São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Protesto racial atrai milhares nos EUA

Em Washington, multidão cerca Departamento de Justiça e pede mais rigor contra crimes de ódio

Caso ocorrido em cidade sulista foi o estopim; as investigações prosseguem, afirmou novo secretário da Justiça americano ontem

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Movidos por uma série de incidentes causados por racismo, milhares de manifestantes cercaram pacificamente ontem a sede do Departamento de Justiça norte-americano para pedir mais rigor na aplicação de leis contra crimes de ódio. Liderada por ativistas negros, a passeata encheu cinco quarteirões na tarde fria de Washington até desembocar na sede do ministério.
Uma vez lá, as pessoas deram sete voltas em torno do prédio, numa referência ao episódio bíblico da derrubada das muralhas de Jericó. À frente da fila iam líderes e ativistas negros como os reverendos Al Sharpton, Jesse Jackson e Martin Luther King Terceiro. Todos gritavam palavras de ordem como "O que queremos? Justiça! Quando queremos? Agora!" e "Sem Justiça, sem paz!".
O motor do movimento é o incidente que ficou conhecido como "Os Seis de Jena", referência aos adolescentes da cidade do Estado sulista de Louisiana acusados de bater num colega branco, no final de 2006. Eles teriam sido tratados com excesso de rigor pela polícia local, que fez vista grossa aos incidentes raciais que levaram ao confronto -como a colocação de cordas imitando forcas em árvores por jovens brancos.
Ao incidente seguiu-se uma série de provocações em outras cidades dos EUA por grupos de supremacistas brancos. O ato mais comum é a colocação daquele símbolo racista na porta da casa de ativistas, de entidades de direitos negros ou de escolas de maioria negra. Em setembro, cerca de 20 mil pessoas protestaram na cidadezinha de 3.000 habitantes. O protesto de ontem foi o passo seguinte.
Empossado anteontem por George W. Bush, o novo titular do Departamento de Justiça a princípio se recusou a falar com a liderança dos manifestantes. Com o passar das horas e a recusa das pessoas a irem embora, Michael Mukasey soltou enfim uma declaração oficial. Nela, mostra simpatia ao movimento e diz que, em conjunto com o FBI e as polícias estaduais e municipais, o órgão vem conduzindo investigações que, "para ser eficazes, ocorrem longe dos olhos do público".
Pelas contas do representante (deputado federal) Artur Davis, democrata pelo Estado do Alabama presente na passeata de ontem, caiu o número de pessoas indiciadas por crimes de ódio. Foram 22 casos no ano passado, ante 76 há dez anos, segundo o político. "Os números já não eram grande coisa nos anos de Reno", disse, referindo-se à secretária de Justiça Janet Reno (1993-2001), do governo Clinton. "Mas agora são simplesmente ridículos."
Anteontem, antecipando-se ao protesto, o Departamento de Justiça divulgou que sua Divisão de Direitos Civis vinha batendo recordes em condenações na área, com 189 casos no ano fiscal de 2007, que terminou em outubro, ultrapassando o ano anterior, de 181 condenações, o que já era recorde.
"Há "Jenas" em todos os lugares", disse Al Sharpton. "Ninguém conseguiria fazer as pessoas saírem nesse frio se elas não vissem "Jenas" em outros lugares, se não se sentissem familiarizadas com isso."
"Não é como em 1963, quando houve a marcha histórica, mas há um movimento no ar", disse Martin Luther King 3º, filho do mais conhecido ativista negro norte-americano, assassinado em 1968, cinco anos depois de liderar a Marcha de Washington, que reuniu 250 mil pessoas na capital dos EUA.
O movimento pode ser resumido em números. Segundo o Pew Research Center, apenas um em cada cinco negros diz que sua situação é melhor do que há cinco anos, a menor porcentagem desde 1983. Já o Projeto Mobilidade Econômica calcula que 69% dos brancos nascidos no início da década de 60 ganham mais do que os pais, ante 46% entre os negros.


Texto Anterior: Entrevista: Desigualdade é crucial, diz pesquisadora
Próximo Texto: Rumo a 2008: Hillary passa à ofensiva em debate de pré-candidatos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.