São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 2009

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Recontagem não contém protestos no Irã

Conselho dos Guardiães aceita rever resultado, mas oposição queria nova eleição; sete pessoas já morreram em confrontos

Apesar de regime reforçar cerco a oposicionistas, Teerã é palco de novos atos pró-Mousavi; cidade também vê manifestação pró-governo


Saman Aghvami/Isna/Associated Press
Partidários do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, durante manifestação ontem em Teerã; alguns exibiam imagens do líder supremo do país, Ali Khamenei

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

Após o maior protesto contra o governo em 30 anos de regime dos aiatolás, que deixou sete mortos anteontem, o Conselho dos Guardiães, instância máxima jurídica do Irã, negou ontem o pedido da oposição de se convocar novas eleições.
Depois das acusações de fraude na reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, o conselho decidiu que serão recontados os votos em algumas áreas do país.
"Recontar algumas urnas não muda quase nada o resultado", reagiu o líder opositor Mir Hossein Mousavi, segundo seu comitê. "Convocar novas eleições é a única maneira de fazer as pessoas ainda acreditarem neste sistema", afirmou.
Uma nova passeata da oposição, que aconteceria na praça Liderança às 17h, foi cancelada ontem, depois que partidários de Ahmadinejad marcaram uma contramanifestação no mesmo lugar, às 16h.
"Por favor, pela vida de todos, peço que não participem da marcha de hoje", disse mensagem colocada pela manhã no site de Mousavi.
No dia anterior, sete pessoas foram mortas ao final de uma manifestação pró-Mousavi que reuniu pelo menos 1 milhão de pessoas, nos cinco quilômetros que separam as praças da Revolução e da Liberdade.
Depois de ignorar os protestos por três dias, o telejornal da TV estatal fez uma reportagem sobre o "vandalismo" da oposição e as mortes, e chamou os manifestantes de "criminosos". Não houve transmissão das imagens do protesto.
Como mensagens de texto por celular e redes sociais da internet continuam bloqueadas, a oposição tem se valido de propaganda boca a boca para organizar novas marchas, como um funeral simbólico aos sete mortos de ontem.
Uma manifestação em frente à sede da TV estatal aconteceu ontem pela manhã e reuniu 20 mil pessoas. Parte dos manifestantes usavam máscaras, como aquelas para evitar a transmissão de gripes, para proteger sua identidade dos serviços de segurança iranianos.
Outra marcha tomou a avenida Valy-e Asr, principal via da cidade, em direção à praça de Vanak, no norte da capital.
Funcionários do hospital Rasool, para onde foram levadas as sete vítimas da violência durante a marcha, também fizeram protesto.
Partidários de Mahmoud Ahmadinejad também se mobilizaram. No centro de Teerã, ao menos 10 mil pessoas atenderam a convocação do poder islâmico e foram às ruas para repudiar acusações de fraude. Ahmadinejad, em visita à Rússia, não participou do ato.
A TV estatal iraniana, controlada pelo líder supremo, aiatolá Ali Khamanei, mostrou imagens da aglomeração, que qualificou de "concentração pela unidade".
A imprensa estrangeira foi proibida de fazer entrevistas, tirar fotos ou filmar qualquer manifestação ou ato na rua. O governo cancelou credenciais de imprensa e pediu para os jornalistas estrangeiros deixarem o país.

Reformistas presos
A violência se espalhou pelas grandes cidades do país. O reitor da Universidade de Shiraz renunciou ao cargo ontem, depois que a polícia invadiu o campus e agrediu estudantes que protestavam.
Vários vídeos de agressões foram colocados no YouTube, por estudantes que usam mecanismos para driblar o bloqueio da censura iraniana.
A onda de prisões de líderes oposicionistas continuou ontem pela manhã com a detenção do clérigo Mohammad Abtahi, que foi vice do presidente reformista Mohammad Khatami (1997-2005). Ele foi o primeiro clérigo e político a ter um blog, o mais lido entre os diários políticos do país na rede.
Em seu blog, Abtahi denunciou que 100 líderes oposicionistas tinham sido presos na noite de sábado, informação que ele confirmou à Folha no domingo, por telefone.
Segundo a polícia, 50 líderes da oposição foram presos "por estarem por trás dos distúrbios e das manifestações ilegais".
No bairro de Sina, ao norte de Teerã, uma milícia de basijis ("vigilantes da Revolução") destruiu os vidros de pelo menos cem carros estacionados.
O Irã é o quarto maior produtor mundial de petróleo e desenvolve um programa nuclear que causa temores na região -Israel e os EUA acusam Teerã de buscar uma bomba atômica, o que os iranianos negam . Em março, o presidente americano Barack Obama mandou mensagem ao país sugerindo diálogo, mas ela foi recebida com ceticismo.


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