São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 2009

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ANÁLISE

Crise testa poder férreo de Khamenei

NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES"

Por duas décadas, o aiatolá Ali Khamenei, 69, vem ocupando o topo da estrutura de poder iraniana sem aparecer muito. Por meio do controle que exerce sobre as Forças Armadas, o Poder Judiciário e a mídia do país, opera as alavancas de que necessita para manter domínio férreo sobre o Irã.
No entanto, em uma rara exceção em seu histórico de ações cautelosas, ele correu a abençoar o presidente Mahmoud Ahmadinejad por sua vitória eleitoral antes do prazo de três dias requerido para a certificação dos resultados das urnas. As multidões de manifestantes furiosos que começaram a ocupar as ruas parecem tê-lo convencido a recuar, mandando o Conselho dos Guardiães investigar o pleito.
"A reação normal seria que Khamenei mandasse todo mundo calar a boca, afirmando que a palavra dele é lei", disse Azar Nafisi, autora de dois livros sobre a vida no Irã. "Todo mundo aceitaria a palavra do líder. Mas o mito de que há um líder cujo poder não pode ser questionado se despedaçou." Ao ordenar a investigação sobre a eleição, Khamenei conseguiu tempo para esperar que a ira popular se acalme. O desfecho, porém, dificilmente será uma surpresa. O aiatolá Ahmed Jannati, presidente do Conselho dos Guardiães, é aliado inquestionável de Khamenei.
Além disso, o líder supremo indica pessoalmente metade dos membros do órgão, e a outra metade é indicada pelo chefe do Judiciário, que também deve seu cargo a Khamenei. "Trata-se de uma falsa investigação com o objetivo de calar os protestos", diz Karim Sadjadpour, especialista em assuntos iranianos na Fundação Carnegie para a Paz Internacional.

Azarão
Khamenei não era visto como o mais provável sucessor para o patriarca da revolução, o aiatolá Ruhollah Khomeini, e sua elevação ao posto de líder supremo, em 1989, pode ter plantado as sementes da crise política que o Irã vive hoje.
Na onda de violência que se seguiu à derrubada do xá Mohammed Reza Pahlevi, uma bomba escondida em um gravador paralisou permanentemente o seu braço direito. Khamenei se tornou presidente do Irã em 1981, depois que outra bomba matou seu antecessor. Como presidente, houve uma ocasião em que ele despertou a ira do aiatolá Khomeini, ao questionar certos aspectos do sistema de organização da nação sob um líder supremo.
Também passou por repetidos confrontos com Mir Hossein Mousavi, o poderoso primeiro-ministro do país naquela era. Agora, depois de ser derrotado de maneira acachapante por Ahmadinejad, de acordo com os resultados oficiais, Mousavi decidiu questionar Khamenei na área na qual este sempre foi mais vulnerável: suas credenciais religiosas. Mousavi escreveu uma carta aberta aos líderes religiosos da cidade sagrada de Qom sobre os resultados da eleição. Ao apelar aos altos líderes religiosos, ele na prática estava afirmando que a palavra de Khamenei não tinha peso suficiente.
Khamenei foi promovido do dia para a noite de um posto religioso médio, o de hojatolislam, para o de aiatolá, numa decisão tomada por motivos menos religiosos que políticos. Isso lhe valeu o desdém eterno de muitos dos adeptos mais rigorosos da tradição xiita. O líder supremo construiu sua base política nas Forças Armadas. A guerra entre o Irã e o Iraque havia acabado, e muitos dos principais líderes militares do país exigiam postos políticos como recompensa pelos seus sacrifícios. Khamenei se tornou o patrono de muitos desses oficiais, concedendo-lhes postos importantes no rádio e na TV, ou no comando das fundações que geriam boa parte do patrimônio confiscado ao setor privado durante a revolução.
Ao longo dos anos, Khamenei contrariou todas as expectativas de que seria eclipsado rapidamente. Mas muitos analistas afirmam que as diferenças entre as facções jamais foram tão pronunciadas quanto nos últimos dias. O ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, no passado um estreito aliado de Khamenei, enviou uma carta aberta ao líder dias antes da eleição advertindo que quaisquer fraudes fracassariam. Caso ele viesse a permitir que as Forças Armadas desconsiderassem a vontade do povo, a decisão voltaria para assombrá-lo, advertiu Rafasanjani: "O próximo pode ser você".
Todo mundo que se pronuncia sobre Khamenei tende a empregar a palavra "cauteloso", definindo-o como um homem que evita riscos. Mas agora ele terá de enfrentar uma escolha quase impossível. Se permitir que as manifestações cresçam, elas podem resultar em mudanças no sistema de governo do país. Se decidir recorrer à violência para derrotá-las, o mito de que a Revolução Islâmica está no poder pela vontade do povo será demolido.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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