São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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OPINIÃO

Influência do WikiLeaks na crise tunisiana é superestimada

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE SÃO PAULO

A revista "Foreign Policy", que há muito abandonou o rigor acadêmico para tentar vender mais com um apelo "popular" para questões de política externa, exagerou de novo com o título que deu a um texto em sua edição eletrônica de 13 de janeiro: "A primeira revolução do WikiLeaks?", em referência à crise na Tunísia.
O ponto de interrogação era apenas um possível álibi para responder a quem a acusasse de passar dos limites: perguntar não é afirmar.
Mas claro que a intenção era obter a interpretação que muitos deram à frase: o governo de Ben Ali caiu por causa da divulgação de despachos diplomáticos americanos com críticas a ele.
A própria autora do texto da revista, Elizabeth Dickinson, reconhece: "Os tunisianos não precisavam de mais razões para protestar: os preços dos alimentos subiam, a corrupção grassava, o desemprego crescia".
Será que só ao saberem que o embaixador americano ficou ultrajado com o luxo ostensivo com que foi recebido em jantar pelo genro do ditador é que os tunisianos resolveram pôr fim ao regime?
Outro ditador, Muammar Gaddafi, da Líbia, disse que sim: as revelações do WikiLeaks causaram a queda de Ben Ali, a qual ele lamenta.
Como na Líbia também já começam manifestações contra o regime, é razoável que Gaddafi se municie com uma lista de inimigos que ele julgue poder mobilizar simpatias a seu favor.
A imprensa e os americanos têm sido historicamente bodes expiatórios eficazes.
É muito mais fácil culpá-los pelos problemas nacionais do que admitir que as causas da insatisfação das pessoas decorrem dos próprios governos.
Dickinson, apesar do título apelativo de seu artigo, é mais moderada: sugere que o WikiLeaks foi um catalisador para o movimento.
Nem isso é provável. Certamente os tunisianos já sabiam fazia muito tempo dos abusos de corrupção de Ben Ali e seu clã.
Não seria o relato de diplomatas dos EUA, país com imagem muito negativa entre parcela considerável da população do país, que incitaria protestos antigoverno.
Inclusive porque muitos desses relatos diplomáticos apenas repetiam o que os americanos ouviam de interlocutores tunisianos.
É muito mais possível que, como afirmou Clóvis Rossi nesta Folha no sábado, o "incidente detonador" tenha sido o suicídio do jovem desempregado Mohamed Bouaziz em protesto contra a apreensão pela polícia de sua barraca de venda de frutas em 17 de dezembro.


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