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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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GUERRA IMINENTE

Para especialista da Universidade Columbia, americanos não estão comprometidos o suficiente para obter democracia estável no Iraque

"EUA não conseguirão regime confiável"

MARIA BRANT
DA REDAÇÃO

Os EUA querem uma guerra contra o Iraque não para livrar o mundo das armas de destruição em massa ou do terrorismo, mas para estabelecer um governo que considerem "confiável" no país e garanta a defesa de seus principais interesses no Oriente Médio: o acesso ao petróleo e a segurança de Israel. Mas não vão conseguir.
Essa é a opinião da cientista política Lisa Anderson, 52, reitora da prestigiosa School of International and Public Affairs da Universidade Columbia. Especializada em formação de Estados no Oriente Médio, Anderson, 52, disse ainda que a falta de consenso na ONU sobre a questão iraquiana é, de fato, desejada pelos EUA.
Ela estará em São Paulo hoje para dar uma conferência organizada pela Câmara Americana de Comércio. Leia, a seguir, a entrevista que deu na quinta-feira à Folha, por telefone, de Nova York.
 

Folha - Os argumentos do governo Bush para iniciar um ataque militar ao Iraque são legítimos?
Lisa Anderson -
Eles não são ilegítimos -são parte do que o governo crê estar fazendo-, mas, como fica claro por sua resistência em tomar uma posição comparável em relação à Coréia do Norte, não são a única coisa por trás do que está acontecendo.
Os EUA crêem que os governos no mundo árabe não são confiáveis. Em um certo sentido, a invasão do Kuait pelo Iraque foi simplesmente um exemplo de um governo que parecia ser amigo dos EUA, mas virou as costas e fez algo que era completamente contrário aos interesses americanos. Para os EUA, qualquer governo na área pode fazer isso, e algo, portanto, tem de ocorrer para derrubar esses regimes e substituí-los por outros confiáveis.

Folha - E como garantir que esses novos governos sejam confiáveis?
Anderson -
Não há nenhuma garantia. Quando os EUA falam em "um governo democrático", o que realmente querem dizer não é um governo que reflita a opinião popular, mas um regime estável e previsível. O governo dos EUA crê que possa colocar um governo mais previsível no poder. Acho que está errado quanto a isso.

Folha - Por quê?
Anderson -
É basicamente impossível impor a democracia. As experiências após a Segunda Guerra Mundial na Alemanha e no Japão [citados por Bush] são excepcionais. Em ambos os casos, havia uma população instruída, uma base industrial e outras coisas que não há hoje no Iraque. Também não há em relação ao Iraque o nível de compromisso a que os EUA estavam dispostos para reconstruir a Europa e o Japão. Não acho que eles estejam dispostos a fazer o trabalho necessário para criar a prosperidade na qual regimes democráticos tipicamente florescem.
Realmente há um problema: esses governos não dão satisfações à sua população há décadas e não são mais controlados pelo sistema internacional que existia na Guerra Fria. A quem Arafat tem de dar satisfações, ou Saddam, ou qualquer um desses regimes? Boa pergunta. Mas a solução não é simplesmente removê-los a força.

Folha - E os argumentos de que o Iraque tem armas de destruição em massa e financia o terrorismo?
Anderson -
Há muitos países que têm armas de destruição em massa hoje, como a Coréia do Norte. Não está claro porque deveríamos escolher o Iraque. Esse é apenas um pretexto conveniente. Também não há provas de que o regime iraquiano apóie a Al Qaeda ou outro grupo terrorista anti-EUA.

Folha - O que a sra. acha da idéia de que o interesse real dos EUA no Iraque é o petróleo?
Anderson -
Por que os EUA se importariam se há ou não governos confiáveis no Oriente Médio? O interesse real e de longo prazo dos EUA na região após 1948 era tríplice: a contenção da União Soviética, o acesso seguro ao petróleo e a segurança de Israel. A URSS acabou, mas as outras duas coisas são as principais preocupações dos EUA na região.

Folha - Quais serão os efeitos da guerra nos vizinhos do Iraque?
Anderson -
Se, de fato, Saddam for capturado relativamente cedo e não houver combates prolongados, a maioria dos países vizinhos vai permanecer relativamente estável. A questão real será: como as populações reagirão quando os EUA ocuparem o Iraque para governá-lo? Isso pode evocar tão fortemente um legado imperial na área que ninguém consiga suportar e acabar dissipando os efeitos benéficos de uma campanha militar bem-sucedida.
Se a guerra for prolongada, iraquianos vão fugir para outros países, e os EUA vão ter de decidir se vão continuar a persegui-los. É possível imaginar a situação saindo de controle de forma relativamente fácil. As fronteiras entre esses países não são particularmente respeitadas pelos próprios membros das comunidades. E há um enorme ressentimento não apenas em relação aos EUA, mas também aos governos que as pessoas crêem que os EUA apóiem, como os de Jordânia, Arábia Saudita e Egito. Há, portanto, um dilema para esses governos: como continuar a trocar favores com os EUA e não serem vistos como marionetes por suas populações? Isso pode ficar muito complicado.

Folha - Quais serão os efeitos da guerra sobre a ONU?
Anderson -
Esse governo é muito unilateralista. Crê que as instituições, os tratados e a cooperação internacionais tolham a liberdade de ação dos EUA. A profunda divisão na ONU e na UE quanto ao Iraque provoca, sem dúvida, uma certa medida de satisfação na Casa Branca. Se a ONU ou a UE forem uma baixa da guerra, os EUA não ficarão insatisfeitos.

Folha - Mas haveria uma estratégia deliberada para dividir a ONU?
Anderson -
Seria de se imaginar que os EUA ficassem insatisfeitos com essa divisão. Não acho que achariam ruim ter um consenso, mas seu segundo melhor cenário seria uma ONU profundamente dividida. Eles detestam a ONU.


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