São Paulo, Quinta-feira, 17 de Junho de 1999
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AMEAÇA À PAZ
Acordo que pôs fim à guerra na Iugoslávia previa a desmilitarização do Exército de Libertação de Kosovo
Guerrilha ignora acordo e controla cidade

Reuters
Membros do Exército de Libertação de Kosovo passam por militares norte-americanos, na cidade de Gjilan, depois de ter sido desarmados


KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Kosovo


O maior pesadelo dos sérvios virou realidade: o ELK (Exército de Libertação de Kosovo), a guerrilha separatista albanesa, transformou-se ontem na polícia militar de Prizren, a principal cidade do sul da Província.
Debaixo do nariz da Otan, membros do ELK ocuparam a antiga estação policial sérvia, no centro. Oficialmente, a Otan é que tem poder de polícia até que uma nova força seja criada -os alemães controlam o setor sul de Kosovo.
Na prática, o ELK tomou a cidade. Em questão de minutos, passaram de guerrilheiros a soldados.
Às 11h, um oficial do ELK distribuía braçadeiras com a inscrição PU (iniciais de polícia militar, em albanês) a um grupo de soldados.
"Sejam gentis com a população, mas vejam o que está errado e façam o trabalho de polícia", ordenou o oficial. Cerca de 600 deles cuidarão de Prizren e de mais quatro cidades. Em Suva Reka, por exemplo, só havia o ELK no centro. Nada da Otan.
"Pelo acordo de paz, os soldados do ELK deveriam usar um laço laranja no braço e andar desarmados a partir de hoje. Mas você pode ver que não é isso que está acontecendo", diz um soldado alemão que, com seu veículo blindado, dá segurança a um comboio de sérvios a caminho de deixar a cidade.

Militantes desarmados
Fuzileiros navais dos EUA desarmaram ontem cerca de 200 integrantes do ELK na cidade de Zegra, no sul da Província. Os líderes daquela unidade da guerrilha foram detidos após terem se negado a entregar suas armas.
Um porta-voz do ELK disse ontem em Londres que seus homens não entregarão as armas enquanto a Rússia não colocar suas tropas sob comando das forças da Otan.
O grupo vai "reagir militarmente" se Moscou tentar forçar uma divisão da Província sérvia, declarou Pleurat Sejdiu. "Eles podem enfrentar um novo Afeganistão", disse o representante, fazendo referência à guerra em que os soviéticos foram derrotados.
Moscou disse que essas ameaças são uma "declaração de guerra". O embaixador russo junto à ONU levantou discussão sobre o assunto no Conselho de Segurança, denunciando a Otan por permitir a ação do ELK como força policial.
O comandante das forças da Otan em Kosovo, o general britânico Michael Jackson, afirmou ontem que espera que o ELK assine um acordo para sua desmilitarização "dentro de dois ou três dias".
Enquanto a maioria dos militantes separatistas continuam livres e armados, os moradores sérvios de Kosovo, temendo vingança, seguem abandonando suas casas.
Às 15h de ontem, em Prizren, cerca de cem sérvios preparavam-se para sair da cidade. Estavam em 17 carros e esperavam um ônibus que levaria um grupo de idosos.
"É a minha última chance para deixar Prizren. Não me sinto seguro com o ELK policiando as ruas e sem a minha arma", diz Zdravko Durdevic, 46, que esperava na fila do comboio que deixaria a cidade sob escolta das tropas alemãs.
Reservista do Exército Iugoslavo, Durdevic teve o seu fuzil Kalashnikov tomado pelo ELK na noite anterior. Não sabe para onde vai com a mulher e duas filhas, uma delas ainda sendo amamentada.
Enquanto sérvios partiam, refugiados kosovares que estavam na cidade albanesa de Kukes chegavam a Prizren. Seus carros tinham placa de Tirana, a capital albanesa.
Alguns, como Safet Kovaci, 32, que vendia pacotes de cigarros fabricados nos EUA, tentavam lucrar com o fim da guerra.
Ele contou que chegara da Albânia naquele dia. Veio com amigos albaneses, que também negociavam mercadorias ilegalmente.


A viagem do jornalista Kennedy Alencar é parcialmente custeada pela editora DBA


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