São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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GUERRA À VISTA

Iraque afirma que 100% dos eleitores iraquianos votaram no referendo sobre a manutenção do ditador

Bagdá anuncia 100% dos votos a Saddam

Karim Sahib/Associated Press
Mulher exibe cartaz do ditador Saddam Hussein rezando durante comemoração ontem em Bagdá


ELLEN KNICKMEYER
DA ASSOCIATED PRESS, EM BAGDÁ

Por uma margem de 11 milhões a 0, o Iraque declarou Saddam Hussein vencedor, ontem, do referendo sobre suas duas décadas de governo militar e a renovação de seu mandato por mais sete anos. O anúncio foi comemorado com disparos de armas de fogo nas ruas de Bagdá.
Izzat Ibrahim, o segundo em comando no Iraque, disse que o comparecimento de 100% dos eleitores às urnas e a vitória do sim por 100% dos votos mostram que a população inteira está pronta para defender Saddam contra as forças americanas. ""Todos os iraquianos estão armados agora, e, se Deus quiser, triunfaremos."
"Todos os iraquianos estão prontos para defender seu país e seu líder", disse Khaled Yusef, pulando em meio a um grupo de homens que dançava numa esquina.
A comemoração se deu no dia em que o presidente americano, George W. Bush, assinou uma resolução do Congresso autorizando o recurso à força militar, se for preciso, para desarmar o Iraque.

Bala perdida
Ontem foi feriado no Iraque, decretado pelo governo com bastante antecedência. Mas muitas famílias preferiram ficar fora das ruas nas primeiras horas, algumas com receio de balas perdidas, mesmo que disparadas na festa.
Os grupos oposicionistas e outros situados fora do Iraque -ou dentro do país, mas fora do alcance de Saddam- trataram a votação com desprezo.
"É uma piada", disse uma estação de rádio na região curda do norte do Iraque, protegida pelo Ocidente. "Totalmente fraudada e um fiasco completo", opinou Hamid Al Bayati, representante do Conselho Supremo da Revolução Islâmica no Iraque, grupo sediado no Irã. "Milhões de iraquianos odeiam Saddam Hussein", disse Al Bayati, em Londres. Ele citou os levantes ocorridos após a Guerra do Golfo (1991), quando rebeldes da maioria xiita iraquiana se revoltaram em partes do sul do país.
O Iraque não possui tradição de democracia, tendo passado de monarquia sob a égide britânica para um governo militar instalado por golpe de Estado em 1958. Depois de ascender ao poder dentro do partido governista Baath, Saddam foi nomeado presidente do Iraque numa bem orquestrada transferência do poder no interior do partido, em 1979.

Votação "coletiva"
Na votação de anteontem, o Baath cuidou de tudo. Muitos de seus membros enfiavam cédulas nas urnas aos punhados, "votando" em nome de famílias inteiras de uma vez. As autoridades não ofereceram nenhuma explicação de como puderam contar as cédulas de papel vindas de cidades e aldeias de todo o país, que teriam de ter atravessado o deserto em menos de 24 horas.
Ao anunciar os resultados da votação, Ibrahim disse que todos os 11.445.638 eleitores registrados votaram e que todos votaram por Saddam.
A mídia iraquiana comparou o resultado com a vitória eleitoral de Bush em 2000, conseguida com uma margem de apenas um voto no Colégio Eleitoral, apesar de Bush ter perdido para Al Gore no voto popular. ""A verdade é que ele (Bush) ganhou por uma fração apenas dos votos, e essa fração foi criada com manipulações astutas de advogados", disse um jornal estatal. "Talvez seja essa uma das principais razões de suas ameaças histéricas contra a escolha iraquiana."

Tradução de Clara Allain


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