser o que exibe os melhores resultados de desenvolvimento e produtividade no país mais pobre da região.
Junto com os departamentos de Tarija, Pando e Beni, os cruzenhos formam a chamada "meia-lua", área de planícies e selva que cerca, ao leste, o montanhoso resto do país. É de onde vem, atualmente, o grosso da produção agropecuária. Concentra ainda, em Tarija e Santa Cruz, a maior fonte de divisas do país: petróleo e gás.
É nesses departamentos que se registram os menores percentuais de pessoas que se declaram pertencentes a algum dos 36 povos indígenas reconhecidos na Bolívia. Enquanto no departamento de La Paz a porção chega a 62% da população, em Santa Cruz é de apenas 22%, ajudando a formar um panorama em que a disputa política quase sempre resvala em discursos racistas e deterministas (embora esse retrato seja de 2001, data do último censo nacional, e de lá para cá tenha havido uma forte corrente migratória em direção ao oriente, que deve se refletir em futuros estudos demográficos).
Do outro lado, disputando e equilibrando forças com o leste, estavam, até pouco o tempo, as chamadas terras altas: Oruro, Potosí, Chuquisaca e Cochabamba, liderados por La Paz. A região foi, durante muito tempo, a locomotiva do país, puxada pelo auge da mineração.
Na eleição de 2005, quando o primeiro presidente indígena foi eleito, foi também a primeira vez que as populações dos departamentos votaram para escolher seus governadores.
Das urnas emergiu uma situação politicamente complicada: dos nove departamentos, em seis venceram opositores de Morales, fazendo recrudescer a demanda histórica das autonomias regionais, agora com declarada intenção de disputar o centro de poder e os rumos do país com La Paz.
Com novo papel na cena política, os governadores da meia-lua -que comandam 35% da população total do país- fazem agora o principal papel da oposição. São reforçados pelo governo oposicionista de Cochabamba -território ainda disputado por ser o berço do partido governista e de Morales.
Mais recentemente, os oposicionistas avançaram ainda sobre mais um flanco: a população do departamento de Chuquisaca, onde fica a cidade histórica de Sucre. Em 2005, os chuquisaquenhos elegeram um governador aliado de Morales. Mas o vetor político do departamento mudou com a exigência de que Sucre fosse declarada capital plena -sede de todos os Poderes- na nova Carta.
A Assembléia Constituinte, cuja sede era em Sucre, parou por conta da contenda, resultado da inabilidade dos constituintes do governista MAS (Movimento ao Socialismo) e da astúcia dos oposicionistas da "meia-lua" para usar a situação. Em um quadro já complexo, abriu-se uma nova frente de conflitos para Morales administrar: a disputa de sucrenhos e pacenhos pela capital.
É nesse cenário que o presidente esquerdista deve levar seu maior projeto -a nova Constituição, com ampliação dos direitos indígenas- a um referendo no ano que vem. (FM)


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