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entrevista
"Não basta dar apenas ajuda aos haitianos"
DE WASHINGTON
A opinião polêmica é do
escritor americano Tracy
Kidder, 64, ganhador prêmio Pulitzer por "The Soul
of a New Machine" (A Alma de Uma Nova Máquina, 1981).
(SÉRGIO DÁVILA)
FOLHA - O terremoto não é
culpa de ninguém, mas qual a
contribuição histórica dos EUA
para que o desastre encontrasse o país no estado calamitoso
que encontrou?
TRACY KIDDER - O Haiti tem
sido uma colônia virtual
dos EUA, e se você olha o
resultado disso, nós não fizemos um bom trabalho,
fizemos? A política dos
EUA em relação ao Haiti
tem sido em geral ruim.
É
verdade que vinha melhorando e houve momentos
em que não foi tão má, por
exemplo na gestão de Bill
Clinton (1993-2001).
FOLHA - Como avalia as ações
do governo Obama em relação
ao desastre até agora?
KIDDER - É muito difícil dizer no calor do momento,
com tudo ainda tão caótico
e tenso, mas eu sei que um
esforço grande de resgate
e recuperação foi iniciado,
não só pelos EUA, mas por
Japão, China, Venezuela,
entre outros.
Agora, para que a ajuda
seja efetiva, ela tem de envolver os locais, o governo
local. Esse modelo tem sido ignorado pelos ocidentais. Parece complicado,
mas pode ser feito. As pessoas não têm de esperar
por ordens de Washington. Esse modelo pode reverter séculos de degradação do povo haitiano, que
começou como colônia escrava e, após se libertar, foi
punido e se tornou pária.
FOLHA - O sr. tem criticado as
mais de 10 mil organizações
humanitárias que atuam no
Haiti. Por quê?
KIDDER - Obviamente, é
um número enorme de organizações e há várias coisas erradas com elas. Algumas são boas, não quero
condenar todas. Mas não
estão tentando usar os locais, trabalhar com o governo local -pelo contrário. A desculpa mais comum é que o governo é
muito fraco ou corrupto.
Mas é uma razão a mais
para trabalhar com ele, de
maneira a fortalecê-lo.
Nesse número enorme de
organizações, algumas são
muito pequenas, outras
são fachadas para lavagem
de dinheiro e algumas servem apenas a si mesmas.
Mais do que isso, no entanto, é que coletivamente
elas tomam boa parte do
papel do governo. Mas o
que oferecem no lugar é o
pior tipo de governo que se
pode imaginar, com operações completamente
descoordenadas.
Não é que eu ache que o
Haiti não mereça e não
precise de uma grande dose de ajuda internacional.
Mas tem de ser da maneira
certa, e as evidências
apontam claramente que
isso não acontece. Uma
grande quantidade de dinheiro foi desperdiçada lá
e não melhorou a vida da
vasta maioria.
FOLHA - O sr. vê o fantasma
do Katrina influenciando a
reação do governo Obama?
KIDDER - Não sei, mas espero que sim, que o governo tenha aprendido algo
com o Katrina. Aquela foi a
mais ineficiente e ridícula
resposta imaginável.
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