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"A guerrilha não é louca", diz Consuelo
Em entrevista à Folha, ex-congressista conta como é a relação entre cativos e os membros das Farc
Refém libertada no último dia 10 estreitou laços com guerrilheira que esteve a seu lado em caminhada de 20 dias na selva até a soltura
DO ENVIADO A BOGOTÁ
DA COLABORADORA DA FOLHA
No momento de sua libertação, na semana passada, imagens mostraram a ex-congressista Consuelo González se despedindo de forma efusiva de
uma das quatro guerrilheiras
que a entregaram à comitiva liderada pelo governo venezuelano. Ao explicar o gesto, González disse que, durante os 20
dias de caminhada entre o
acampamento e os helicópteros, pôde se aproximar dessa
guerrilheira, apesar da proibição expressa do comando das
Farc desse tipo contato.
"Tive a oportunidade de conversar com uma delas, exatamente da qual me despedi de
forma muito mais emotiva. E a
verdade é que, ao ouvi-la, me
dava uma profunda tristeza",
lembra González. A ex-deputada conta que, apesar dos mais
de seis anos com a guerrilha, ela
pouco interagiu com os guerrilheiros no cativeiro.
"Eu me atrevo a dizer que a
guerrilha não é louca [longa
pausa]. Os militantes com
quem tínhamos trato eram
muito distantes, pois é proibido
conviver com reféns. A troca de
comunicação, de idéias, é pouca. Mas, no que se podia acessar
deles, a maioria segue de forma
muito estrita o determinado
pelos chefes", conta.
"A primeira pergunta foi: "Há
quanto tempo está na guerrilha?". Ela me disse: "Sete anos".
"Por que ingressou na guerrilha?" Ela me disse: "Consuelo,
porque, quando era menina,
dois ou três anos, mataram o
meu pai". "Quem matou os seus
pais?" "Os paras". "O que aconteceu com a sua mãe?" "Teve de
fugir." "Quanto eram?" "Seis ou
sete." "E o que aconteceu com
vocês, com todas as crianças?"
"Fomos a viver com uma avozinha que tinha uns 80 anos. Eu
tive de trabalhar numa casa de
família para que a minha avó
conseguisse comprar um pouco de arroz. Não podia estudar,
não tinha como". Era uma pobreza que me golpeava terrivelmente ouvir", afirma.
E continua a história: "Ela
disse: "Não tive alternativa à
guerrilha". "E os seus irmãos?"
"Três das minhas irmãs estão
na guerrilha também'".
"Ou seja, quatro da mesma
família estão na guerrilha por
causa da violência, pela falta de
oportunidades. Mas, além disso, isso me produz uma enorme
tristeza, porque eu passo essa
situação ao meu caso particular. Eu prefiro fazer a reflexão: e
se isso tivesse ocorrido às minhas filhas?", indaga González,
mãe de duas jovens e e avó de
uma menina, nascida quando
ela estava em cativeiro.
E continua: "Eu via que, no
fundo do seu coração, ela tinha
algo de humano, toda hora ela
me dizia: "Consuelo, estou fazendo um esforço para que a liberação não dê errado. Estou
fazendo um esforço para que
vocês saiam, para que Clara encontre o seu filho, para que você se reúna com suas filhas, seu
neto. E todo dia me dizia, de
longe: "As coisas vão bem'".
Segundo González, as Farc
buscam dar o mesmo tratamento aos guerrilheiros e guerrilheiras, que basicamente têm
as mesmas obrigações.
"Nós às víamos transportando sobre seus ombros troncos
de tamanhos impressionantes.
Elas têm muita disciplina, a
maioria tem o cabelo longo,
muito longo. Para cortar, é preciso ter autorização do chefe."
A maternidade é coibida pelo
comando das Farc, segundo relatos de ex-guerrilheiras, que
dão conta de que combatentes
grávidas são muitas vezes forçadas a fazer o aborto.
Por outro lado, diz a ex-congressista, as mulheres seqüestradas recebem um tratamento
mais brando em comparação
com os homens, que dormem
todas as noites acorrentados
nos pés ou no pescoço.
"Em nenhum momento me
colocaram correntes. Enquanto eu estive com mulheres companheiras, nunca se acorrentou
nenhuma. Ouvi que, quando se
tenta escapar, acorrentam ou
dão um tiro. Mas nenhuma de
nós tentamos escapar", conta.
A ex-refém Clara Rojas, libertada junto com González,
disse que foi acorrentada por
vários dias junto com a ex-candidata à Presidência Ingrid Betancourt depois de uma tentativa frustrada de fuga.
González conta como terminou o relacionamento de vários
dias com a guerrilheira: "No dia
em que nos entregaram, eu já ia
ao helicóptero, e ela disse:
"Consuelo, adeus". Eu não havia
me despedido dela. Voltei, lhe
dei um beijo e disse: "Obrigado
e reflita'".
(FM e JC)
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