São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Onipresente, Sarkozy vive a embriaguez do poder

Presidente francês, cujo partido vencerá legislativas hoje, teve alta de popularidade

Governo faz ofensiva para controlar a oposição; panorama deve mudar com o anúncio de reformas tributária e previdenciária

JOHN LICHFIELD
DO "INDEPENDENT"

Nicolas Sarkozy provavelmente estava embriagado na cúpula do G8, mas a causa não era o álcool. Estava embriagado de excitação por ter conquistado lugar à mesa dos graúdos (e de uma graúda). O novo presidente francês parece embriagado de entusiasmo pelo sucesso que obteve, entorpecido pela imensa popularidade e inebriado pelo tratamento amável que vem recebendo da mídia francesa, até mesmo de parte de um jornal centro-esquerdista como o "Monde". Mas resta uma grande questão. Sarkozy representa de fato algo de novo na política francesa? Resposta: sim, em certa medida. O povo francês está realmente preparado para mudanças, ainda que dolorosas, como o país e o presidente alegam? Resposta: é cedo para dizer.
"Sarkô" conquistará uma maioria imensa no segundo turno das eleições legislativas hoje. Mesmo assim, o vento traz os primeiros sinais de que talvez enfrente pesada oposição dentro de seis ou 12 meses. A televisão francófona da Bélgica (sempre ávida por zombar da irmã mais velha ao lado) mostrou um vídeo de Sarkozy chegando atrasado a uma coletiva durante a reunião do G8, na Alemanha. No vídeo, ele parece sem fôlego, desorientado. Explica o atraso, com um sorriso vazio, diz que "passou mais tempo do que esperava" em um encontro com o presidente russo Vladimir Putin. Sarkozy então ri à toa, apela vagamente por perguntas, como se nunca tivesse ido a uma coletiva.
O apresentador sugere que "Sarkozy não bebeu só água" em sua conversa com Putin (o jornalista se desculpou, depois). O vídeo virou um desses surtos de histeria pela rede -perfeito exemplo de como a aldeia global ameaça fazer de todos nós idiotas mundiais.
Na verdade, Sarkozy não bebe. Se você assistir ao vídeo várias vezes, a impressão que causa não é de embriaguez, mas de animação excessiva, um tanto infantil. É como se, por um instante, a máscara de "Sarkô", político consumado, caísse, e fosse possível ver, enfim, um garoto de 52 anos, que não consegue conter a excitação diante da idéia de que é agora presidente da França. Alguns comentaristas, entre os quais me incluo, compararam Sarkozy ao britânico Tony Blair, mas seria impossível imaginar que Blair se deixasse apanhar assim.
Mas é preciso reconhecer os méritos de Sarkozy. Suas primeiras quatro semanas no poder foram triunfais. Seus índices de aprovação são estratosféricos. Seu partido deve ficar com 70% dos 577 assentos da Assembléia Nacional. Um dos limites para sua popularidade parece ser seu casamento. Cécilia Sarkozy não parece disposta a assumir plenamente seu papel de primeira-dama. "Sarkozy é mais frágil do que parece, e uma das fontes de sua fragilidade é Cécilia", disse uma fonte que a conhece bem.
A outra fonte de fragilidade pode ser o seu ponto mais forte: sua extraordinária determinação de fazer tudo sozinho (e de levar o crédito por isso). Está claro que o presidente Sarkozy pretende, igualmente, ser o primeiro-ministro Sarkozy, o ministro do Exterior Sarkozy... Isso, em si, já é perigoso. E há maiores, e piores, problemas.
A ambição de Sarkozy não é só mudar o sistema tributário e previdenciário francês, mas mudar a psique do país. Deseja uma França com menos dependência do Estado, preparada para crer que as velhas barreiras invisíveis ao progresso individual foram derrubadas. Como se não bastasse, Sarkozy parece determinado a controlar a oposição. A maioria dos deputados da centrista UDF aderiu a um falso e novo partido pró-Sarkô. Ele fala em criar uma facção de "esquerdistas pró-Sarko" na Assembléia.
Todas essas manobras têm por objetivo preparar as muralhas contra a inevitável reação que o programa Sarkozy de reformas causará. Já é possível traçar os contornos de uma clássica parábola política francesa. Imensa popularidade se transforma em imensa impopularidade.
O quê? Vamos ter de pagar mais pela assistência médica? De jeito nenhum. O quê? Temos de pagar imposto de consumo mais alto para aliviar o peso dos serviços de saúde e do seguro-desemprego na "contribuição social" paga pelos empregadores? De jeito nenhum. Sarkozy talvez continue embriagado de poder e popularidade, mas é bem provável que uma ressaca não demore.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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