|
Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
CONSUELO
GONZÁLEZ
Na liberdade, a felicidade hoje é infinita
EXCLUSIVO Ex-refém colombiana, que defende mediação de Chávez e atuação de Lula no intercâmbio humanitário com as Farc, narra cotidiano no cativeiro, critica guerrilha por lançar mão do seqüestro e rechaça: "sou inimiga do resgate, porque é morrer"
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ
JOHANNA CORTÉS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
C
OM UM SORRISO , Consuelo González abre
a porta do apartamento de sua filha Patricia, em bairro de classe média alta de Bogotá. Está vestida de forma sóbria e elegante. Apenas as unhas gastas e as mãos ressecadas indicam que, tão somente seis dias atrás, essa ex-congressista colombiana de 57 anos encerrava um período de 76 meses seqüestrada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Na sala, a árvore de Natal e
vários buquês de flores preenchiam o pequeno espaço. "Minhas filhas não quiseram celebrar o Natal até que eu chegasse", diz González, para justificar a decoração fora de época.
Desde que deixou o longo cativeiro, González mergulhou
no tema de salvar os demais 43
seqüestrados políticos. Já se
encontrou com o presidente
venezuelano, Hugo Chávez, a
quem agradeceu por mediar a
libertação, entregou provas de
sobrevivência a familiares de
oito companheiros de acampamento e, anteontem à noite, se
reuniu com o presidente colombiano, Álvaro Uribe.
"O propósito único das minhas atividades desde minha liberação é me vincular ao trabalho que está sendo feito para
conseguir a soltura dos meus
companheiros seqüestrados e
de todos os seqüestrados", diz.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, ontem:
FOLHA - A sra. já disse que trabalhará a favor de um acordo humanitário. Qual é sua posição diante de
temas controversos, como a participação do presidente Chávez e a desmilitarização de dois municípios exigidos pelas Farc?
CONSUELO GONZÁLEZ - Sei da importância da comunidade internacional, sei que as decisões
em conjunto são determinantes diante da solução de algo tão
importante como a recuperação da liberdade de numerosos
colombianos que se encontram
hoje privados dela. Mas estou
consciente de que a decisão deverá se dar entre o governo colombiano, presidido pelo doutor Álvaro Uribe, e as forças insurgentes das Farc, que têm os
reféns. Os demais governos poderiam dar suas luzes e tocar
portas onde é preciso fazê-lo
para que as posições se flexibilizem. Assim, considero muito
importante a presença do presidente Chávez, da Venezuela,
da Argentina, do Brasil, do
Equador e dos demais países da
América e Europa para apoiar
nosso presidente.
Sobre Pradera e Florida, as
Farc reivindicam essa posição
desde que foi comunicada pela
primeira vez ao país. Não se flexibilizaram, continuam defendendo-a para poder iniciar os
diálogos de intercâmbio humanitário. O intercâmbio humanitário é uma ação política que
tem de terminar num fato político. E em política tudo é tão dinâmico, espero que essa posição fixa e radical da guerrilha
mude em algum momento. E a
posição do governo igualmente. Espero que o presidente
Uribe, em sua posição humanista, entenda que correm risco
as vidas de cidadãos de bem.
FOLHA - Como classificar as Farc?
GONZÁLEZ - Creio que todo movimento que se chame revolucionário tem de ter como ponto
central de sua ação o ser humano. E eu sempre disse que não
entendo como as Farc, se têm
como propósito defender o homem, utilizam como meio de
luta uma prática tão dolorosa e
triste como o seqüestro. Eles
têm de revisar esse mecanismo
e entender que assim não podem avançar nem obter os resultados políticos que querem
dentro de sua luta revolucionária. O ideal seria que eles começassem com gestos humanitários, como por sorte do país e da
minha, o fizeram.
FOLHA - As Farc mantêm cerca de
700 seqüestrados econômicos. É
possível uma solução comum?
