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Palestinos usam blogs como válvula de escape
Diários na internet contam os dramas cotidianos
DA REDAÇÃO
"As pessoas em geral estão
muito preocupadas com o futuro. As ruas parecem seguras,
mas quem se opunha ao Hamas
está com medo, a maioria está
em casa ou escondida. Os carros voltaram às ruas, as pessoas
estão fumando narguilé e rindo. Idosos jogam gamão na
sombra. A combinação de vida
normal e medo do futuro desconhecido criou uma estranha
atmosfera em Gaza."
O relato acima foi retirado do
blog "Tabula Gaza", um dos
inúmeros diários da vida cotidiana no território palestino
que povoam a Internet, um dia
após o Hamas tomar o poder.
Quando escolheu o nome de
seu blog, um trocadilho com a
expressão "tábula rasa" (recomeçar do zero), o jornalista
Philip Rizik certamente não
imaginava que ele se tornaria
tão apropriado para o momento atual. Sua narrativa da nova
ordem estabelecida em Gaza tinha o seguinte título: "Bem-vindo ao Hamastão".
Em tempo de cerco militar
israelense e sangrentos confrontos internos, as páginas
pessoais na internet se tornaram uma importante válvula de
escape para uma população
acuada e com medo de sair de
casa -além de uma fonte de informação que destoa do partidarismo da mídia tradicional.
Além dos relatos que abrigam, os blogs oferecem uma
chance de mostrar imagens triviais, que combinam tensão e
rotina. Muitas fotos são de cenas que o mundo não costuma
associar à faixa de Gaza: praia,
escolas, lazer.
"As instituições do governo
estão totalmente paralisadas,
ninguém vai ao trabalho, até os
bancos estão fechados. O risco
de andar na rua é muito alto",
relatou à Folha, por e-mail, o
contador Wael Alqarra, morador da Cidade de Gaza, no auge
da violência desta semana.
Sem lazer
Wael explicou que, além de
ser uma forma de comunicar ao
mundo a dureza da vida em Gaza, a internet é uma das poucas
opções de diversão para seus
moradores: "Aqui não tem cinema nem teatros. Ir à praia ficou perigoso demais. As pessoas, especialmente as mais jovens, passam a maior parte do
tempo na internet, em blogs e
sites de relacionamento."
A maioria dos blogs é em árabe, já que poucos palestinos de
Gaza dominam outros idiomas.
Mas há muitos que fazem questão de tornar acessível, em inglês, o cotidiano nessa conturbada faixa de terra costeira, onde 1,4 milhão de pessoas habitam uma área de 360 km2, menor que o município de Jundiaí, no interior de São Paulo.
No blog "De Gaza, com
amor", a médica Mona El-Farra descreve o esforço diário para manter a vida normal, entre
o bloqueio israelense e a violência fratricida dos palestinos.
"As crianças estão de volta às
escolas", escreveu ela, após um
cessar-fogo entre Fatah e Hamas no começo de junho.
"Minha filha começou a
prestar seus exames de fim de
ano antes da hora. Todas as escolas tiveram que apertar seu
calendário de provas para que
elas acabem o mais rapidamente possível, antes que a violência recomece", conta a médica.
A realidade virtual, para a
maioria dos palestinos, é uma
extensão do clima de insegurança que vivem no mundo
real. A documentarista Laila
El-Haddad, por exemplo, criou
o blog "Diário de uma mãe palestina" para acompanhar o
crescimento de seu filho, Yousuf, hoje com quatro anos.
Repleto de fotos que mostram um lado bucólico e desconhecido de Gaza, como o de
uma floricultura ou de um vendedor de frutas, o relato de El-Haddad invariavelmente cai na
violência de Gaza. Algo que ela
própria considera inevitável.
"Juntos nós passamos por
muita coisa. O que é pessoal se
torna político", diz.
(Marcelo Ninio)
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