São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Palestinos usam blogs como válvula de escape

Diários na internet contam os dramas cotidianos

DA REDAÇÃO

"As pessoas em geral estão muito preocupadas com o futuro. As ruas parecem seguras, mas quem se opunha ao Hamas está com medo, a maioria está em casa ou escondida. Os carros voltaram às ruas, as pessoas estão fumando narguilé e rindo. Idosos jogam gamão na sombra. A combinação de vida normal e medo do futuro desconhecido criou uma estranha atmosfera em Gaza."
O relato acima foi retirado do blog "Tabula Gaza", um dos inúmeros diários da vida cotidiana no território palestino que povoam a Internet, um dia após o Hamas tomar o poder. Quando escolheu o nome de seu blog, um trocadilho com a expressão "tábula rasa" (recomeçar do zero), o jornalista Philip Rizik certamente não imaginava que ele se tornaria tão apropriado para o momento atual. Sua narrativa da nova ordem estabelecida em Gaza tinha o seguinte título: "Bem-vindo ao Hamastão".
Em tempo de cerco militar israelense e sangrentos confrontos internos, as páginas pessoais na internet se tornaram uma importante válvula de escape para uma população acuada e com medo de sair de casa -além de uma fonte de informação que destoa do partidarismo da mídia tradicional.
Além dos relatos que abrigam, os blogs oferecem uma chance de mostrar imagens triviais, que combinam tensão e rotina. Muitas fotos são de cenas que o mundo não costuma associar à faixa de Gaza: praia, escolas, lazer.
"As instituições do governo estão totalmente paralisadas, ninguém vai ao trabalho, até os bancos estão fechados. O risco de andar na rua é muito alto", relatou à Folha, por e-mail, o contador Wael Alqarra, morador da Cidade de Gaza, no auge da violência desta semana.

Sem lazer
Wael explicou que, além de ser uma forma de comunicar ao mundo a dureza da vida em Gaza, a internet é uma das poucas opções de diversão para seus moradores: "Aqui não tem cinema nem teatros. Ir à praia ficou perigoso demais. As pessoas, especialmente as mais jovens, passam a maior parte do tempo na internet, em blogs e sites de relacionamento."
A maioria dos blogs é em árabe, já que poucos palestinos de Gaza dominam outros idiomas. Mas há muitos que fazem questão de tornar acessível, em inglês, o cotidiano nessa conturbada faixa de terra costeira, onde 1,4 milhão de pessoas habitam uma área de 360 km2, menor que o município de Jundiaí, no interior de São Paulo.
No blog "De Gaza, com amor", a médica Mona El-Farra descreve o esforço diário para manter a vida normal, entre o bloqueio israelense e a violência fratricida dos palestinos. "As crianças estão de volta às escolas", escreveu ela, após um cessar-fogo entre Fatah e Hamas no começo de junho.
"Minha filha começou a prestar seus exames de fim de ano antes da hora. Todas as escolas tiveram que apertar seu calendário de provas para que elas acabem o mais rapidamente possível, antes que a violência recomece", conta a médica.
A realidade virtual, para a maioria dos palestinos, é uma extensão do clima de insegurança que vivem no mundo real. A documentarista Laila El-Haddad, por exemplo, criou o blog "Diário de uma mãe palestina" para acompanhar o crescimento de seu filho, Yousuf, hoje com quatro anos.
Repleto de fotos que mostram um lado bucólico e desconhecido de Gaza, como o de uma floricultura ou de um vendedor de frutas, o relato de El-Haddad invariavelmente cai na violência de Gaza. Algo que ela própria considera inevitável. "Juntos nós passamos por muita coisa. O que é pessoal se torna político", diz. (Marcelo Ninio)


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