São Paulo, quarta-feira, 17 de março de 2010

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Brasil critica Israel por assentamentos

Em visita a território palestino, Amorim diz que "alguma coisa séria tem que ser feita" quanto a construções em Jerusalém Oriental

Subida de tom do governo brasileiro vem um dia após Lula receber cobranças em discurso a israelenses sobre sua proximidade com Teerã


Ahmad Gharabli/France Presse
Soldados israelenses detêm um jovem palestino que participava de uma manifestação contra o anúncio de novas construções judaicas em Jerusalém Oriental

CLÓVIS ROSSI
MARCELO NINIO
ENVIADOS ESPECIAIS A BELÉM (CISJORDÂNIA)

Um dia após ver o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser duramente pressionado pelo governo israelense a se afastar do Irã, o governo brasileiro subiu ontem o tom contra Israel na questão da construção de novos assentamentos judaicos em Jerusalém Oriental, que detonou nova crise com os palestinos e com os Estados Unidos.
O chanceler Celso Amorim cobrou ação para devolver a confiança que ele admite estar perdida no processo de paz com os palestinos. "Alguma coisa séria tem que ser feita em relação aos assentamentos", disse o chanceler em entrevista coletiva em Belém, depois de encontro entre a delegação brasileira e Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina.
É bem mais do que a tíbia "preocupação", manifestada em nota oficial na sexta-feira, com o anúncio de Israel de que seriam construídas 1.600 novas habitações no subúrbio de Ramat Shlomo, em Jerusalém Oriental, que os palestinos querem como a capital de seu eventual futuro Estado.
Mais até do que a condenação ao anúncio feita anteontem por Lula em seu discurso no Parlamento de Israel, o mesmo no qual foi cobrado pela proximidade com o Irã.
O anúncio das novas construções pôs uma pedra na retomada do diálogo de paz, interrompido desde a ofensiva israelense contra a faixa de Gaza no início do ano passado.
Apesar de aceitar que há uma crise, Amorim não abandonou um certo grau de otimismo de ofício, embora não tenha conseguido listar um só motivo para ele. Na verdade, o único motivo apontado é um estado de espírito de parte dos palestinos: "Não há uma visão de desespero, embora se trate de uma crise, da qual é possível sair com apoio da comunidade internacional", afirmou.
Já o presidente Lula exagerou na dose de otimismo, ao anunciar em discurso para empresários brasileiros e palestinos, reunidos em Belém, que "não está longe o dia em que será assinado o acordo entre Israel e Palestina".
Mas ele próprio se contradisse pouco mais tarde, ao relatar que, quando conversa com os dois lados, ambos dizem que está "tudo andando bem", mas "a gente vê que alguma coisa não está andando bem".
Terminou jogando para mais longe o dia do acordo de paz: "Imagino estar vivo e poder vir para esta região e descer em um aeroporto palestino. Ou descer em Tel Aviv [o aeroporto internacional de Israel e que é o único ponto de acesso aéreo também aos territórios palestinos] e poder ver israelenses e palestinos trabalhando juntos, festejando juntos".
O presidente, como tem feito reiteradamente, reivindicou que "novos interlocutores" sejam incorporados ao processo de negociação, obviamente se e quando ele for retomado. "Novos interlocutores" é a expressão-código para referir-se ao Brasil com a sutileza que caracteriza a diplomacia brasileira.
Amorim, no entanto, não especificou como o Brasil entraria no processo. Preferiu pedir mais tempo para, primeiro, novas conversas com os atores envolvidos (hoje, de novo com os palestinos e também com o rei da Jordânia) e, depois, uma análise de tudo o que foi ouvido durante a visita à região.
Uma nuance semântica reflete a ascensão nas relações entre Brasil e palestinos, consolidada pela visita de Lula e admitida ontem por Amorim.
Embora em notas oficiais o Itamaraty continue usando a expressão "territórios palestinos", em documentos internos é adotado o termo "Palestina", num gesto sutil de apoio ao país que ainda não existe.
Um memorando do Itamaraty obtido pela Folha sobre os acordos de cooperação técnica que serão assinados hoje reitera a nuance e a aproximação. "Pela primeira vez serão assinados tratados no sentido do direito internacional clássico entre o Brasil e a Palestina", diz o documento.


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