São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

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EUROPA

Julgamento em Aveiro relança discussão sobre liberalização da prática; 120 mil assinaturas pedem novo referendo

Portugal absolve 17 em processo de aborto

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um tribunal de Aveiro, cidade ao norte de Portugal, absolveu ontem 17 pessoas acusadas de terem praticado, acobertado ou se submetido ao aborto. A decisão foi comemorada pelos partidários de uma reforma da legislação portuguesa, que na União Européia perde em rigor apenas para a que vigora na República da Irlanda.
Francisco Louçã, deputado do Bloco de Esquerda, partido cristão que traz a liberalização do aborto em seu programa, disse à Folha que as absolvições de Aveiro comprovam haver um fosso entre a lei e o Judiciário, para o qual as mulheres não podem ser condenadas pelo exercício do direito de interromper a gravidez.
No ano passado, processo semelhante terminou com a absolvição de 14 mulheres que abortaram na cidade de Maia, também ao norte do país. Nesse julgamento, no entanto, chegou a ser condenada uma parteira.
No caso de Aveiro, embora absolvido, o ginecologista indiciado teve seu automóvel e uma quantia não revelada de dinheiro confiscados, porque ele cobrava 450 (R$ 1.650) por intervenção.
O julgamento vinha se arrastando desde dezembro, e suas audiências foram marcadas por manifestações ruidosas de feministas, partidos de esquerda, católicos liberais e ativistas de direitos humanos. Ao todo 36 organizações participaram de um mutirão na entrada do Fórum. A mobilização foi objeto de críticas da Promotoria. O promotor Manuel Martins mencionou "os que tentaram perturbar o tribunal".
Em janeiro desapareceram misteriosamente documentos apreendidos no consultório do ginecologista. Isso permitiu que, na sentença de ontem, o juiz Paulo Brandão constatasse que não havia prova de que sequer estivessem grávidas as sete mulheres acusadas de terem se submetido a um aborto. Os demais réus eram o médico, sua irmã e uma recepcionista do consultório, maridos ou namorados das envolvidas.
Uma lei portuguesa de 1997 permite a prática do aborto até as 16 semanas de gravidez, em caso de estupro, ou até 24 primeiras semanas de gravidez, caso haja má-formação do feto ou perigo grave para a saúde da mãe.
Em 1999, ano dos últimos dados disponíveis, foram realizadas legalmente 491 interrupções voluntárias da gravidez.
Mas, segundo a agência espanhola Efe, circulam em Portugal estimativas de que os abortos clandestinos chegariam anualmente a 30 mil.
Em 2002, só na cidade do Porto, foram atendidas 700 mulheres com complicações derivadas de intervenções feitas sem condições apropriadas. Há ainda uma parcela de clientes portuguesas que são atendidas em cidades espanholas, como Badajoz, Salamanca e Vigo. O aborto é legalizado na Espanha, país em que vigora, a exemplo de Portugal, uma forte tradição católica.
O aborto chegou a ser submetido em 1998 a um referendo popular em Portugal. Mas foi derrotado pela estreita margem de 0,91% dos votos.
O assunto volta agora à agenda portuguesa por meio de um projeto de reforma do Código Penal, que começa a ser discutido no mês que vem no Parlamento, e também com o projeto de novo referendo, para o qual -com a publicidade obtida pelo processo de Aveiro- foram recolhidas a partir de dezembro último 120 mil assinaturas. Uma das comissões técnicas da Assembléia da República, a de Direitos, Liberdades e Garantias, julgou o pedido de referendo procedente.
A coleta de assinaturas, disse Francisco Louçã à Folha, permitiu que se construísse um arco de alianças bem mais amplo que a maioria parlamentar de direita que apóia o atual governo. Assinaram o projeto de iniciativa popular lideranças intelectuais conservadoras, com o aval indireto do bispo do Porto, d. Armindo Lopes Coelho, para quem não devem ser condenadas à prisão as mulheres que interromperem voluntariamente a gravidez.


Com agências internacionais


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