São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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DISPUTA

Para analistas, reformistas cansaram de buscar diálogo

Opção do moderado Khatami pela negociação perde fôlego no Irã

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

As semanas que precedem a eleição legislativa iraniana de 20 de fevereiro mostrarão se o presidente Mohammad Khatami entrará para a história como um homem do establishment ou como um reformista que ficará ao lado dos mais de 70% de iranianos que o reelegeram em 2001.
O desafio é considerável, já que o Conselho de Guardiães, órgão conservador composto por clérigos e por juristas que zela pelo respeito da Constituição no Irã, vetou mais de 3.000 pedidos de candidatura a postos no Majlis (Parlamento) feitos por reformistas, entre os quais os de 80 deputados que buscam a reeleição.
Khatami pediu calma a seus colegas liberais, que realizam protesto no Majlis, porém seu pedido foi rechaçado pelos legisladores. Estes afirmam que só porão fim ao movimento quando a decisão final do Conselho de Guardiães for anunciada e começaram a jejuar ontem. Surpreendentemente, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, ordenou, na quarta-feira, que os 12 membros do órgão (apontados por ele) reavaliassem sua decisão original.
Segundo analistas ouvidas pela Folha, a ação de Khamenei pode servir para enfraquecer ainda mais o já desacreditado Khatami -um clérigo de médio escalão. Afinal, sua estratégia de negociação não mais agrada a seu campo.
"Khatami busca fazer com que os conservadores mudem sua decisão por meio do diálogo, da negociação. Seu maior problema é que sua enorme base de apoio original está cansada dessa estratégia", analisou Shireen Hunter, autora de "Iran and the World: Continuity in a Revolutionary Decade" (Irã e o mundo: continuidade numa década revolucionária).
De fato, as mulheres e os jovens iranianos que dançaram nas ruas de Teerã em 1997 -quando, contra todos os prognósticos, Khatami conquistou a Presidência- parecem ter-se cansado de suas promessas não cumpridas.
"Seria injusto dizer que Khatami não tentou introduzir suas reformas", afirmou Fariba Adelkhah, do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (Paris).
"No final da década passada, ele conseguiu que a mídia ganhasse mais liberdade, as mulheres vislumbrassem a igualdade de direitos e as meninas pudessem portar roupas mais liberais. Em seguida, todavia, essas conquistas foram perdidas por conta da vitória da linha dura na queda-de-braço que a opunha, e ainda a opõe, a Khatami e a seus aliados. Ora, naturalmente, as derrotas políticas sucessivas do presidente minaram sua popularidade", acrescentou.
Com efeito, nos últimos anos, vários jornais independentes foram fechados, estudantes e jornalistas, incluindo o irmão de Khatami (Mohammad Reza), foram presos e as mulheres passaram a tomar mais cuidado com suas ações "não-islâmicas".
Khatami, que já é considerado fraco demais para enfrentar os conservadores por boa parte de sua base política original, encontra-se, portanto, num momento decisivo de sua carreira política: ou supera a imagem de homem do establishment, ou será descartado por seus aliados reformistas.
Embora a maioria parlamentar seja reformista (70%) e o presidente da República Islâmica do Irã seja um deles, os conservadores controlam, na prática, a cena política, as Forças Armadas, a imprensa oficial e o Judiciário.

Conselho de Guardiães
A ordem de Khamenei ao Conselho de Guardiães foi, inicialmente, vista como uma vitória dos liberais. Contudo, de acordo com as especialistas, ela poderá ser usada para dividir a oposição.
"O órgão poderá aprovar apenas a candidatura de algumas dezenas de líderes oposicionistas proeminentes ou, em vez disso, aceitar todas as candidaturas menos as deles, buscando dividir os reformistas. Será muito difícil para Khatami insistir em protestar contra o Conselho de Guardiães se ele alterar sua decisão de alguma forma, o que já será algo inusitado", explicou Adelkhah.
Com isso, o presidente tende a ver sua base política ainda mais descontente. "Khatami não enfrentará abertamente os conservadores, pois isso não faz parte de seu estilo. Por outro lado, ele já disse que poderia renunciar se o quadro ficasse insustentável e só tem mais um ano de mandato. Khatami não fará nada que ponha o país numa situação caótica. Mas poderá abandonar a Presidência se vir que suas ações são ineficazes. Ele quer fazer avançar a transição política", avaliou Hunter.
Para ela, a verdade é que o poder continua nas mãos da linha dura, e o presidente tem pouca margem de manobra. "Como não tomará uma decisão intempestiva contra os conservadores, ele acabará sem apoio popular, o que será ruim para o processo de transição. Todavia, infelizmente, já há quem diga que ela poderia ter sido apressada se o líder dos liberais fosse mais ousado", disse Hunter.


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