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Onipresente, Sarkozy vive a embriaguez do poder
Presidente francês, cujo partido vencerá legislativas hoje, teve alta de popularidade
Governo faz ofensiva para controlar a oposição; panorama deve mudar com o anúncio de reformas tributária e previdenciária
JOHN LICHFIELD
DO "INDEPENDENT"
Nicolas Sarkozy provavelmente estava embriagado na
cúpula do G8, mas a causa não
era o álcool. Estava embriagado
de excitação por ter conquistado lugar à mesa dos graúdos (e
de uma graúda). O novo presidente francês parece embriagado de entusiasmo pelo sucesso
que obteve, entorpecido pela
imensa popularidade e inebriado pelo tratamento amável que
vem recebendo da mídia francesa, até mesmo de parte de um
jornal centro-esquerdista como o "Monde".
Mas resta uma grande questão. Sarkozy representa de fato
algo de novo na política francesa? Resposta: sim, em certa medida. O povo francês está realmente preparado para mudanças, ainda que dolorosas, como
o país e o presidente alegam?
Resposta: é cedo para dizer.
"Sarkô" conquistará uma
maioria imensa no segundo
turno das eleições legislativas
hoje. Mesmo assim, o vento
traz os primeiros sinais de que
talvez enfrente pesada oposição dentro de seis ou 12 meses.
A televisão francófona da
Bélgica (sempre ávida por zombar da irmã mais velha ao lado)
mostrou um vídeo de Sarkozy
chegando atrasado a uma coletiva durante a reunião do G8,
na Alemanha. No vídeo, ele parece sem fôlego, desorientado.
Explica o atraso, com um sorriso vazio, diz que "passou mais
tempo do que esperava" em um
encontro com o presidente russo Vladimir Putin. Sarkozy então ri à toa, apela vagamente
por perguntas, como se nunca
tivesse ido a uma coletiva.
O apresentador sugere que
"Sarkozy não bebeu só água"
em sua conversa com Putin (o
jornalista se desculpou, depois). O vídeo virou um desses
surtos de histeria pela rede
-perfeito exemplo de como a
aldeia global ameaça fazer de
todos nós idiotas mundiais.
Na verdade, Sarkozy não bebe. Se você assistir ao vídeo várias vezes, a impressão que causa não é de embriaguez, mas de
animação excessiva, um tanto
infantil. É como se, por um instante, a máscara de "Sarkô", político consumado, caísse, e fosse possível ver, enfim, um garoto de 52 anos, que não consegue
conter a excitação diante da
idéia de que é agora presidente
da França. Alguns comentaristas, entre os quais me incluo,
compararam Sarkozy ao britânico Tony Blair, mas seria impossível imaginar que Blair se
deixasse apanhar assim.
Mas é preciso reconhecer os
méritos de Sarkozy. Suas primeiras quatro semanas no poder foram triunfais. Seus índices de aprovação são estratosféricos. Seu partido deve ficar
com 70% dos 577 assentos da
Assembléia Nacional.
Um dos limites para sua popularidade parece ser seu casamento. Cécilia Sarkozy não parece disposta a assumir plenamente seu papel de primeira-dama. "Sarkozy é mais frágil do
que parece, e uma das fontes de
sua fragilidade é Cécilia", disse
uma fonte que a conhece bem.
A outra fonte de fragilidade
pode ser o seu ponto mais forte:
sua extraordinária determinação de fazer tudo sozinho (e de
levar o crédito por isso). Está
claro que o presidente Sarkozy
pretende, igualmente, ser o primeiro-ministro Sarkozy, o ministro do Exterior Sarkozy... Isso, em si, já é perigoso. E há
maiores, e piores, problemas.
A ambição de Sarkozy não é
só mudar o sistema tributário e
previdenciário francês, mas
mudar a psique do país. Deseja
uma França com menos dependência do Estado, preparada
para crer que as velhas barreiras invisíveis ao progresso individual foram derrubadas.
Como se não bastasse, Sarkozy parece determinado a
controlar a oposição. A maioria
dos deputados da centrista
UDF aderiu a um falso e novo
partido pró-Sarkô. Ele fala em
criar uma facção de "esquerdistas pró-Sarko" na Assembléia.
Todas essas manobras têm
por objetivo preparar as muralhas contra a inevitável reação
que o programa Sarkozy de reformas causará.
Já é possível traçar os contornos de uma clássica parábola política francesa. Imensa popularidade se transforma em
imensa impopularidade.
O quê? Vamos ter de pagar
mais pela assistência médica?
De jeito nenhum. O quê? Temos de pagar imposto de consumo mais alto para aliviar o
peso dos serviços de saúde e do
seguro-desemprego na "contribuição social" paga pelos empregadores? De jeito nenhum.
Sarkozy talvez continue embriagado de poder e popularidade, mas é bem provável que
uma ressaca não demore.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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