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ANÁLISE
Crise testa poder férreo de Khamenei
NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES"
Por duas décadas, o aiatolá
Ali Khamenei, 69, vem ocupando o topo da estrutura de poder
iraniana sem aparecer muito.
Por meio do controle que exerce sobre as Forças Armadas, o
Poder Judiciário e a mídia do
país, opera as alavancas de que
necessita para manter domínio
férreo sobre o Irã.
No entanto, em uma rara exceção em seu histórico de ações
cautelosas, ele correu a abençoar o presidente Mahmoud
Ahmadinejad por sua vitória
eleitoral antes do prazo de três
dias requerido para a certificação dos resultados das urnas.
As multidões de manifestantes furiosos que começaram a
ocupar as ruas parecem tê-lo
convencido a recuar, mandando o Conselho dos Guardiães
investigar o pleito.
"A reação normal seria que
Khamenei mandasse todo
mundo calar a boca, afirmando
que a palavra dele é lei", disse
Azar Nafisi, autora de dois livros sobre a vida no Irã. "Todo
mundo aceitaria a palavra do líder. Mas o mito de que há um líder cujo poder não pode ser
questionado se despedaçou."
Ao ordenar a investigação sobre a eleição, Khamenei conseguiu tempo para esperar que a
ira popular se acalme. O desfecho, porém, dificilmente será
uma surpresa. O aiatolá Ahmed
Jannati, presidente do Conselho dos Guardiães, é aliado inquestionável de Khamenei.
Além disso, o líder supremo indica pessoalmente metade dos
membros do órgão, e a outra
metade é indicada pelo chefe
do Judiciário, que também deve seu cargo a Khamenei.
"Trata-se de uma falsa investigação com o objetivo de calar
os protestos", diz Karim Sadjadpour, especialista em assuntos iranianos na Fundação Carnegie para a Paz Internacional.
Azarão
Khamenei não era visto como o mais provável sucessor
para o patriarca da revolução, o
aiatolá Ruhollah Khomeini, e
sua elevação ao posto de líder
supremo, em 1989, pode ter
plantado as sementes da crise
política que o Irã vive hoje.
Na onda de violência que se
seguiu à derrubada do xá Mohammed Reza Pahlevi, uma
bomba escondida em um gravador paralisou permanentemente o seu braço direito. Khamenei se tornou presidente do
Irã em 1981, depois que outra
bomba matou seu antecessor.
Como presidente, houve uma
ocasião em que ele despertou a
ira do aiatolá Khomeini, ao
questionar certos aspectos do
sistema de organização da nação sob um líder supremo.
Também passou por repetidos confrontos com Mir Hossein Mousavi, o poderoso primeiro-ministro do país naquela era. Agora, depois de ser derrotado de maneira acachapante
por Ahmadinejad, de acordo
com os resultados oficiais,
Mousavi decidiu questionar
Khamenei na área na qual este
sempre foi mais vulnerável:
suas credenciais religiosas.
Mousavi escreveu uma carta
aberta aos líderes religiosos da
cidade sagrada de Qom sobre os
resultados da eleição. Ao apelar
aos altos líderes religiosos, ele
na prática estava afirmando
que a palavra de Khamenei não
tinha peso suficiente.
Khamenei foi promovido do
dia para a noite de um posto religioso médio, o de hojatolislam, para o de aiatolá, numa decisão tomada por motivos menos religiosos que políticos. Isso lhe valeu o desdém eterno de
muitos dos adeptos mais rigorosos da tradição xiita.
O líder supremo construiu
sua base política nas Forças Armadas. A guerra entre o Irã e o
Iraque havia acabado, e muitos
dos principais líderes militares
do país exigiam postos políticos
como recompensa pelos seus
sacrifícios. Khamenei se tornou o patrono de muitos desses
oficiais, concedendo-lhes postos importantes no rádio e na
TV, ou no comando das fundações que geriam boa parte do
patrimônio confiscado ao setor
privado durante a revolução.
Ao longo dos anos, Khamenei
contrariou todas as expectativas de que seria eclipsado rapidamente. Mas muitos analistas
afirmam que as diferenças entre as facções jamais foram tão
pronunciadas quanto nos últimos dias. O ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, no
passado um estreito aliado de
Khamenei, enviou uma carta
aberta ao líder dias antes da
eleição advertindo que quaisquer fraudes fracassariam. Caso ele viesse a permitir que as
Forças Armadas desconsiderassem a vontade do povo, a decisão voltaria para assombrá-lo, advertiu Rafasanjani: "O
próximo pode ser você".
Todo mundo que se pronuncia sobre Khamenei tende a
empregar a palavra "cauteloso", definindo-o como um homem que evita riscos. Mas agora ele terá de enfrentar uma escolha quase impossível. Se permitir que as manifestações
cresçam, elas podem resultar
em mudanças no sistema de governo do país. Se decidir recorrer à violência para derrotá-las,
o mito de que a Revolução Islâmica está no poder pela vontade do povo será demolido.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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