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GUERRA IMINENTE
Para especialista da Universidade Columbia, americanos não estão comprometidos o suficiente para obter democracia estável no Iraque
"EUA não conseguirão regime confiável"
MARIA BRANT
DA REDAÇÃO
Os EUA querem uma guerra
contra o Iraque não para livrar o
mundo das armas de destruição
em massa ou do terrorismo, mas
para estabelecer um governo que
considerem "confiável" no país e
garanta a defesa de seus principais interesses no Oriente Médio:
o acesso ao petróleo e a segurança
de Israel. Mas não vão conseguir.
Essa é a opinião da cientista política Lisa Anderson, 52, reitora da
prestigiosa School of International and Public Affairs da Universidade Columbia. Especializada
em formação de Estados no
Oriente Médio, Anderson, 52, disse ainda que a falta de consenso
na ONU sobre a questão iraquiana é, de fato, desejada pelos EUA.
Ela estará em São Paulo hoje para dar uma conferência organizada pela Câmara Americana de
Comércio. Leia, a seguir, a entrevista que deu na quinta-feira à Folha, por telefone, de Nova York.
Folha - Os argumentos do governo Bush para iniciar um ataque militar ao Iraque são legítimos?
Lisa Anderson - Eles não são ilegítimos -são parte do que o governo crê estar fazendo-, mas,
como fica claro por sua resistência em tomar uma posição comparável em relação à Coréia do
Norte, não são a única coisa por
trás do que está acontecendo.
Os EUA crêem que os governos
no mundo árabe não são confiáveis. Em um certo sentido, a invasão do Kuait pelo Iraque foi simplesmente um exemplo de um governo que parecia ser amigo dos
EUA, mas virou as costas e fez algo que era completamente contrário aos interesses americanos.
Para os EUA, qualquer governo
na área pode fazer isso, e algo,
portanto, tem de ocorrer para
derrubar esses regimes e substituí-los por outros confiáveis.
Folha - E como garantir que esses
novos governos sejam confiáveis?
Anderson - Não há nenhuma garantia. Quando os EUA falam em
"um governo democrático", o
que realmente querem dizer não é
um governo que reflita a opinião
popular, mas um regime estável e
previsível. O governo dos EUA crê
que possa colocar um governo
mais previsível no poder. Acho
que está errado quanto a isso.
Folha - Por quê?
Anderson - É basicamente impossível impor a democracia. As
experiências após a Segunda
Guerra Mundial na Alemanha e
no Japão [citados por Bush] são
excepcionais. Em ambos os casos,
havia uma população instruída,
uma base industrial e outras coisas que não há hoje no Iraque.
Também não há em relação ao
Iraque o nível de compromisso a
que os EUA estavam dispostos
para reconstruir a Europa e o Japão. Não acho que eles estejam
dispostos a fazer o trabalho necessário para criar a prosperidade na
qual regimes democráticos tipicamente florescem.
Realmente há um problema: esses governos não dão satisfações à
sua população há décadas e não
são mais controlados pelo sistema
internacional que existia na Guerra Fria. A quem Arafat tem de dar
satisfações, ou Saddam, ou qualquer um desses regimes? Boa pergunta. Mas a solução não é simplesmente removê-los a força.
Folha - E os argumentos de que o
Iraque tem armas de destruição em
massa e financia o terrorismo?
Anderson - Há muitos países que
têm armas de destruição em massa hoje, como a Coréia do Norte.
Não está claro porque deveríamos
escolher o Iraque. Esse é apenas
um pretexto conveniente. Também não há provas de que o regime iraquiano apóie a Al Qaeda ou outro grupo terrorista anti-EUA.
Folha - O que a sra. acha da idéia
de que o interesse real dos EUA no
Iraque é o petróleo?
Anderson - Por que os EUA se
importariam se há ou não governos confiáveis no Oriente Médio?
O interesse real e de longo prazo
dos EUA na região após 1948 era
tríplice: a contenção da União Soviética, o acesso seguro ao petróleo e a segurança de Israel. A
URSS acabou, mas as outras duas
coisas são as principais preocupações dos EUA na região.
Folha - Quais serão os efeitos da
guerra nos vizinhos do Iraque?
Anderson - Se, de fato, Saddam
for capturado relativamente cedo
e não houver combates prolongados, a maioria dos países vizinhos
vai permanecer relativamente estável. A questão real será: como as
populações reagirão quando os
EUA ocuparem o Iraque para governá-lo? Isso pode evocar tão
fortemente um legado imperial
na área que ninguém consiga suportar e acabar dissipando os efeitos benéficos de uma campanha militar bem-sucedida.
Se a guerra for prolongada, iraquianos vão fugir para outros países, e os EUA vão ter de decidir se
vão continuar a persegui-los. É
possível imaginar a situação saindo de controle de forma relativamente fácil. As fronteiras entre esses países não são particularmente respeitadas pelos próprios
membros das comunidades. E há
um enorme ressentimento não
apenas em relação aos EUA, mas
também aos governos que as pessoas crêem que os EUA apóiem,
como os de Jordânia, Arábia Saudita e Egito. Há, portanto, um dilema para esses governos: como continuar a trocar favores com os
EUA e não serem vistos como
marionetes por suas populações?
Isso pode ficar muito complicado.
Folha - Quais serão os efeitos da
guerra sobre a ONU?
Anderson - Esse governo é muito
unilateralista. Crê que as instituições, os tratados e a cooperação
internacionais tolham a liberdade
de ação dos EUA. A profunda divisão na ONU e na UE quanto ao
Iraque provoca, sem dúvida, uma
certa medida de satisfação na Casa Branca. Se a ONU ou a UE forem uma baixa da guerra, os EUA não ficarão insatisfeitos.
Folha - Mas haveria uma estratégia deliberada para dividir a ONU?
Anderson - Seria de se imaginar
que os EUA ficassem insatisfeitos
com essa divisão. Não acho que
achariam ruim ter um consenso,
mas seu segundo melhor cenário
seria uma ONU profundamente
dividida. Eles detestam a ONU.
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