|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Damasco não tem mais desculpa
THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Um amigo do premiê libanês
Rafik Hariri passou por meu escritório há 15 dias para me transmitir uma mensagem de Hariri,
que eu conhecia desde o final dos
anos 1970. A mensagem era que a
oposição libanesa à ocupação síria estava se unindo, inspirada
tanto pelo exemplo do Iraque
quanto pelos excessos cada vez
maiores da ocupação síria. Hariri,
disse o amigo dele, planejava utilizar as eleições parlamentares próximas no Líbano para transmitir à
Síria uma mensagem contundente: "É hora de vocês partirem".
Não há mais desculpa para a
ocupação síria do Líbano, exceto
o imperialismo nu e cru e o desejo
de desviar recursos do Líbano.
Será difícil provar quem matou
Rafik Hariri. Mas a gangue que
governa a Síria possui toda a habilidade, a experiência e a motivação necessárias
para assassinar
o estadista libanês, pelo
modo como
ele se aliara a
Paris e Washington para
aprovar a resolução recente
da ONU, de
número 1559,
pedindo a imediata retirada
síria do Líbano. Hariri fez
pressão em favor dessa resolução da ONU e renunciou a seu cargo depois que a
Síria deturpou a democracia libanesa, forçando o Parlamento a
aceitar uma extensão de três anos
do mandato de Emile Lahoud, o
presidente fantoche dos sírios.
Quando o regime do Baath na
Síria se sente empurrado contra a
parede, ele sempre recorre às "regras de Hama". Este é um termo
que eu cunhei depois que o Exército sírio nivelou -literalmente- uma parte da cidade de Hama, na própria Síria, para reprimir uma revolta de fundamentalistas sunitas em 1982. Entre 10 mil
e 20 mil sírios acabaram enterrados nos escombros. O assassinato
de Hariri possui todas as características das regras de Hama.
Mensagem do regime sírio a
Washington, a Paris e à oposição
libanesa: "Se vocês quiserem jogar aqui, é bom estarem preparados para jogar pelas regras de Hama" -e as regras de Hama significam a ausência total de regras.
"Se vocês querem nos encurralar
entre o Iraque, de um lado, e a
oposição libanesa do outro, é
bom que estejam preparados para
usar mais do que apenas resoluções da ONU. É bom que estejam
dispostos a recorrer a tudo, porque é isso que nós vamos fazer.
Mas vocês, americanos, já estão
exaustos com o Iraque, vocês, libaneses, não têm a coragem de
nos enfrentar, e vocês, franceses,
fazem croissants ótimos, mas não
têm regras de Hama em seu arsenal. Então é bom que lembrem:
nós, aqui, explodimos premiês.
Atiramos contra jornalistas. Disparamos contra a Cruz Vermelha.
Arrasamos uma de nossas próprias cidades. Vocês querem jogar
pelas regras de Hama? Então queremos ver seu jogo."
Um indício de até que ponto os
libaneses estão fartos da ocupação síria e das regras de Hama é o
fato de todos estarem abertamente acusando a Síria pela morte de
Hariri.O que
mais os libaneses podem fazer? Eles precisam unir todas
suas comunidades e contra-atacar o regime
sírio com as
"regras de Bagdá", demonstradas há dez
dias pelos eleitores iraquianos. As regras
de Bagdá são o
que acontece
quando um público árabe faz algo
inusitado: sai às ruas, desafiando
jihadistas e baathistas, e expressa
sua vontade democrática.
Rafik Hariri tinha parado de jogar pelas "regras libanesas" -ou
seja, dobrar-se a qualquer imposição síria- e desafiara o imperialismo sírio abertamente. Se os libaneses quiserem ser livres, terão
de tomar a dianteira. Terão de dotar-se da mesma coragem cívica
da qual Hariri se armou e fazer o
que fez o público iraquiano: ter
coragem de olhar os fascistas no
olho, chamá-los por seus nomes
reais e criticar a União Européia e
a Liga Árabe por sua disposição
em ignorar a opressão síria.
Nada deixa mais furiosa uma
ditadura como a síria do que a desobediência civil e a verdade -ou
seja, que as pessoas deixem de se
intimidar, se ergam em defesa de
sua liberdade e entrem em greve
contra as forças de ocupação.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: É preciso ouvir a Síria, diz Amorim Próximo Texto: Para Alencastro, atitude brasileira é estranha Índice
|