GONZÁLEZ - Os seqüestrados
políticos e prisioneiros de guerra não têm outra opção, não podem sentar-se a negociar com a
guerrilha de maneira isolada
por determinada cifra porque
não interessa às Farc. Com os
seqüestrados econômicos, infelizmente, os familiares não
têm outra saída a não ser sentar
e negociar com os senhores que
os têm seqüestrados.
FOLHA - O governo Lula pode ter
um papel específico?
GONZÁLEZ - Quando o presidente Lula foi reeleito, nós, desde o
cativeiro, nos alegramos muitíssimo porque entendemos e
sabemos qual é a sua formação
política, qual é a sua concepção
ideológica. Sabemos que vem
tendo uma excelente e positiva
atitude diante do intercâmbio
humanitário. A gestão que pôde fazer, a disponibilidade que
teve com o governo colombiano e com as Farc, de oferecer
seu território como parte das
negociações. Conta-se com o
presidente Lula para o intercâmbio humanitário.
FOLHA - Quais são as estratégias
que os seqüestrados utilizam para
manter viva a esperança de soltura?
GONZÁLEZ - São várias, mas há
uma muito especial, que é entender que vale a pena fazer o
esforço para viver. Quando se
conclui que vale a pena viver,
então vale a pena fazer o esforço. E se toma como estratégia
viver o dia-a-dia. Colocar toda a
atenção no presente e pensar o
menos possível no futuro, porque não sabemos o que vai
acontecer. A parte espiritual é
fundamental. Pessoalmente, a
oração foi um reforço muito
importante para mim. E a parte
familiar é outro recurso importantíssimo, anima muito ouvir
os filhos, as mulheres, o pais pelas mensagens [em programas]
de rádio. Isso fortalece e dá
uma capacidade de superar todos os obstáculos e todas as dificuldades. Hoje, que estou
aqui, na liberdade, penso que
valeram a pena todos os esforços que fiz para sobreviver, porque a felicidade hoje é infinita.
FOLHA - Como era a convivência
entre os seqüestrados?
GONZÁLEZ - Éramos dez no
acampamento... Todos com a
esperança, a segurança e o querer voltar a ser livre e estar com
a família. Não é fácil compartilhar a convivência com outras
pessoas. No que podíamos, um
ajudava o outro. Ali, é preciso
cuidar da limpeza do acampamento, da distribuição da comida, os ofícios de casa.
FOLHA - Vocês souberam do fracasso da primeira operação?
GONZÁLEZ - Caminhamos por
20 dias por toda a selva, eram
jornadas diárias bastante longas. Ouvimos pelo rádio as declarações do presidente [Uribe]
de Villavicencio, nos preocupamos muitíssimo, pois se gerou
ilusão e entusiasmo. Sentimos
temor de que desse errado, mas
voltamos a nos encher de esperança e nos animar espiritualmente. Dizíamos: "Não pode
dar errado, tem de sair. E felizmente as coisas saíram bem.
FOLHA - A sra. está de acordo com
tentativa de resgate?
GONZÁLEZ - Hoje, sou mais ainda inimiga do resgate. A tentativa de resgate é uma condenação à morte. Não há nada que
fazer. A experiência nos diz isso. Os 11 deputados, numa tentativa de resgate, se produziu
um enfrentamento, e a reação
da guerrilha foi matá-los. Mas
nos notificaram: qualquer tentativa de resgate, há ordem para assassinarmos. Porque eles
têm o critério de que não podem resgatar o refém vivo. Hoje, sou inimiga do resgate, porque é morrer.
FOLHA - Pensava em fugir?
GONZÁLEZ - No momento em
que me seqüestraram, um
guerrilheiro me disse: "Se você
tentar escapar, não espere nenhuma reação distinta da guerrilha fora do assassinato". Apesar disso, às vezes alguém contempla a possibilidade. Então
se faz a consideração de que se
fez tanto esforço por existir,
quatro, cinco anos, oito anos,
não vale a pena pôr em risco.
Próximo Texto: "A guerrilha não é louca", diz Consuelo Índice
|