São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2008

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Carrefour e CNN são alvos na China de onda nacionalista

Governo exige desculpas por fala de comentarista da rede de TV americana, que chamou dirigentes de "capangas"

Corrente eletrônica pede boicote à empresa francesa; para analistas, regime usa animosidade que existe no exterior para ganhar apoio

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Um complô do Ocidente contra a Olimpíada de Pequim e o crescimento da nova potência é o assunto que domina a mídia, chats e blogs na China.
A manchete dos principais jornais estatais relatava ontem o pedido de desculpas que o governo exigiu da rede americana CNN. Ao falar dos protestos no percurso da tocha olímpica, um comentarista disse que os chineses "continuavam a ser os mesmos capangas dos últimos cinqüenta anos".
O comentarista Jack Cafferty disse que se referia ao governo, não ao povo, e a CNN pediu desculpas "ao povo chinês", mas o estrago já estava feito.
O celular do repórter da Folha recebeu duas mensagens pedindo o boicote à rede de supermercados francesa Carrefour. Segundo o torpedo, um dos seus acionistas, o grupo LVMH, fez doações ao dalai-lama, que pede a autonomia do Tibete e é o atual inimigo número um do regime comunista.
Usuários do msn, o serviço de conversa instantânea da Microsoft, receberam ontem correntes pedindo para digitar (L) em frente ao nome do usuário. Ao fazê-lo, um coração vermelho aparece ao lado do nome. "Coloque o coração vermelho para demonstrar que você está do lado da pátria. Ou você é traidor?", dizem as mensagens.
Segundo analistas ouvidos pela Folha, há paranóia nacionalista estimulada pelo governo, que encontrou um inimigo externo para unir a nação. Mas a animosidade contra a China no exterior é real -e junta o desrespeito aos direitos humanos no país ao temor do crescente poder político e econômico chinês.

"Complô"
O detonador para ambos os lados é a Olimpíada de Pequim, em agosto, planejada pela direção comunista como um palco para o país demonstrar seu desenvolvimento. As ameaças de boicote frustram os planos.
A agência de notícias estatal Xinhua chamou a presidente do Congresso americano, a democrata Nancy Pelosi, de "detestável e repugnante", "por se intrometer em assuntos internos da China e defender a camarilha do dalai-lama".
Em março, protestos no Tibete provocaram uma forte repressão do regime chinês e a presença de estrangeiros na Província foi proibida. A mídia estatal começou a acusar a imprensa ocidental de manipular informações sobre o que de fato aconteceu na região isolada, num "complô contra os Jogos".
Um fórum na internet reuniu 11 mil comentários contra a cobertura do jornal britânico "The Times". Dezenas deles faziam ameaças de morte à correspondente do diário. O correspondente da CNN também sofreu ameaças.
Protestos em Londres, Paris e San Francisco durante o percurso da tocha olímpica foram mostrados pela mídia estatal como parte do complô. O governo francês foi acusado de permissivo com os manifestantes pró-Tibete em Paris.
Um deles tentou arrancar a tocha de uma atleta paraolímpica - a esgrimista Jin Jing virou heroína instantânea. Foi quando começaram as campanhas de boicote a produtos franceses. "Os líderes chineses vêem uma conspiração contra a tocha e não entendem que proibir protestos sempre provoca efeitos políticos piores", disse à Folha o professor americano Russell Moses, que dá aulas em Pequim. "Muita gente achava que a Olimpíada abriria o regime, mas está acontecendo o contrário."
O professor Dali Yang, diretor do Instituto do Leste Asiático, da Universidade Nacional de Cingapura, acha que o governo terá que intervir se o nacionalismo sair de controle. "Essas ações podem colocar em risco a própria Olimpíada."


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