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Bush driblou Justiça para aprovar escuta
Presidente e atual secretário da Justiça tentaram manobrar o antecessor deste, então doente para passar plano-espião
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Noite de 10 de março de
2004. O então secretário da
Justiça norte-americano, John
Ashcroft, está deitado na cama
de uma UTI em Washington,
semidopado. O então secretário-interino, James Comey, recebe uma ligação: Alberto Gonzales, à época assessor judicial
da Casa Branca, e Andrew
Card, então o chefe-de-gabinete de George W. Bush, estão indo visitar seu chefe.
Levam em suas mãos uma
ordem executiva do presidente
com um polêmico programa de
espionagem, que, além de ser
voltado para o público doméstico, prescinde de mandado judicial. Querem que Ashcroft o endosse, dando assim o o.k. de seu
departamento. O secretário-interino sabe do plano, corre para
o hospital, consegue chegar antes da dupla enviada pela Casa
Branca. Não seria necessário.
Depois de ouvir impropérios
de um ainda grogue Ashcroft,
os dois são instruídos pelo então secretário a pedir o endosso
do interino, ali no quarto. Gonzales e Card deixam o hospital
sem falar com Comey. Este e
Ashcroft ameaçam renunciar.
Semanas depois, a ordem executiva de Bush é reformulada
para seguir os parâmetros pedidos pelo órgão. Nesse período,
o governo dos EUA usou um
plano que não foi aprovado por
seu próprio ministério da Justiça nem por seu titular.
Quem contou a história, em
depoimento detalhado no final
do dia de anteontem, foi James
Comey, durante audiência no
Congresso. O fato já era conhecido em linhas gerais, mas os
detalhes dados pelo então secretário-interino da Justiça de
Bush só adicionaram mais querosene à fogueira por que passa
a pasta. Com um problema extra: o titular hoje é o mesmo
Gonzales daquela noite.
Pressão
O secretário da Justiça é acusado de demitir nove procuradores federais por motivos políticos, não de competência.
Perdeu na segunda-feira seu
número dois, Paul McNulty,
que pediu demissão -só para
se ver acusado pelo ex-chefe de
ser o verdadeiro responsável
pelas demissões. Apesar de declaração do porta-voz da Casa
Branca ontem -"O presidente
ainda tem total confiança em
Gonzales", disse Tony Snow-,
o secretário se isola mais.
No depoimento de terça à
Comissão Judicial do Senado,
sob comando democrata, James Comey foi admoestado por
um único republicano. Era Arlen Specter, da Pensilvânia, que
depois diria: "O departamento
não pode seguir funcional sob a
liderança ou falta de liderança
de Gonzales". Seu colega, o presidenciável Chuck Hagel, soltou declaração no dia seguinte
pela renúncia de Gonzales.
Specter chegaria a dizer que
o episódio tem "características" do "Massacre de Sábado à
Noite", como ficou conhecida a
noite de 20 de outubro de 1973,
em que o então presidente Richard Nixon demitiu o procurador especial encarregado de
investigar o caso Watergate, o
que levou ao pedido de demissão do secretário da Justiça.
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