São Paulo, sábado, 18 de abril de 2009

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"Obama quer ajeitar a bagunça na geopolítica nuclear"

Segundo ex-consultor da Otan, presidente americano busca novo sistema global para romper impasses sobre tecnologia atômica

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Barack Obama pressionará todas as potências nucleares, incluindo o aliado Israel, a reduzir seus arsenais, e reconhecerá o direito dos países que querem enriquecer urânio para produzir energia civil.
O diagnóstico é de um dos principais especialistas europeus no assunto: François Géré, diretor do Instituto Francês de Análise Estratégica, ex-assessor da Otan (aliança militar ocidental) e do presidente François Mitterrand (1981-1995). Em entrevista à Folha, por telefone, ele defendeu os direitos do Irã.

 

FOLHA - É realista a ideia, defendida por Obama, de um mundo sem armas nucleares?
FRANÇOIS GÉRÉ
- No discurso em Praga [há duas semanas], Obama apontou uma direção. A meta de um mundo sem armas nucleares é alcançável, mas a muito longo prazo. O que Obama busca agora é a diminuição do papel das armas nucleares. Não poderemos reduzir a quantidade de bombas no mundo enquanto elas forem consideradas tão importantes.

FOLHA - Os EUA não se sentiriam menos fortes se reduzissem sua capacidade nuclear?
GÉRÉ
- A quantidade de bombas que países como EUA e Rússia têm é muito maior do que as necessidades reais em matéria de segurança e proteção. Essas armas são milhares de vezes mais poderosas do que as que foram lançadas contra Nagasaki e Hiroshima [durante a Segunda Guerra Mundial]. O mundo não sabe o que é uma bomba atômica moderna porque nenhuma foi usada.

FOLHA - A Rússia compartilha da necessidade de renovar o START?
GÉRÉ
- Os russos sabem que precisam negociar a continuidade do START [pacto de 1991 que visa reduzir os arsenais nucleares russo e americano e que expira em dezembro]. Até porque a manutenção dos estoques custa caro e envolve delicadas questões de segurança. De qualquer maneira, Obama pressionará todos os Estados com arsenais nucleares a reduzirem sua capacidade.

FOLHA - O Tratado de Não Proliferação reflete a realidade global?
GÉRÉ
- Não. Mesmo assim, é um tratado útil. O TNP tem algumas falhas, como a impotência diante de testes nucleares de países não-signatários, como Índia e Paquistão, e a ausência de garantias de segurança para signatários. O Iraque foi acusado de ter um programa nuclear que não tinha. E deu no que deu em 2003. O ataque ilegítimo alimenta o ceticismo e a desconfiança do Irã em relação aos mecanismos de controle. É preciso que todos façam a sua parte para que o TNP seja alterado [na conferência sobre revisão do tratado, em 2010]. As potências precisam reduzir seus estoques e garantir aos países em desenvolvimento o direito de ter programas de energia nuclear com fins pacíficos. Isso remete ao caso do Irã, país que tem todo direito de enriquecer urânio, desde que se submeta aos devidos controles.

FOLHA - Se Teerã pode ter um programa nuclear, o problema então é mais político do que técnico?
GÉRÉ
- O problema iraniano não é técnico nem jurídico. O Irã pode ter um programa nuclear civil e até se beneficiar de transferência de tecnologia por parte das grandes potências. O que está por trás do embate iraniano é a falta de confiança política do Ocidente. O Irã paga o preço por não ter revelado toda a extensão de seu programa nuclear [que veio à tona por denúncia de dissidentes, em 2002]. Os iranianos têm capacidade nuclear avançada e poderiam desenvolver a bomba. Outros grandes países, como Japão, Alemanha e Brasil, também possuem perícia, mas no caso deles há confiança.

FOLHA - Apesar da distensão, o Irã descarta fechar suas centrais, e os EUA insistem em que o objetivo é o fim do programa iraniano.
GÉRÉ
- A posição dos EUA foi enunciada no discurso em Praga. Obama disse claramente que o Irã tem o direito de ter um programa nuclear civil. O desafio é reintegrar Teerã às normas internacionais. Só assim as dúvidas serão dissipadas e a confiança, restaurada.

FOLHA - O sr. não acha difícil pressionar o Irã quando Israel, Paquistão e Índia têm a bomba atômica sem ser incomodados?
GÉRÉ
- Acho. É por isso que Obama quer ajeitar a bagunça na geopolítica nuclear. O acordo de cooperação nuclear EUA-Índia [firmado no ano passado sob o governo Bush] foi um golpe duríssimo contra o TNP e um exemplo claro de que não faz mais sentido a divisão tradicional entre países nucleares e não nucleares. Alguns países estão num limbo que só complica as coisas. Cedo ou tarde Israel deverá deixar de ser um tema que ninguém quer encarar. Mas estamos diante de um problema jurídico sério, já que o TNP não supõe novas potências nucleares.

FOLHA - A Coreia do Norte, que tem a bomba, é uma ameaça?
GÉRÉ
- A Coreia do Norte é um caso à parte. O problema tem mais a ver com a natureza do regime do que com a utilização da bomba atômica em si. Pyongyang usa a bandeira nuclear como barganha para obter ajuda e respeito de outros países. É praticamente o único trunfo do regime. Mas é um caso mais simples de resolver.

FOLHA - Cada vez mais países buscam energia nuclear. Isso é compatível com a não proliferação?
GÉRÉ
- Tem de ser compatível. É preciso levar em conta a nova realidade do mundo. Muitos países, Estados árabes entre eles, estão se voltando para a energia nuclear porque a bonança do petróleo não é infinita. O fato de a Argélia querer centrais atômicas não significa que ela buscará a bomba. O nuclear civil tem um belo futuro, desde que haja mecanismos de controle eficientes e justos.


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