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ENTREVISTA
JON ELSTER
"Alternância no poder define as democracias"
Para teórico da política, ampliação do direito de voto trouxe novos desafios
Sistema eleitoral deve combinar meta de eficácia do governo eleito com proporção justa entre voto e representação, diz Jon Elster
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
Uma vez que o sufrágio universal já existe na maioria dos
países, o teste para verificar se
estamos diante de uma democracia é a ocorrência de alternância no poder, argumentou o
norueguês Jon Elster, professor de teoria política na Universidade Columbia (Nova York) e
no Collège de France (Paris),
em entrevista à Folha.
Elster, 67, esteve na semana
passada em Porto Alegre, onde
falou sobre "democracia, justiça e eleições" no ciclo Fronteiras do Pensamento, iniciativa
da Copesul Cultural e universidades gaúchas que tem trazido
ao Brasil nomes importantes
das ciências humanas.
Em sua palestra, o autor de
"Ulisses e as Sereias" (1979),
entre outros livros, enfatizou a
importância da participação
eleitoral nas democracias e defendeu, com ressalvas, o voto
obrigatório tal como existe no
Brasil. Ele levantou a hipótese
de que as pessoas vão às urnas
nessa circunstância não só pelo
medo de sanções mas também
por uma espécie de "norma de
justiça" desencadeada pelo fato
de o eleitor saber que mais cidadãos estão votando. Abaixo,
trechos da entrevista.
FOLHA - Como vai a democracia no
mundo, em sua opinião?
JON ELSTER - Eu considero que
hoje só há uma escolha, entre
democracia e ditadura; a possibilidade de um governo da elite
ou da oligarquia está morta para sempre. Ninguém pode reivindicar superioridade em termos de riqueza, nascimento ou
educação. Agora, o que vemos
em alguns países como a Rússia
é uma forma especial de democracia, que é autoritária. Embora baseada em eleições, é difícil
dizer o quanto isso importa. Para uma democracia verdadeira,
é preciso ter partidos políticos
que se alternem no poder. É o
teste para sabermos se estamos
diante de um arremedo de democracia ou de uma democracia verdadeira. A Quinta República Francesa só provou ser
uma democracia em 1981,
quando os socialistas chegaram
à Presidência.
FOLHA - Há o argumento de que
partidos diferentes governam igual
por causa da influência de oligarquias econômicas não eleitas.
ELSTER - Em primeiro lugar, eu
não acho que isso se aplique à
política externa. Um governo
democrata nos EUA possivelmente não estaria numa guerra
no Iraque. De maneira geral, há
alguma correção no raciocínio
de que, numa economia de
mercado globalizada, há restrição às ações dos governos. Mas
ela é muito ou pouco importante? Depende do país, das políticas. Não dá para generalizar.
FOLHA - O senhor defenderia o voto obrigatório em países onde a abstenção é alta, como os EUA?
ELSTER - Acho que dependeria
de quais seriam as sanções para
quem não votasse, ou a recompensa para quem votasse. É
verdade que existe nos EUA um
problema de participação democrática - o último presidente foi eleito por 29% dos eleitores, uma base popular muito
pequena. Isso é perigoso.
FOLHA - O senhor diz que chegar a
governos estáveis deve ser uma meta dos sistemas eleitorais. Como
combinar representação justa e estabilidade?
ELSTER - Com compromissos.
Para ter justiça, você pode ter
representação proporcional;
para ter alguma estabilidade,
precisa ter uma cláusula de barreira de 3% ou até 5% dos votos,
de modo que os pequenos partidos não possam chegar ao
Parlamento. O voto proporcional pode gerar menos estabilidade do que o majoritário, mas
pode levar a mais justiça.
FOLHA - O Congresso brasileiro debate a introdução de listas partidárias fechadas. É democrático?
ELSTER - Um sistema em que só
os partidos podem designar a
ordem dos eleitos é antidemocrático. O sistema ideal tem
que combinar algum papel dos
partidos na criação das listas
mas também a possibilidade de
os eleitores modificarem-na.
FOLHA - Que importância o senhor
dá ao equilíbrio de poder entre as
instituições do Estado?
ELSTER - Tanto a separação dos
Poderes quanto a existência de
pesos e contrapesos são importantes. Mas nos EUA, por
exemplo, há contrapesos demais. O Senado americano é,
acredito, uma instituição ridícula por causa do modo como é
eleita, dando a todos os Estados
o mesmo peso. Hoje, a Alemanha apresenta um bom equilíbrio. Embora tenha um modelo
federativo, não dá poder igual a
todos os Estados no Senado; há
certa proporcionalidade.
FOLHA - O senhor é próximo de
proponentes da chamada "democracia deliberativa", que enfatiza o
consenso por meio do debate público mais do que a disputa político-eleitoral entre grupos de interesse.
Qual a influência do alemão Jürgen
Habermas em sua obra?
ELSTER - O meu trabalho sobre
a democracia foi de certa maneira inspirado por Habermas.
Mas há uma diferença fundamental: Habermas está mais
preocupado com princípios
normativos da deliberação e eu
com os mecanismos de causa e
efeito na deliberação e como
características institucionais
podem melhorar a qualidade
da deliberação. Acho que as
idéias de Habermas até certo
ponto tolhem o debate de fato;
quer dizer, as pessoas têm que
falar e agir como se fossem "habermasianas".
FOLHA - Como se fossem neutras?
ELSTER - É, imparciais. Isso é o
que chamo no meu trabalho de
"a força civilizadora da hipocrisia". Então tento usar as idéias
de Habermas para explicar o
comportamento de pessoas de
verdade que são constrangidas
pelo meio público. Mesmo se as
pessoas estão motivadas apenas pelos seus interesses individuais, as regras e mecanismos
do debate público vão forçá-las
a justificar suas posições em
termos de interesse público. Isso limita o interesse particular,
em alguma medida.
FOLHA - O que o senhor acha da
idéia da democracia participativa,
muito popular na América Latina?
ELSTER - Oscar Wilde disse que
o problema do socialismo é que
a semana só tem sete noites. Do
mesmo modo, a democracia
participativa às vezes parece
exigir mais compromisso e
mais recursos do que é razoável
esperar das pessoas.
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