São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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EUROPA

Presidente faz campanha para conter rejeição à Carta, impulsionado por questões internas

Chirac procura salvar a Constituição da UE

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O presidente Jacques Chirac entrou, na última quinta-feira, na campanha pela aprovação na França da Constituição européia, que será decidida num plebiscito em 29 de maio. Afirmou que a rejeição da Carta seria um duro golpe na construção européia e transformaria seu país na "ovelha negra" do bloco.
O sinal de alerta já fora dado pelo premiê Jean-Pierre Raffarin na segunda-feira, quando ele disse que a vitória do "não" na França "destruiria a casa Europa". O tom alarmante encontra respaldo nas pesquisas de opinião. Há um mês, elas mostram a vitória do "não".
Para especialistas consultados pela Folha parte dos partidários do "não" expressa descontentamento com questões domésticas ou contra a "influência dos burocratas de Bruxelas", a sede da União Européia.
"Dois pontos são preponderantes nas pesquisas: a "crise social" que a França atravessa, para uma parcela significativa da população, e a imagem intervencionista da UE. O início das negociações com a Turquia vêm sendo usado pelos detratores da Carta para inflamar os ânimos", analisou Anne-Marie Le Gloannec, autora de, entre outros, "Entre Union et Nation: les Etats en Europe".
"Com isso, questões domésticas, como as greves contra a reforma do sistema educacional ou a deterioração do desemprego [10%], domina os debates, ofuscando os temas importantes, como a influência do texto constitucional no cotidiano das pessoas. Os franceses não decidirão se aceitam ou não a Constituição, mas decidirão se querem ou não punir o governo", diz ela.
A apatia das diferentes populações européias em relação ao bloco também inquieta os analistas. "Segundo uma pesquisa recente do Eurobarômetro, 43% dos europeus afirmaram que a saída de seu país da UE lhes seria indiferente, e outros 13% disseram que isso os deixaria satisfeitos", apontou Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Berlim).
"Vemos, portanto, que o caso francês não é excepcional e que é preciso fazer um esforço de esclarecimento das conquistas do bloco para que os europeus entendam seu valor. O problema é que a UE é vista como responsável por uma série de cortes sociais que seus membros vêm realizando. Contudo isso não é verdade, pois a redução do Estado do Bem-Estar Social europeu é uma decisão de cada país, não de Bruxelas."
A rejeição da Constituição européia pelos franceses teria, de fato, um impacto avassalador sobre a construção européia. "Um "não" do Reino Unido no ano que vem, por exemplo, poderia forçar uma renegociação mínima de algumas disposições da Carta. Mas o "não" francês seria terrível, visto que a França e a Alemanha constituem o motor da UE e a consulta popular francesa é somente a segunda a ser realizada", afirmou Kreile.
Com efeito, a Espanha é o único país em que já houve plebiscito -o "sim" obteve 76,73% dos votos. Outros oito, além da França, também deverão fazê-lo. Os outros 15 Estados do bloco só levarão o texto à apreciação do Legislativo, via menos complexa. Em tese, a Constituição tem de ser aprovada por todos os 25 membros da UE para entrar em vigor.
Do outro lado do oceano Atlântico, o desfecho da consulta popular francesa interessa aos americanos, já que, se aprovada, a Carta será mais um passo em direção a uma Europa mais forte e unida.
"O governo Bush está dividido. Desde sua reeleição, ele expressa apoio à UE. Após a rixa diplomática que precedeu a Guerra do Iraque, contudo, parte do governo americano não ficaria triste se a Constituição não fosse adotada, pois isso atrasaria a construção européia", disse Charles Kupchan, diretor do Council on Foreign Relations, dos EUA.
A construção dessa "Europa forte" precisa passar pela aprovação da Constituição pelos franceses. Por ora, os neoconservadores americanos não têm, aparentemente, muito com que se preocupar. Todavia ainda resta um mês e meio de campanha na França.

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