|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Argentina pós-crise tem balanço dúbio
Cinco anos depois da renúncia do presidente Fernando de la Rúa, confiança nos partidos políticos é a segunda mais baixa na região
No entanto, com Néstor Kirchner, país registra bom desempenho do PIB e o mais alto nível de confiança no chefe do Executivo na AL
BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES
Cinco anos após o conturbado dezembro de 2001, quando o
presidente Fernando de la Rúa
renunciou, no dia 20, e fez o
mundo voltar os olhos para a
Argentina, o país segue formalmente em crise tanto do ponto
de vista político, segundo a análise dos especialistas, quanto do
ponto de vista econômico.
O próprio governo de Néstor
Kirchner, na semana que passou, apesar do bom desempenho do PIB (Produto Interno
Bruto), aprovou no Congresso
a prorrogação -pela quinta
vez- do "estado de emergência
econômica".
Na prática, a Argentina vai
muito bem, obrigado. Tem um
sistema político imediatista,
que funciona mais com acertos
circunstanciais do que via partidos políticos, mas que dá hoje
a um presidente eleito com
apenas 22% dos votos apoio de
cerca de 80% da população, segundo pesquisas locais.
Detalhamento de dados do
Latinobarômetro 2006 obtido
com exclusividade pela Folha
revela que a Argentina tem o
maior índice de confiança da
população em seu presidente
de toda a América Latina
(66%). Apesar disso, está em
penúltimo lugar no ranking de
confiança nos partidos políticos (13%), só ganhando do
Equador (8%).
Na Venezuela, que aparece
empatada com a Argentina em
primeiro lugar no quesito confiança no presidente, 40% dizem confiar nos partidos. Os
números do Equador também
seguem a lógica: está registrado
lá o menor índice de confiança
no presidente.
Na economia, os números argentinos também contrariam a
tese de que existe crise. Prorrogar a Lei de Emergência Econômica até 31 de dezembro de
2007 é, segundo economistas,
uma medida eleitoreira e desnecessária. Com ela, Kirchner
mantém o poder de renegociar
os contratos dos serviços públicos e pode manter pesificadas
as tarifas até depois das eleições presidenciais de outubro
do ano que vem.
Analistas concordam que a
"bomba" econômica detonada
há cinco anos foi só a última gota de um processo de desestruturação bem mais complexo.
"Os fatores políticos foram
muito mais importantes que os
econômicos. Os econômicos,
porém, precipitaram a crise",
explica o sociólogo Ricardo Sidicaro, professor da UBA (Universidade de Buenos Aires). "O
país se recuperou no campo
econômico, mas a crise política
é permanente."
Nova crise
A pergunta de ouro que os especialistas não sabem responder é se uma nova crise generalizada como a que ocorreu no
governo do radical Fernando
de la Rúa pode voltar a acontecer, se mais uma vez a economia derrapar.
O modelo econômico heterodoxo de Kirchner para conter a
inflação, com controle artificial
dos preços, é apontado pela
maioria dos economistas como
uma receita com validade curta
e, por alguns, como uma bomba
relógio capaz de precipitar outra vez uma enorme crise.
Para o economista Eduardo
Conesa, professor da UBA, a
falta de investimentos em
energia levará a Argentina a
uma crise econômica em 2008.
"Será uma crise de petróleo e
gás, que virá após um período
de excessiva intervenção na
economia, o que prejudica as
decisões de investimento. Os
controles foram necessários,
mas só até 2004."
Não há, porém, quem arrisque prever nada tão intenso como o que ocorreu em 2001 e
2002. É consenso que o duro
impacto do fim da convertibilidade (a paridade entre o peso e
o dólar), que, com o "corralito"
e o "corralón", atingiu em cheio
a classe média, não será repetido com facilidade.
Segundo Marta Lagos, do Latinobarómetro, apesar de os argentinos terem gritado "que se
vayan todos" (que todos vão
embora) não houve uma renovação das elites políticas no
país, ao contrário do que aconteceu na Venezuela, na Bolívia
e no Equador.
"Não havia saída da dolarização sem crise econômica e política. A pobreza chegou a níveis
inéditos no país. Tendo em vista o tamanho da crise, a recuperação foi assombrosa", diz José
Luis Machinea, secretário-executivo da Cepal (Comissão
Econômica para América Latina e Caribe), que foi ministro
da economia de De la Rúa até
março de 2001. "Isso não significa que a transição não pudesse ter sido dirigida de forma
melhor, mas era uma situação
verdadeiramente difícil."
Texto Anterior: Crise no ar: Air Madrid tem licença de vôos suspensa Próximo Texto: "Estallido" minou sistema partidário Índice
|