São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Morrem 2 dos últimos veteranos da 1ª Guerra

Ex-combatentes do confronto que enterrou a Belle Époque são hoje reduzido grupo de 15, todos com mais de 105 anos

Conflito matou 9,3 milhões de soldados; a carnificina até então inédita na história militar seria superada pela Segunda Guerra Mundial

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles formam hoje um grupo reduzidíssimo de 15 ex-soldados que combateram na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Eram 17 no Natal. Depois disso morreram dois: Erich Kaestner, aos 107 anos, possivelmente o último veterano alemão do conflito, e Louis de Cazenave, aos 110, o penúltimo veterano francês.
O mais velho sobrevivente é o britânico Henry Allingham, que está com 111 anos. O que viveu mais tempo e morreu em janeiro do ano passado, aos 115, foi o porto-riquenho Emiliano Mercado del Toro.

Forças em conflito
A Primeira Guerra ocorreu há tanto tempo que dificilmente se imagina que ainda estejam vivos alguns de seus participantes. De um lado, havia a tríplice aliança -Alemanha, Áustria-Hungria e Império Otomano-, e, de outro, os aliados, sobretudo França, Reino Unido, Holanda e Bélgica, com os Estados Unidos entrando depois. A Itália mudou de lado e terminou, no Armistício de 11 de novembro de 1918, coligada a franceses e britânicos.
Morreram 9,3 milhões de soldados, uma carnificina até então inédita na história militar. Na Segunda Guerra morreram 22 milhões de militares e 30 milhões de civis, segundo estimativas que estão sempre sujeitas a revisão.
Na Alemanha, que perdeu as duas guerras, não há órgão público que registre os veteranos mais longevos do primeiro conflito. O "Der Spiegel" e o "Die Welt" apontaram a existência desse tabu. Manter um organismo oficial responsável pelo acompanhamento dos sobreviventes já é problemático.
Por conta disso, é incerto que Erich Kaestner tenha sido o último. Ele morreu em 1º de janeiro, num asilo de Colônia. Foi juiz de direito em Hanover. Combateu como soldado de infantaria nos quatro últimos meses do conflito.
Sobre o francês Louis de Cazenave sabe-se bem mais coisas. Em 1917 ele foi um dos sobreviventes da segunda batalha de Aisne, onde só no primeiro dia tombaram sob fogo alemão 40 mil companheiros de farda.
Trabalhou e se aposentou como ferroviário. Definia-se como pacifista. "A guerra é uma coisa absurda, inútil", disse em 2005 ao "Le Monde".
Morreu no dia 20 de janeiro. O presidente Nicolas Sarkozy enviou mensagem à família. O "Le Figaro" dedicou a ele imensa reportagem.

Herói franco-italiano
Mas a França reserva "funerais nacionais" -a promessa foi feita há anos pelo então presidente Jacques Chirac- para seu último veterano.
Será Lazare Ponticelli, que está hoje com 110 anos e é o derradeiro "poilu" (peludo), apelido carinhoso que os franceses davam aos soldados desde as guerras napoleônicas, no início do século 19.
Ponticelli, que se tornou empresário da área de calefação e petróleo, tem uma história curiosíssima. Nascido na Itália, estabelecido na França desde os 9 anos e ainda como cidadão italiano, lutou a primeira parte da guerra num batalhão da Legião Estrangeira. Preso e levado de volta a seu país de origem, combateu também pela Itália, ao lado dos aliados.
Volta à França, obtém a cidadania, e eis que a Alemanha ocupa o território francês com a Segunda Guerra. Ele então caiu na clandestinidade e combateu na Resistência. Ponticelli deu há alguns dias uma deliciosa entrevista ao jornal francês "Le Figaro".
Alistar-se com o risco de morrer pela pátria tem hoje um cheiro de anacronismo. Mas era um sentimento bastante comum na Europa do século 20. Os "poilus" foram ávidos representantes disso.
Um levantamento bastante minucioso, na Wikipedia em inglês, indica que entre os combatentes da Primeira Guerra ainda estão vivos, além de Ponticelli, três australianos, um canadense, dois italianos, um turco, três britânicos e três americanos. Todos eles, é óbvio, têm mais de 105 anos.
Nos últimos cinco anos morreram 481 veteranos. Os números são decrescentes: 164, em 2002, mas apenas 34, no ano passado. Os poucos sobreviventes, com honras públicas ou de modo anônimo, entrarão em breve para a História.


Com agências internacionais


Texto Anterior: Guerras inspiram indicados ao Oscar de documentário
Próximo Texto: EUA: Ex-diplomata é acusado de trocar vistos por sexo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.