São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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Argentina pós-crise tem balanço dúbio

Cinco anos depois da renúncia do presidente Fernando de la Rúa, confiança nos partidos políticos é a segunda mais baixa na região

No entanto, com Néstor Kirchner, país registra bom desempenho do PIB e o mais alto nível de confiança no chefe do Executivo na AL


BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Cinco anos após o conturbado dezembro de 2001, quando o presidente Fernando de la Rúa renunciou, no dia 20, e fez o mundo voltar os olhos para a Argentina, o país segue formalmente em crise tanto do ponto de vista político, segundo a análise dos especialistas, quanto do ponto de vista econômico.
O próprio governo de Néstor Kirchner, na semana que passou, apesar do bom desempenho do PIB (Produto Interno Bruto), aprovou no Congresso a prorrogação -pela quinta vez- do "estado de emergência econômica".
Na prática, a Argentina vai muito bem, obrigado. Tem um sistema político imediatista, que funciona mais com acertos circunstanciais do que via partidos políticos, mas que dá hoje a um presidente eleito com apenas 22% dos votos apoio de cerca de 80% da população, segundo pesquisas locais.
Detalhamento de dados do Latinobarômetro 2006 obtido com exclusividade pela Folha revela que a Argentina tem o maior índice de confiança da população em seu presidente de toda a América Latina (66%). Apesar disso, está em penúltimo lugar no ranking de confiança nos partidos políticos (13%), só ganhando do Equador (8%).
Na Venezuela, que aparece empatada com a Argentina em primeiro lugar no quesito confiança no presidente, 40% dizem confiar nos partidos. Os números do Equador também seguem a lógica: está registrado lá o menor índice de confiança no presidente.
Na economia, os números argentinos também contrariam a tese de que existe crise. Prorrogar a Lei de Emergência Econômica até 31 de dezembro de 2007 é, segundo economistas, uma medida eleitoreira e desnecessária. Com ela, Kirchner mantém o poder de renegociar os contratos dos serviços públicos e pode manter pesificadas as tarifas até depois das eleições presidenciais de outubro do ano que vem.
Analistas concordam que a "bomba" econômica detonada há cinco anos foi só a última gota de um processo de desestruturação bem mais complexo.
"Os fatores políticos foram muito mais importantes que os econômicos. Os econômicos, porém, precipitaram a crise", explica o sociólogo Ricardo Sidicaro, professor da UBA (Universidade de Buenos Aires). "O país se recuperou no campo econômico, mas a crise política é permanente."

Nova crise
A pergunta de ouro que os especialistas não sabem responder é se uma nova crise generalizada como a que ocorreu no governo do radical Fernando de la Rúa pode voltar a acontecer, se mais uma vez a economia derrapar.
O modelo econômico heterodoxo de Kirchner para conter a inflação, com controle artificial dos preços, é apontado pela maioria dos economistas como uma receita com validade curta e, por alguns, como uma bomba relógio capaz de precipitar outra vez uma enorme crise.
Para o economista Eduardo Conesa, professor da UBA, a falta de investimentos em energia levará a Argentina a uma crise econômica em 2008. "Será uma crise de petróleo e gás, que virá após um período de excessiva intervenção na economia, o que prejudica as decisões de investimento. Os controles foram necessários, mas só até 2004."
Não há, porém, quem arrisque prever nada tão intenso como o que ocorreu em 2001 e 2002. É consenso que o duro impacto do fim da convertibilidade (a paridade entre o peso e o dólar), que, com o "corralito" e o "corralón", atingiu em cheio a classe média, não será repetido com facilidade.
Segundo Marta Lagos, do Latinobarómetro, apesar de os argentinos terem gritado "que se vayan todos" (que todos vão embora) não houve uma renovação das elites políticas no país, ao contrário do que aconteceu na Venezuela, na Bolívia e no Equador.
"Não havia saída da dolarização sem crise econômica e política. A pobreza chegou a níveis inéditos no país. Tendo em vista o tamanho da crise, a recuperação foi assombrosa", diz José Luis Machinea, secretário-executivo da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), que foi ministro da economia de De la Rúa até março de 2001. "Isso não significa que a transição não pudesse ter sido dirigida de forma melhor, mas era uma situação verdadeiramente difícil."


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