São Paulo, segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

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entrevista

"Não basta dar apenas ajuda aos haitianos"

DE WASHINGTON

A opinião polêmica é do escritor americano Tracy Kidder, 64, ganhador prêmio Pulitzer por "The Soul of a New Machine" (A Alma de Uma Nova Máquina, 1981). (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - O terremoto não é culpa de ninguém, mas qual a contribuição histórica dos EUA para que o desastre encontrasse o país no estado calamitoso que encontrou?
TRACY KIDDER
- O Haiti tem sido uma colônia virtual dos EUA, e se você olha o resultado disso, nós não fizemos um bom trabalho, fizemos? A política dos EUA em relação ao Haiti tem sido em geral ruim.
É verdade que vinha melhorando e houve momentos em que não foi tão má, por exemplo na gestão de Bill Clinton (1993-2001).

FOLHA - Como avalia as ações do governo Obama em relação ao desastre até agora?
KIDDER
- É muito difícil dizer no calor do momento, com tudo ainda tão caótico e tenso, mas eu sei que um esforço grande de resgate e recuperação foi iniciado, não só pelos EUA, mas por Japão, China, Venezuela, entre outros.
Agora, para que a ajuda seja efetiva, ela tem de envolver os locais, o governo local. Esse modelo tem sido ignorado pelos ocidentais. Parece complicado, mas pode ser feito. As pessoas não têm de esperar por ordens de Washington. Esse modelo pode reverter séculos de degradação do povo haitiano, que começou como colônia escrava e, após se libertar, foi punido e se tornou pária.

FOLHA - O sr. tem criticado as mais de 10 mil organizações humanitárias que atuam no Haiti. Por quê?
KIDDER
- Obviamente, é um número enorme de organizações e há várias coisas erradas com elas. Algumas são boas, não quero condenar todas. Mas não estão tentando usar os locais, trabalhar com o governo local -pelo contrário. A desculpa mais comum é que o governo é muito fraco ou corrupto. Mas é uma razão a mais para trabalhar com ele, de maneira a fortalecê-lo.
Nesse número enorme de organizações, algumas são muito pequenas, outras são fachadas para lavagem de dinheiro e algumas servem apenas a si mesmas. Mais do que isso, no entanto, é que coletivamente elas tomam boa parte do papel do governo. Mas o que oferecem no lugar é o pior tipo de governo que se pode imaginar, com operações completamente descoordenadas.
Não é que eu ache que o Haiti não mereça e não precise de uma grande dose de ajuda internacional. Mas tem de ser da maneira certa, e as evidências apontam claramente que isso não acontece. Uma grande quantidade de dinheiro foi desperdiçada lá e não melhorou a vida da vasta maioria.

FOLHA - O sr. vê o fantasma do Katrina influenciando a reação do governo Obama?
KIDDER
- Não sei, mas espero que sim, que o governo tenha aprendido algo com o Katrina. Aquela foi a mais ineficiente e ridícula resposta imaginável.


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