São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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O IMPÉRIO VOTA

Cresce movimento apartidário contra o presidente; mulher pede no obituário contribuição para a campanha

Aversão a Bush forma frente anti-reeleição

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

Ainda sem adversário definido para a eleição de novembro, o presidente George W. Bush se tornou alvo de um turbilhão de campanhas apartidárias que visam impedir sua reeleição -independentemente de quem o substitua.
A mais ostensiva dessas campanhas ganha palco depois de amanhã, no intervalo da transmissão do Discurso sobre o Estado da União proferido por Bush, e pode ter uma reprise na noite do próximo domingo, em pleno Super Bowl -a final do campeonato de futebol americano.
É no intervalo comercial mais caro da TV -e um dos de maior audiência- que a organização MoveOn, defensora do ativismo político, pretende exibir o vencedor do concurso "Bush in 30 seconds" (Bush em 30 segundos), que escolheu entre mais de 1.500 vídeos sobre o presidente Bush. Todos negativos.
Para comprar os 30 nobres segundos em rede nacional, são necessários US$ 10 milhões (R$ 28,3 milhões). Até a tarde de ontem, a organização já havia arrecadado 84% do valor.
"Durante os últimos três anos, as políticas do presidente Bush têm dilapidado o ambiente, colocado nossa segurança nacional em risco, prejudicado nossa economia e redistribuído a renda da classe média entre os conglomerados mais ricos do país", diz o MoveOn em seu site ao apresentar o concurso. "Com a eleição de 2004 se aproximando, é crucial que os eleitores entendam o que as políticas do presidente Bush realmente significam para o país. E, para fazer isso, precisamos de novos e criativos comerciais que mostrem o que está em jogo."
Eleito por um júri estrelado que inclui o documentarista Michael Moore ("Tiros em Columbine"), o cineasta Gus van Sant ("Elefante"), o ator Jack Black ("Alta Fidelidade") e os músicos Moby e Michael Stipe (do REM), entre outros, o vencedor foi Charlie Fischer, 38, um executivo de publicidade de Denver. Curiosamente, Fischer já pertenceu ao partido de Bush, o Republicano, antes de se converter em democrata ("mudei para melhor", diz).

As crianças pagam
A peça de Fisher, "Child's Pay" (trocadilho com a expressão "child's play", ou brincadeira de criança, que pode ser livremente traduzido como "as crianças pagam"), exibe uma série de imagens de crianças trabalhando duramente. No fim, surge a frase: "Adivinhe quem pagará pelo déficit do presidente Bush".
A economia, diante do crescente déficit fiscal (na casa dos US$ 400 bilhões) e suas amargas conseqüências, é uma das principais frentes das campanhas anti-Bush. A outra é a política externa, que, para os oposicionistas, tem seu maior expoente na Guerra do Iraque e seus 500 soldados americanos mortos.
As duas são o mote do financista húngaro George Soros, radicado nos EUA, em seu livro "A Bolha da Supremacia Americana", recém-lançado nos EUA. Soros doou US$ 12,5 milhões às campanhas contra a reeleição de Bush -sendo a maior parte para o MoveOn e uma organização semelhante, a American Coming Together (América se unindo).
"Se reelegermos Bush, vamos endossar a Doutrina Bush. A eleição de 2004 não é uma eleição qualquer; ela é um referendo sobre a Doutrina Bush. O futuro do mundo está pendente", declarou Soros nesta semana durante o lançamento do livro, em Washington. "Eu nunca me envolvi com política, mas estou profundamente desconcertado com a direção que os EUA tomaram."

Polarização
Com dois grandes partidos se alternando no poder, é natural que a eleição presidencial americana tenha um histórico de polarização que beire o maniqueísmo. Mas há tempos não se via um presidente despertar sentimentos díspares com tamanha força.
Para o diretor do Instituto de Política da Escola de Governo John F. Kennedy (Universidade Harvard), Daniel Glickman, a força que tomou o movimento anti-Bush provém de 2000.
Nas eleições daquele ano, Bush perdeu de seu adversário, o democrata Al Gore, na votação popular. Mas os EUA utilizam o sistema de Colégio Eleitoral, para o qual cada Estado envia um determinado número de delegados do partido que venceu ali -e aí, após a controversa contagem de votos na Flórida, Bush venceu.
"O país esteve especialmente dividido, e por diferença mínima, em 2002. Essa divisão parece não ter mudado muito desde então", disse Glickman à Folha. "Além disso, embora o presidente Bush em si seja popular, suas políticas normalmente não o são."
A popularidade de Bush, que em novembro ameaçava ficar abaixo dos 50% pela primeira vez desde o 11 de Setembro, ganhou um impulso com a captura do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein no mês passado e agora gira em torno de 60%.
A tendência, segundo o analista Thomas E. Mann, do Instituto Brookings (Washington), é que a popularidade do presidente retorne à casa dos 50% caso nada excepcional aconteça.
"O percentual deve cair uma vez que a lembrança da captura de Saddam se esvaeça. Dificuldades no Iraque, baixo índice de empregos e a polarização do eleitorado devem tornar a eleição acirrada", afirmou Mann à Folha.
Por outro lado, o especialista não acredita que o dinheiro de Soros ou o ativismo do MoveOn produzam grande efeito sobre as chances do presidente. "Por ser um grupo com base na internet, o MoveOn é um ator novo e interessante na campanha, mas seus esforços devem ser reproduzidos por grupos pró-Bush", afirmou. "Quanto a Soros, ele está recebendo muita atenção por ser um bilionário-filantropo-celebridade, mas o dinheiro que ele doou é pouco em relação ao que Bush e os republicanos vão arrecadar."
Reportagem do jornal "The New York Times" publicada recentemente mostra que o presidente levantou US$ 130,8 milhões durante 2003 em fundos para sua reeleição. Os democratas, segundo seu site oficial, arrecadaram US$ 42 milhões. Mas os números podem mudar, quando o adversário de Bush for escolhido.
"O percurso para a nomeação democrata [em julho] pulveriza o partido temporariamente. Tão logo eles escolham seu candidato, veremos uma rápida aglomeração em torno dessa pessoa. Afinal, todos dividem a meta de derrotar Bush, o que é mais importante do que qualquer diferença pessoal", explicou Glickman.
"Qualquer candidato democrata vai começar a corrida eleitoral com um apoio entre 40% e 45% e terá de se concentrar em conquistar essa margem entre 5% e 10%, o que é possível, embora possa também ser difícil."
Esforços para conquistar esses votos -ou para tirá-los de Bush- não faltam. Morta em agosto, Gertrude Jones, 81, deixou claro em seu obituário, publicado em um jornal de Kentucky: os que comparecessem ao seu funeral deveriam fazer doações "a qualquer organização que tente tirar o presidente George W. Bush de seu gabinete". Nada de flores.


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