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EUROPA
Julgamento em Aveiro relança discussão sobre liberalização da prática; 120 mil assinaturas pedem novo referendo
Portugal absolve 17 em processo de aborto
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um tribunal de Aveiro, cidade
ao norte de Portugal, absolveu
ontem 17 pessoas acusadas de terem praticado, acobertado ou se
submetido ao aborto. A decisão
foi comemorada pelos partidários
de uma reforma da legislação portuguesa, que na União Européia
perde em rigor apenas para a que
vigora na República da Irlanda.
Francisco Louçã, deputado do
Bloco de Esquerda, partido cristão que traz a liberalização do
aborto em seu programa, disse à
Folha que as absolvições de Aveiro comprovam haver um fosso
entre a lei e o Judiciário, para o
qual as mulheres não podem ser
condenadas pelo exercício do direito de interromper a gravidez.
No ano passado, processo semelhante terminou com a absolvição de 14 mulheres que abortaram na cidade de Maia, também
ao norte do país. Nesse julgamento, no entanto, chegou a ser condenada uma parteira.
No caso de Aveiro, embora absolvido, o ginecologista indiciado
teve seu automóvel e uma quantia
não revelada de dinheiro confiscados, porque ele cobrava 450
(R$ 1.650) por intervenção.
O julgamento vinha se arrastando desde dezembro, e suas audiências foram marcadas por manifestações ruidosas de feministas, partidos de esquerda, católicos liberais e ativistas de direitos
humanos. Ao todo 36 organizações participaram de um mutirão
na entrada do Fórum. A mobilização foi objeto de críticas da Promotoria. O promotor Manuel
Martins mencionou "os que tentaram perturbar o tribunal".
Em janeiro desapareceram misteriosamente documentos
apreendidos no consultório do ginecologista. Isso permitiu que, na
sentença de ontem, o juiz Paulo
Brandão constatasse que não havia prova de que sequer estivessem grávidas as sete mulheres
acusadas de terem se submetido a
um aborto. Os demais réus eram
o médico, sua irmã e uma recepcionista do consultório, maridos
ou namorados das envolvidas.
Uma lei portuguesa de 1997 permite a prática do aborto até as 16
semanas de gravidez, em caso de
estupro, ou até 24 primeiras semanas de gravidez, caso haja má-formação do feto ou perigo grave
para a saúde da mãe.
Em 1999, ano dos últimos dados
disponíveis, foram realizadas legalmente 491 interrupções voluntárias da gravidez.
Mas, segundo a agência espanhola Efe, circulam em Portugal
estimativas de que os abortos
clandestinos chegariam anualmente a 30 mil.
Em 2002, só na cidade do Porto,
foram atendidas 700 mulheres
com complicações derivadas de
intervenções feitas sem condições
apropriadas. Há ainda uma parcela de clientes portuguesas que
são atendidas em cidades espanholas, como Badajoz, Salamanca
e Vigo. O aborto é legalizado na
Espanha, país em que vigora, a
exemplo de Portugal, uma forte
tradição católica.
O aborto chegou a ser submetido em 1998 a um referendo popular em Portugal. Mas foi derrotado pela estreita margem de 0,91%
dos votos.
O assunto volta agora à agenda
portuguesa por meio de um projeto de reforma do Código Penal,
que começa a ser discutido no
mês que vem no Parlamento, e
também com o projeto de novo
referendo, para o qual -com a
publicidade obtida pelo processo
de Aveiro- foram recolhidas a
partir de dezembro último 120 mil
assinaturas. Uma das comissões
técnicas da Assembléia da República, a de Direitos, Liberdades e
Garantias, julgou o pedido de referendo procedente.
A coleta de assinaturas, disse
Francisco Louçã à Folha, permitiu que se construísse um arco de
alianças bem mais amplo que a
maioria parlamentar de direita
que apóia o atual governo. Assinaram o projeto de iniciativa popular lideranças intelectuais conservadoras, com o aval indireto
do bispo do Porto, d. Armindo
Lopes Coelho, para quem não devem ser condenadas à prisão as
mulheres que interromperem voluntariamente a gravidez.
Com agências internacionais
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