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DISPUTA
Para analistas, reformistas cansaram de buscar diálogo
Opção do moderado Khatami pela negociação perde fôlego no Irã
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
As semanas que precedem a
eleição legislativa iraniana de 20
de fevereiro mostrarão se o presidente Mohammad Khatami entrará para a história como um homem do establishment ou como
um reformista que ficará ao lado
dos mais de 70% de iranianos que
o reelegeram em 2001.
O desafio é considerável, já que
o Conselho de Guardiães, órgão
conservador composto por clérigos e por juristas que zela pelo
respeito da Constituição no Irã,
vetou mais de 3.000 pedidos de
candidatura a postos no Majlis
(Parlamento) feitos por reformistas, entre os quais os de 80 deputados que buscam a reeleição.
Khatami pediu calma a seus colegas liberais, que realizam protesto no Majlis, porém seu pedido
foi rechaçado pelos legisladores.
Estes afirmam que só porão fim
ao movimento quando a decisão
final do Conselho de Guardiães
for anunciada e começaram a jejuar ontem. Surpreendentemente, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, ordenou, na
quarta-feira, que os 12 membros
do órgão (apontados por ele) reavaliassem sua decisão original.
Segundo analistas ouvidas pela
Folha, a ação de Khamenei pode
servir para enfraquecer ainda
mais o já desacreditado Khatami
-um clérigo de médio escalão.
Afinal, sua estratégia de negociação não mais agrada a seu campo.
"Khatami busca fazer com que
os conservadores mudem sua decisão por meio do diálogo, da negociação. Seu maior problema é
que sua enorme base de apoio original está cansada dessa estratégia", analisou Shireen Hunter, autora de "Iran and the World: Continuity in a Revolutionary Decade" (Irã e o mundo: continuidade
numa década revolucionária).
De fato, as mulheres e os jovens
iranianos que dançaram nas ruas
de Teerã em 1997 -quando, contra todos os prognósticos, Khatami conquistou a Presidência-
parecem ter-se cansado de suas
promessas não cumpridas.
"Seria injusto dizer que Khatami não tentou introduzir suas reformas", afirmou Fariba Adelkhah, do Centro de Estudos e de
Pesquisas Internacionais (Paris).
"No final da década passada, ele
conseguiu que a mídia ganhasse
mais liberdade, as mulheres vislumbrassem a igualdade de direitos e as meninas pudessem portar
roupas mais liberais. Em seguida,
todavia, essas conquistas foram
perdidas por conta da vitória da
linha dura na queda-de-braço que
a opunha, e ainda a opõe, a Khatami e a seus aliados. Ora, naturalmente, as derrotas políticas sucessivas do presidente minaram sua
popularidade", acrescentou.
Com efeito, nos últimos anos,
vários jornais independentes foram fechados, estudantes e jornalistas, incluindo o irmão de Khatami (Mohammad Reza), foram
presos e as mulheres passaram a
tomar mais cuidado com suas
ações "não-islâmicas".
Khatami, que já é considerado
fraco demais para enfrentar os
conservadores por boa parte de
sua base política original, encontra-se, portanto, num momento
decisivo de sua carreira política:
ou supera a imagem de homem
do establishment, ou será descartado por seus aliados reformistas.
Embora a maioria parlamentar
seja reformista (70%) e o presidente da República Islâmica do
Irã seja um deles, os conservadores controlam, na prática, a cena
política, as Forças Armadas, a imprensa oficial e o Judiciário.
Conselho de Guardiães
A ordem de Khamenei ao Conselho de Guardiães foi, inicialmente, vista como uma vitória
dos liberais. Contudo, de acordo
com as especialistas, ela poderá
ser usada para dividir a oposição.
"O órgão poderá aprovar apenas a candidatura de algumas dezenas de líderes oposicionistas
proeminentes ou, em vez disso,
aceitar todas as candidaturas menos as deles, buscando dividir os
reformistas. Será muito difícil para Khatami insistir em protestar
contra o Conselho de Guardiães
se ele alterar sua decisão de alguma forma, o que já será algo inusitado", explicou Adelkhah.
Com isso, o presidente tende a
ver sua base política ainda mais
descontente. "Khatami não enfrentará abertamente os conservadores, pois isso não faz parte de
seu estilo. Por outro lado, ele já
disse que poderia renunciar se o
quadro ficasse insustentável e só
tem mais um ano de mandato.
Khatami não fará nada que ponha
o país numa situação caótica. Mas
poderá abandonar a Presidência
se vir que suas ações são ineficazes. Ele quer fazer avançar a transição política", avaliou Hunter.
Para ela, a verdade é que o poder
continua nas mãos da linha dura,
e o presidente tem pouca margem
de manobra. "Como não tomará
uma decisão intempestiva contra
os conservadores, ele acabará sem
apoio popular, o que será ruim
para o processo de transição. Todavia, infelizmente, já há quem
diga que ela poderia ter sido
apressada se o líder dos liberais
fosse mais ousado", disse Hunter.
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