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GUERRA IMINENTE
É como se, na capital iraquiana, existíssemos em um mundo bem distante dos B-52s e mísseis que logo vão fazer o chão tremer sob nossos pés
Defensores de Bagdá ainda jogam futebol
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM BAGDÁ
Para Bagdá, é a 1.001ª noite, as
últimas horas de fantasia. Enquanto os inspetores da ONU se
preparavam para deixar a cidade,
nas primeiras horas da madrugada de hoje, Saddam Hussein nomeava seu filho Qusay para comandar a defesa da cidade dos califas contra a invasão americana.
Ainda assim, no clube das Forças
Armadas ontem, encontrei os defensores jogando futebol.
A TV iraquiana prepara a população para o bombardeio com
música do filme "Gladiador". Mas
os iraquianos continuaram ontem desarmando a nação a ser invadida, observando a destruição
de mais dois mísseis Al Samoud 2.
Os inspetores da ONU, a poucas
horas de fazer as malas, até foram
ver essa última porção de desarmamento que os americanos exigiram tão fervorosamente e na
qual perderam completamente o
interesse agora. Com os inspetores longe, nada impede EUA e
Reino Unido de iniciarem o bombardeio das cidades do Iraque.
Bagdá vai se tornar Stalingrado,
então, como nos diz Saddam?
Não parece. As estradas estão
abertas, postos de controle frequentemente vazios, os soldados
da cidade tragando seus cigarros
diante do prédio da ONU.
Das margens do rio Tigre
-uma versão enlameada do Volga de Stalingrado- observei ontem à noite os pescadores jogando suas linhas para os peixes
"masghouf" que os bagdalis comem depois do pôr-do-sol.
A proposta de resolução da
ONU é retirada? Tony Blair convoca uma reunião de emergência
de gabinete? Bush vai falar ao povo americano? Bagdá, ao que parece, caminha sonâmbula em direção a seu lugar na história.
Como posso ter esbarrado em
uma fila de iraquianos diante do
cinema na rua Saadun ontem à
noite? Converse com qualquer
iraquiano e ele lhe dirá que adora
-mais do que adora- Saddam.
O desprendimento é extraordinário, como se respirássemos outro ar aqui em Bagdá, como se
existíssemos em um mundo bem
distante dos B-52s e mísseis de
cruzeiro e "mães de todas as bombas", que logo vão fazer o chão
tremer sob nossos pés.
A história e a cultura do mundo
árabe estão prestes a ser visitadas
por um terremoto fabricado no
Ocidente sem precedentes. Até o
pós-Primeira Guerra e o colapso
do Império Otomano vão se tornar obsoletos nas próximas horas.
Ainda assim, mais um monolito
de proporções épicas espera para
ser revelado como uma estátua de
bronze de Saddam em Bagdá.
Em meio à fumaça do trânsito
de Bagdá ontem, entre seus velhos
táxis e ônibus novos em folha,
procurei sinais da tempestade que
se aproxima. Achei alguns.
Filas de carros nos postos de gasolina, antiquários fechando suas
portas por tempo indeterminado,
trabalhadores retirando os computadores do prédio de um ministério, exatamente como os sérvios fizeram antes da visita da
Otan a Belgrado na primavera de
1999. Será que os iraquianos não
sabem do que está para acontecer? Será que Saddam sabe?
Só posso me lembrar do formidável relato de um ex-embaixador cubano em uma delegação
enviada por Fidel em 1990 para
convencer Saddam da enormidade do poderio americano que seria dirigido contra ele se não saísse do Kuait. "Recebi vários relatórios como esse", respondeu Saddam. "É nosso embaixador na
ONU que os envia, e, na maioria
das vezes, eles acabam aqui." E,
então, Saddam apontou para uma
lixeira de mármore no chão.
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