São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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Filho de Galbraith vê desastre econômico com Bush

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Em termos econômicos, o problema do governo de George W. Bush é não estar interessado em buscar dois objetivos cruciais: gerar empregos e criar um ambiente propício à existência de um crescimento sustentável. "Provavelmente, [John] Kerry venha a ser compelido a constatar, após alguns meses de governo, que a situação econômica dos EUA é bem pior do que ele pensa hoje."
As afirmações são do reputado economista James K. Galbraith, que foi diretor-executivo da Comissão Econômica Conjunta do Congresso americano entre 1981 e 1982, além de, anteriormente, ter trabalhado vários anos na Comissão Bancária da Casa.
Galbraith é professor na Escola Lyndon Johnson de Administração Pública da Universidade do Texas, em Austin, e diretor do Instituto de Economia Jerome Levy, ao norte de Nova York.
Galbraith, filho do renomado economista keynesianista John Kenneth Galbraith, é presidente nacional da associação Economistas Aliados pela Redução de Armas, uma entidade internacional que defende a paz e a segurança globais, e autor de vários livros. Entre eles se destaca "The Nature and Logic of Capitalism" (a natureza e a lógica do capitalismo).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
 

Folha - Bush quer tornar permanentes seus cortes de impostos e manter o curso no que tange à economia. Como o sr. analisa o impacto verdadeiro dessas intenções?
James K. Galbraith -
Obviamente, o impacto econômico dessas medidas não é bom, pois não se trata de uma política concebida para restaurar o pleno emprego ou para fortalecer o crescimento econômico. Os cortes de impostos constituem uma política redistributiva, cujo principal objetivo é reduzir a tributação que incide sobre os mais ricos e sobre os detentores de bens de capital.
Como não terá grande efeito sobre os gastos do governo nem sobre os investimentos, essa política será desastrosa para a economia. Na verdade, isso já ocorreu com os cortes de impostos feitos durante o primeiro mandato de Bush, visto que eles levaram o país a uma considerável estagnação.

Folha - Isso faria que o déficit fiscal se tornasse ainda mais elevado?
Galbraith -
O déficit público piorará bastante por duas razões: a redução de impostos e a pífia performance econômica do país. Esta é ainda mais grave que os cortes de impostos. Se fosse possível conceber um programa de cortes de impostos que, além de reduzir a carga tributária, servisse de apoio ao crescimento econômico, o peso orçamentário da redução de impostos não seria tão grave.

Folha - Contudo o atual governo sustenta ser essa sua intenção ao aplicar os cortes de impostos.
Galbraith -
As pessoas imaginam que seja essa a intenção oficial, e o governo afirma ser essa sua vontade. Porém isso não corresponde à realidade. Tal qual foi introduzida, a redução de impostos busca apenas diminuir o peso tributário carregado pelos mais abastados.
Se querem conceber um programa que sustente o crescimento econômico, eles [as autoridades político-econômicas] terão de criar um novo projeto. Trata-se da questão mais importante atualmente no que tange à administração da economia dos EUA.

Folha - Analistas dizem que o atual ciclo econômico não permitirá que o próximo presidente faça muito para fortalecer o crescimento econômico ou os níveis de emprego. Qual é sua opinião?
Galbraith -
Trata-se de um ponto de vista perigoso e ilusório. O ciclo econômico não é um fator autônomo e responde às escolhas político-econômicas feitas pelo presidente e pelas autoridades econômicas. Após um espaço de tempo relativamente curto, uma política aplicada pela administração federal acaba sendo responsável pela evolução econômica.
A situação econômica de um país é uma responsabilidade da administração federal, já que só ela pode tentar resolver os problemas enfrentados pelo país por meio de suas escolhas político-econômicas, buscando criar empregos e melhorar o desempenho econômico do país. O problema do governo Bush é que ele não está interessado em buscar esses dois objetivos cruciais.

Folha - Kerry tem a criação de empregos e o crescimento econômico como bases de suas propostas?
Galbraith -
Creio que sim. Há alguns elementos no programa de Kerry que parecem mostrar que ele quer priorizar a criação de empregos e o crescimento. Por exemplo, seu esforço para pôr parte do peso tributário de volta sobre os ombros dos mais ricos, tirando-a de empresas que fornecem serviços de saúde a seus empregados, parece ser bom para a criação de empregos e para a competitividade produtiva.
Além disso, algumas de suas medidas que visam taxar as empresas que fogem do país por meio de subsidiárias "offshore" também me parecem construtivas e positivas a médio prazo. Provavelmente, Kerry venha a ser compelido a constatar, após alguns meses de governo, que a situação econômica dos EUA é bem pior do que ele pensa hoje. Se isso ocorrer, ele perceberá que medidas mais drásticas serão necessárias para restaurar o crescimento.

Folha - Kerry preconiza mais gastos com saúde, educação e Previdência. Isso não agravaria o déficit fiscal, embora ele tenha prometido reduzi-lo pela metade até 2010?
Galbraith -
Segundo o programa democrata, o aumento de gastos nessas áreas será compensado pelo aumento dos impostos que pesam sobre os mais ricos. Estes voltarão aos níveis de 1993. Por outro lado, não estou tão preocupado com o chamado "peso sobre o Orçamento" de certas medidas porque, se funciona para restaurar a força da economia, um conjunto de medidas acarreta um peso orçamentário menos grave do que quando não há a aplicação de medidas para revigorar a economia.
Os objetivos das políticas governamentais são, acima de tudo, restaurar um crescimento econômico estável e sustentável e buscar altos níveis de emprego. Afinal, como vimos de 1997 a 2000, se isso ocorrer, haverá uma maciça melhora da situação fiscal do governo, o que reduzirá o déficit. Para tanto, creio que sejam necessárias medidas similares às que Kerry propõe atualmente.
Seria um grave erro fazer correções fiscais extremas para tentar equilibrar o Orçamento, sobretudo quando a economia se apresenta um tanto fraca.


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