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ARTIGO
Saem os EUA, entra a América do Sul
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO
A cúpula da Unasul (União de
Nações Sul-Americanas), realizada na segunda-feira em Santiago, marca talvez o primeiro
momento em que os Estados
Unidos não exercem o protagonismo em uma crise na região
desde a independência dos países sul-americanos, que está
para completar 200 anos.
Daria, portanto, para chamá-la de histórica, mas é prudente
aguardar para ver se a efeméride é acompanhada de eficiência, sem o que se torna apenas
um registro banal.
É prudente também esperar
para ver se a marginalização de
Washington faz parte de um fenômeno mais amplo, de redistribuição do poder em escala
global, ou é apenas conseqüência de estar na Casa Branca um
"pato manco", como os americanos chamam presidentes em
fim de mandato e sem poder,
que além disso é desastrado,
para dizer o mínimo.
Goste-se ou não, a América
do Sul (e a América Latina,
mais amplamente) ainda é o
pátio traseiro dos EUA. Assim
como a Rússia, muito menos
poderosa hoje, embora também historicamente imperial,
não permitiu movimentos em
territórios que considera seus
(caso Geórgia/Ossétia do Sul/
Abkházia), não é razoável supor que os EUA deixarão que
seus interesses sejam contrariados na sub-região.
Ainda mais que a liderança
alternativa, a do Brasil, é historicamente relutante em aceitar
tal papel. Basta ver que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
antes de embarcar para a cúpula de Santiago e mesmo durante a sua realização, fez questão
de enfatizar que cabia a Evo
Morales, o presidente boliviano, decidir se aceitava o diálogo
com a oposição e, por extensão,
a intermediação da Unasul.
Em nenhum momento, Lula
fez qualquer tipo de sermão sobre o comportamento que deveria ser adotado, seja pela própria Bolívia, seja pela Unasul.
Os EUA (e também a Europa, é
bom deixar claro) raramente
deixam de dar as receitas que
consideram não só as melhores
mas as únicas.
Chávez e Lula
Ainda assim, o Brasil é cristalinamente o líder regional. É
puro espetáculo especular, como o faz parte importante da
mídia sul-americana, com uma
disputa de liderança Brasil/Venezuela ou Lula/Hugo Chávez.
Pelo território, pela população e pelo tamanho da economia, o Brasil, qualquer que seja
o presidente, é o líder natural,
indisputado. Com Lula, é mais
ainda porque o presidente tornou-se, além de estrela pela sua
história de vida, a palavra da
moderação e do sentido comum nos foros regionais e também nos internacionais.
Chávez só lhe disputa a liderança no que restou de esquerda -e não é muito, seja nas urnas, seja nos palácios de governo. Embora, pelo passado, todos os presidentes da Unasul
sejam de esquerda, exceto Álvaro Uribe, só 3 dos 12 merecem hoje o rótulo pela ação político-administrativa (Chávez,
Evo Morales e o equatoriano
Rafael Correa).
Mesmo Alan García, hoje
sempre listado à direita, é do
Apra, sigla histórica que quer
dizer Aliança Popular Revolucionária Americana. Seu fundador, Victor Raúl Haya de la Torre, escreveu nos anos 30 um
clássico chamado "O Apra e o
antiimperialismo" -muito antes, portanto, de Hugo Chávez
adotar o mote.
A liderança de Lula, no entanto, não se exerce pelo confronto, como ficou evidente,
pela enésima vez, na cúpula de
segunda-feira. Chávez discursou, de novo, contra a suposta
ou real "mão oculta" de Bush na
crise boliviana, evocou Salvador Allende, deposto faz 35
anos, com ativa participação
norte-americana, e ainda voltou a acusar generais bolivianos de golpistas.
Brasil responsável
Lula tomou a palavra, fingiu
que não ouvira nada e definiu o
eixo da intervenção da Unasul
na crise boliviana: se Morales
aceitar o diálogo, vamos a ele.
Do contrário, não há nada que a
Unasul possa fazer. É verdade
que a proposta original do que
está sendo chamado de "mesa
de diálogo" é do governo chileno. Mas, a julgar pelo que a Folha ouviu dos próprios chilenos, foi a intervenção de Lula
que a tornou a pedra de toque
da cúpula.
O que, de resto, aumenta a
responsabilidade do governo
brasileiro na gestão da crise.
Um fracasso agora tornaria a
cúpula de Santiago não a primeira intervenção sul-americana independente dos EUA,
mas o seu primeiro fracasso.
NA FOLHA ONLINE
www.folha.com.br/082601
leia a íntegra do comunicado
da Unasul
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