São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

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ENTREVISTA
CONSUELO GONZÁLEZ


Na liberdade, a felicidade hoje é infinita

EXCLUSIVO Ex-refém colombiana, que defende mediação de Chávez e atuação de Lula no intercâmbio humanitário com as Farc, narra cotidiano no cativeiro, critica guerrilha por lançar mão do seqüestro e rechaça: "sou inimiga do resgate, porque é morrer"

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ

JOHANNA CORTÉS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

C OM UM SORRISO , Consuelo González abre a porta do apartamento de sua filha Patricia, em bairro de classe média alta de Bogotá. Está vestida de forma sóbria e elegante. Apenas as unhas gastas e as mãos ressecadas indicam que, tão somente seis dias atrás, essa ex-congressista colombiana de 57 anos encerrava um período de 76 meses seqüestrada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

 


Na sala, a árvore de Natal e vários buquês de flores preenchiam o pequeno espaço. "Minhas filhas não quiseram celebrar o Natal até que eu chegasse", diz González, para justificar a decoração fora de época. Desde que deixou o longo cativeiro, González mergulhou no tema de salvar os demais 43 seqüestrados políticos. Já se encontrou com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, a quem agradeceu por mediar a libertação, entregou provas de sobrevivência a familiares de oito companheiros de acampamento e, anteontem à noite, se reuniu com o presidente colombiano, Álvaro Uribe. "O propósito único das minhas atividades desde minha liberação é me vincular ao trabalho que está sendo feito para conseguir a soltura dos meus companheiros seqüestrados e de todos os seqüestrados", diz. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, ontem:  

FOLHA - A sra. já disse que trabalhará a favor de um acordo humanitário. Qual é sua posição diante de temas controversos, como a participação do presidente Chávez e a desmilitarização de dois municípios exigidos pelas Farc?
CONSUELO GONZÁLEZ -
Sei da importância da comunidade internacional, sei que as decisões em conjunto são determinantes diante da solução de algo tão importante como a recuperação da liberdade de numerosos colombianos que se encontram hoje privados dela. Mas estou consciente de que a decisão deverá se dar entre o governo colombiano, presidido pelo doutor Álvaro Uribe, e as forças insurgentes das Farc, que têm os reféns. Os demais governos poderiam dar suas luzes e tocar portas onde é preciso fazê-lo para que as posições se flexibilizem. Assim, considero muito importante a presença do presidente Chávez, da Venezuela, da Argentina, do Brasil, do Equador e dos demais países da América e Europa para apoiar nosso presidente.
Sobre Pradera e Florida, as Farc reivindicam essa posição desde que foi comunicada pela primeira vez ao país. Não se flexibilizaram, continuam defendendo-a para poder iniciar os diálogos de intercâmbio humanitário. O intercâmbio humanitário é uma ação política que tem de terminar num fato político. E em política tudo é tão dinâmico, espero que essa posição fixa e radical da guerrilha mude em algum momento. E a posição do governo igualmente. Espero que o presidente Uribe, em sua posição humanista, entenda que correm risco as vidas de cidadãos de bem.

FOLHA - Como classificar as Farc?
GONZÁLEZ -
Creio que todo movimento que se chame revolucionário tem de ter como ponto central de sua ação o ser humano. E eu sempre disse que não entendo como as Farc, se têm como propósito defender o homem, utilizam como meio de luta uma prática tão dolorosa e triste como o seqüestro. Eles têm de revisar esse mecanismo e entender que assim não podem avançar nem obter os resultados políticos que querem dentro de sua luta revolucionária. O ideal seria que eles começassem com gestos humanitários, como por sorte do país e da minha, o fizeram.

FOLHA - As Farc mantêm cerca de 700 seqüestrados econômicos. É possível uma solução comum?
GONZÁLEZ -
Os seqüestrados políticos e prisioneiros de guerra não têm outra opção, não podem sentar-se a negociar com a guerrilha de maneira isolada por determinada cifra porque não interessa às Farc. Com os seqüestrados econômicos, infelizmente, os familiares não têm outra saída a não ser sentar e negociar com os senhores que os têm seqüestrados.

FOLHA - O governo Lula pode ter um papel específico?
GONZÁLEZ -
Quando o presidente Lula foi reeleito, nós, desde o cativeiro, nos alegramos muitíssimo porque entendemos e sabemos qual é a sua formação política, qual é a sua concepção ideológica. Sabemos que vem tendo uma excelente e positiva atitude diante do intercâmbio humanitário. A gestão que pôde fazer, a disponibilidade que teve com o governo colombiano e com as Farc, de oferecer seu território como parte das negociações. Conta-se com o presidente Lula para o intercâmbio humanitário.

FOLHA - Quais são as estratégias que os seqüestrados utilizam para manter viva a esperança de soltura?
GONZÁLEZ -
São várias, mas há uma muito especial, que é entender que vale a pena fazer o esforço para viver. Quando se conclui que vale a pena viver, então vale a pena fazer o esforço. E se toma como estratégia viver o dia-a-dia. Colocar toda a atenção no presente e pensar o menos possível no futuro, porque não sabemos o que vai acontecer. A parte espiritual é fundamental. Pessoalmente, a oração foi um reforço muito importante para mim. E a parte familiar é outro recurso importantíssimo, anima muito ouvir os filhos, as mulheres, o pais pelas mensagens [em programas] de rádio. Isso fortalece e dá uma capacidade de superar todos os obstáculos e todas as dificuldades. Hoje, que estou aqui, na liberdade, penso que valeram a pena todos os esforços que fiz para sobreviver, porque a felicidade hoje é infinita.

FOLHA - Como era a convivência entre os seqüestrados?
GONZÁLEZ -
Éramos dez no acampamento... Todos com a esperança, a segurança e o querer voltar a ser livre e estar com a família. Não é fácil compartilhar a convivência com outras pessoas. No que podíamos, um ajudava o outro. Ali, é preciso cuidar da limpeza do acampamento, da distribuição da comida, os ofícios de casa.

FOLHA - Vocês souberam do fracasso da primeira operação?
GONZÁLEZ -
Caminhamos por 20 dias por toda a selva, eram jornadas diárias bastante longas. Ouvimos pelo rádio as declarações do presidente [Uribe] de Villavicencio, nos preocupamos muitíssimo, pois se gerou ilusão e entusiasmo. Sentimos temor de que desse errado, mas voltamos a nos encher de esperança e nos animar espiritualmente. Dizíamos: "Não pode dar errado, tem de sair. E felizmente as coisas saíram bem.

FOLHA - A sra. está de acordo com tentativa de resgate?
GONZÁLEZ -
Hoje, sou mais ainda inimiga do resgate. A tentativa de resgate é uma condenação à morte. Não há nada que fazer. A experiência nos diz isso. Os 11 deputados, numa tentativa de resgate, se produziu um enfrentamento, e a reação da guerrilha foi matá-los. Mas nos notificaram: qualquer tentativa de resgate, há ordem para assassinarmos. Porque eles têm o critério de que não podem resgatar o refém vivo. Hoje, sou inimiga do resgate, porque é morrer.

FOLHA - Pensava em fugir?
GONZÁLEZ -
No momento em que me seqüestraram, um guerrilheiro me disse: "Se você tentar escapar, não espere nenhuma reação distinta da guerrilha fora do assassinato". Apesar disso, às vezes alguém contempla a possibilidade. Então se faz a consideração de que se fez tanto esforço por existir, quatro, cinco anos, oito anos, não vale a pena pôr em risco.


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