São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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Bush driblou Justiça para aprovar escuta

Presidente e atual secretário da Justiça tentaram manobrar o antecessor deste, então doente para passar plano-espião

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Noite de 10 de março de 2004. O então secretário da Justiça norte-americano, John Ashcroft, está deitado na cama de uma UTI em Washington, semidopado. O então secretário-interino, James Comey, recebe uma ligação: Alberto Gonzales, à época assessor judicial da Casa Branca, e Andrew Card, então o chefe-de-gabinete de George W. Bush, estão indo visitar seu chefe.
Levam em suas mãos uma ordem executiva do presidente com um polêmico programa de espionagem, que, além de ser voltado para o público doméstico, prescinde de mandado judicial. Querem que Ashcroft o endosse, dando assim o o.k. de seu departamento. O secretário-interino sabe do plano, corre para o hospital, consegue chegar antes da dupla enviada pela Casa Branca. Não seria necessário.
Depois de ouvir impropérios de um ainda grogue Ashcroft, os dois são instruídos pelo então secretário a pedir o endosso do interino, ali no quarto. Gonzales e Card deixam o hospital sem falar com Comey. Este e Ashcroft ameaçam renunciar. Semanas depois, a ordem executiva de Bush é reformulada para seguir os parâmetros pedidos pelo órgão. Nesse período, o governo dos EUA usou um plano que não foi aprovado por seu próprio ministério da Justiça nem por seu titular.
Quem contou a história, em depoimento detalhado no final do dia de anteontem, foi James Comey, durante audiência no Congresso. O fato já era conhecido em linhas gerais, mas os detalhes dados pelo então secretário-interino da Justiça de Bush só adicionaram mais querosene à fogueira por que passa a pasta. Com um problema extra: o titular hoje é o mesmo Gonzales daquela noite.

Pressão
O secretário da Justiça é acusado de demitir nove procuradores federais por motivos políticos, não de competência. Perdeu na segunda-feira seu número dois, Paul McNulty, que pediu demissão -só para se ver acusado pelo ex-chefe de ser o verdadeiro responsável pelas demissões. Apesar de declaração do porta-voz da Casa Branca ontem -"O presidente ainda tem total confiança em Gonzales", disse Tony Snow-, o secretário se isola mais.
No depoimento de terça à Comissão Judicial do Senado, sob comando democrata, James Comey foi admoestado por um único republicano. Era Arlen Specter, da Pensilvânia, que depois diria: "O departamento não pode seguir funcional sob a liderança ou falta de liderança de Gonzales". Seu colega, o presidenciável Chuck Hagel, soltou declaração no dia seguinte pela renúncia de Gonzales.
Specter chegaria a dizer que o episódio tem "características" do "Massacre de Sábado à Noite", como ficou conhecida a noite de 20 de outubro de 1973, em que o então presidente Richard Nixon demitiu o procurador especial encarregado de investigar o caso Watergate, o que levou ao pedido de demissão do secretário da Justiça.


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