São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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IRAQUE NA MIRA

Segundo especialista que foi assessor de Clinton para o golfo Pérsico, ditador tem "histórico de decisões bizarras"

"Só a força pode deter Saddam", diz analista

RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Todas as tentativas e as sanções impostas para deter os planos expansionistas ou de desenvolvimento de armas de destruição em massa de Saddam Hussein falharam. O único modo de realmente detê-lo é a ação militar.
É isso que Kenneth Pollack defende em seu livro "The Threatening Storm: The Case for Invading Iraq" (a tempestade ameaçadora: os argumentos para invadir o Iraque), publicado no mês passado nos EUA pela editora Random House.
Atualmente pesquisador do Instituto Brookings, em Washington, Pollack foi diretor de assuntos do golfo Pérsico no Conselho de Segurança Nacional durante o governo de Bill Clinton (1993-2001), analista militar da CIA e diretor de estudos de segurança nacional do instituto de pesquisas Council on Foreign Relations.
Seu livro foi recebido com estardalhaço pelos "falcões" da política americana, servindo como argumento em várias das discussões sobre que atitudes os EUA deveriam tomar em relação ao Iraque.
Segundo o perfil que Pollack traça de Saddam, o ditador iraquiano precisa ser coagido a se desarmar porque não é dado a agir da maneira racional esperada pelo mundo.
"Seu histórico mostra decisões bizarras, julgamento pobre e erros de cálculo catastróficos", diz Pollack. Leia, a seguir, a entrevista dada à Folha por telefone.

Folha - A ida dos inspetores de armas da ONU ao Iraque vai solucionar a crise e satisfazer os EUA?
Kenneth Pollack -
Não creio. As experiências anteriores demonstram que os iraquianos aprenderam muito bem a esconder as suas armas de destruição em massa. Os inspetores estarão perdidos lá, sem saber onde procurar. Uma inspeção bem-sucedida teria de dispor de pelo menos quatro ou cinco anos de trabalho.
O único modo de desarmar o Iraque é convencer Saddam, à força, de que ele tem de fazer isso.

Folha - Isso não poderia ser feito com a imposição de sanções?
Pollack -
Vimos nos últimos tempos que a implementação dessas sanções não enfraqueceu o regime, e sim acabou levando Saddam a controlar ainda mais os recursos do país.
Ele controla hoje rotas muito lucrativas de contrabando de petróleo que passam pela Síria e pela Turquia, por exemplo.
Nos anos 90, ele conseguia contrabandear não mais do que US$ 300 milhões de petróleo por ano. Hoje, ele lucra cerca de US$ 3 bilhões com a venda ilegal de petróleo, dinheiro usado para subornar seus associados na Síria e na Turquia e, principalmente, para deixar os seus efetivos militares felizes e bem-comportados.

Folha - Em seu livro, o sr. descreve um Saddam com o qual não se consegue negociar. Por quê?
Pollack -
O problema com Saddam Hussein não é que ele seja suicida ou irracional. O problema é que a história o mostra como um contumaz tomador de decisões erradas. São muitas decisões bizarras, julgamentos pobres e erros catastróficos de cálculo.
Saddam é altamente agressivo, não dá nenhum valor à vida humana e crê que, para alcançar seus objetivos, tem de correr riscos -o que ele está sempre disposto a fazer.
Além disso, ele tem a tendência de distorcer a realidade, o que provoca em si a percepção de que pode sempre vencer.
Se Saddam conseguir desenvolver armas nucleares, não tenho dúvidas de que ele ameaçaria usá-las nos campos de petróleo do Oriente Médio.
Ele teria poder para desestabilizar toda a economia mundial.

Folha - Por que muitos países, como França e Alemanha, não estão tão assustados então?
Pollack -
Os europeus têm as mesmas informações que nós temos. Creio apenas que eles não apresentaram corretamente o caso às suas populações.
Os EUA fizeram um trabalho bem melhor em apresentar à população americana o perigo que o Iraque representa hoje.

Folha - Mas a população americana ainda vai apoiar os ataques quando começarem as baixas?
Pollack -
Os EUA devem liderar uma coalizão de países. A ação deve ser rápida, com grande suporte aéreo, mas necessariamente com o uso de tropas terrestres. Não há como derrubar o regime sem o uso de tropas.
Creio que, devido à fragilidade das Forças Armadas do Iraque, o grande uso de tropas fosse mais necessário para evitar o caos pós-guerra do que para vencer as batalhas mesmo.

Folha - O que seria um Iraque pós-Saddam? Não haveria a situação "ruim com ele, pior sem ele"?
Pollack -
O problema do Iraque hoje é a liderança de Saddam e sua obsessão em adquirir um arsenal nuclear. Esse é o ponto que não é possível discutir.
Depois do fim do regime, creio que tenhamos de estar comprometidos com a construção de um Estado democrático, o que vai além do que está sendo feito atualmente no Afeganistão.
Mas não podemos impor o nosso tipo de democracia ocidental. Temos de ajudá-los a construir a sua própria democracia, levando em conta as peculiaridades de seu próprio Estado.
Outra tarefa importante seria construir mecanismos de proteção para curdos e xiitas, que são oprimidos pelos sunitas.


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