São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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Favorito, Tabaré Vázquez vê "renovação da esquerda"

DE BUENOS AIRES

Se confirmadas as pesquisas de intenção de voto, o médico oncologista e ex-prefeito de Montevidéu (1990-94) Tabaré Vázquez Rosas, 64, será o primeiro presidente de esquerda do Uruguai.
O candidato, que tem sido comparado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por suas propostas de governo e principalmente por suas idéias para a área econômica, consideradas moderadas, disse que segue "atentamente" as políticas públicas do brasileiro.
O candidato, apontado pelas pesquisas como vitorioso já no primeiro turno, no dia 31, disse que o Mercosul é o coração" de seu plano de governo. Para ele, a eleição de presidentes de esquerda na América Latina é conseqüência não só do "fracasso do modelo neoliberal", mas da percepção da sociedade e da capacidade de renovação da esquerda e forças progressistas. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha. (CD)
 

Folha - O sr. pode ser o primeiro presidente de esquerda da história do Uruguai. Como encara isso?
Tabaré Vázquez -
A prioridade do nosso governo será exatamente a enorme dívida social que o país tem com 1 milhão de uruguaios, ou seja, 33% da população, que vivem em condições de pobreza e indigência, com os 57% de crianças e jovens menores de 18 anos que são pobres ou indigentes e com 1 milhão de uruguaios com problemas de emprego. Tudo isso é inédito na história do Uruguai e teremos de reverter esses índices se quisermos ter um futuro como nação.

Folha - E como pretende executar essa reversão?
Vázquez -
Incluímos em nosso programa "Uruguai Social" um plano de emergência social para atender aos setores mais vulneráveis, que são crianças, adolescentes e mulheres que estão na indigência. A idéia é assegurar-lhes alimentação e atenção sanitária e odontológica em troca de que crianças e jovens freqüentem a escola e os postos de saúde.
Para receber o salário social, terão de oferecer a contrapartida do trabalho comunitário. Sabemos que as soluções estruturais para avançar na integração social são o trabalho e a educação. Um segundo aspecto será a integração, porque o crescimento econômico por si só não é suficiente. É preciso redistribuir. Se um governo progressista não trabalha duramente nesse sentido, pode ser governo, mas não é progressista.

Folha - Há uma espécie de consenso de que uma das maiores dificuldades do Uruguai é o forte estatismo que resiste a reformas. Seu governo vai manter o poder do Estado?
Vázquez -
O problema do Uruguai nesse caso não é o que você chama de forte estatismo, mas o uso clientelístico e até parasitário do Estado que, durante décadas, fizeram os sucessivos governos que hoje se queixam do peso do Estado e proclamam que a melhor maneira de reformá-los é desmantelá-lo.
Nós expusemos claramente nossa vontade e nosso compromisso de promover uma reforma do Estado no sentido de fazê-lo mais democrático, menos pesado, mas transparente e mais eficiente, ou seja, mais funcional a um projeto nacional de desenvolvimento produtivo sustentável.
Isso, além do fator econômico, da transparência e da honestidade, dará vigor aos investimentos e tem um valor simbólico diante da sociedade e dos próprios funcionários públicos. Vamos profissionalizar e qualificar a direção das empresas estatais, mas temos que ter definições claras em matéria de energia, de política de telecomunicações e associações estratégicas entre empresas públicas e privadas.

Folha - O que o sr. conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando esteve com eles recentemente?
Vázquez -
Com Lula, com quem mantemos uma antiga e forte amizade, além dos temas das relações bilaterais entre nosso países, sobre o Mercosul e as políticas que estão instrumentalizando o governo e que seguimos atentamente. Falamos da experiência de transição, que no caso do Brasil nos pareceu muito exitosa. Com Fernando Henrique falamos também sobre transição e organizamos um seminário em Montevidéu.

Folha - O atual governo, de Jorge Batlle, reclamou do apoio do governo brasileiro à sua candidatura. O assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia esteve em Montevidéu com o sr. recentemente. Ele está participando da sua campanha?
Vázquez -
Marco Aurélio Garcia participou em um desses seminários que montamos, um que se referia a integração regional e inserção internacional e foi convidado pela Fundação Ebert da Alemanha.

Folha - Na sua opinião, por que os eleitores da América Latina estão votando em candidatos da esquerda?
Vázquez -
Acho que há duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque as políticas neoliberais fracassaram em toda a região e tiverem um forte impacto crítico em nossas sociedades, e isso foi percebido pela cidadania em nossos países, que também individualizou os responsáveis políticos desses fracassos.
Em segundo lugar porque a esquerda, as forças progressistas da América Latina, tiveram autoridade e capacidade política e inteligência para se projetar como uma alternativa frente a esses fracassos.
Não foi apenas o fracasso das forças tradicionais do poder, mas também os acertos das forças progressistas e de esquerda que se renovaram, que estudaram a fundo as situações nacionais e regionais e desenvolveram e propuseram estratégias políticas adequadas.

Folha - O presidente Jorge Batlle tem posições claramente contrárias ao Mercosul. O que a sua vitória poderia significar para o bloco?
Vázquez -
Completam-se na região, nos quatro países, as condições para um avanço importante do Mercosul em todas as frentes. No plano político, econômico, comercial, institucional, cultural e humano.
Um avanço com projeção para a América Latina e para o mundo, pois ninguém tem uma vocação de isolamento, mas de participação nos processos econômicos e comerciais mundiais. Nossas definições sobre esse tema são parte do coração de nosso projeto de desenvolvimento nacional. O governo progressista vai trabalhar incansavelmente para fortalecer as relações do Uruguai com seus vizinhos.
Conseqüentemente, se ganharmos, nossa primeira missão oficial no exterior será visitar os vizinhos do Mercosul, para abordar a ampla agenda de temas em comum.
Iremos ao Brasil e à Argentina e também ao hospitaleiro e heróico Paraguai, com quem temos uma dívida histórica. Vamos expressar que aqui há um Uruguai que quer mais diálogo, mais cooperação, mais cultura, mas relação entre as sociedades civis, mas investimentos e mais comércio com os vizinhos.
Um Uruguai fortemente comprometido com o processo de integração em um mundo complexo caracterizado pela presença hegemônica de uma grande potência [EUA] e a existência de blocos políticos e econômicos em permanente integração.


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