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"Obama quer ajeitar a bagunça na geopolítica nuclear"
Segundo ex-consultor da Otan, presidente americano busca novo sistema global para romper impasses sobre tecnologia atômica
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente Barack Obama
pressionará todas as potências
nucleares, incluindo o aliado
Israel, a reduzir seus arsenais, e
reconhecerá o direito dos países que querem enriquecer
urânio para produzir energia
civil.
O diagnóstico é de um dos
principais especialistas europeus no assunto: François Géré, diretor do Instituto Francês
de Análise Estratégica, ex-assessor da Otan (aliança militar
ocidental) e do presidente
François Mitterrand (1981-1995). Em entrevista à Folha,
por telefone, ele defendeu os
direitos do Irã.
FOLHA - É realista a ideia, defendida por Obama, de um mundo sem
armas nucleares?
FRANÇOIS GÉRÉ - No discurso em
Praga [há duas semanas], Obama apontou uma direção. A
meta de um mundo sem armas
nucleares é alcançável, mas a
muito longo prazo. O que Obama busca agora é a diminuição
do papel das armas nucleares.
Não poderemos reduzir a
quantidade de bombas no
mundo enquanto elas forem
consideradas tão importantes.
FOLHA - Os EUA não se sentiriam
menos fortes se reduzissem sua capacidade nuclear?
GÉRÉ - A quantidade de bombas que países como EUA e
Rússia têm é muito maior do
que as necessidades reais em
matéria de segurança e proteção. Essas armas são milhares
de vezes mais poderosas do que
as que foram lançadas contra
Nagasaki e Hiroshima [durante
a Segunda Guerra Mundial].
O mundo não sabe o que é
uma bomba atômica moderna
porque nenhuma foi usada.
FOLHA - A Rússia compartilha da
necessidade de renovar o START?
GÉRÉ - Os russos sabem que
precisam negociar a continuidade do START [pacto de 1991
que visa reduzir os arsenais nucleares russo e americano e que
expira em dezembro]. Até porque a manutenção dos estoques custa caro e envolve delicadas questões de segurança.
De qualquer maneira, Obama
pressionará todos os Estados
com arsenais nucleares a reduzirem sua capacidade.
FOLHA - O Tratado de Não Proliferação reflete a realidade global?
GÉRÉ - Não. Mesmo assim, é
um tratado útil. O TNP tem algumas falhas, como a impotência diante de testes nucleares
de países não-signatários, como Índia e Paquistão, e a ausência de garantias de segurança para signatários. O Iraque foi
acusado de ter um programa
nuclear que não tinha. E deu no
que deu em 2003. O ataque ilegítimo alimenta o ceticismo e a
desconfiança do Irã em relação
aos mecanismos de controle.
É preciso que todos façam a
sua parte para que o TNP seja
alterado [na conferência sobre
revisão do tratado, em 2010].
As potências precisam reduzir
seus estoques e garantir aos
países em desenvolvimento o
direito de ter programas de
energia nuclear com fins pacíficos. Isso remete ao caso do Irã,
país que tem todo direito de
enriquecer urânio, desde que se
submeta aos devidos controles.
FOLHA - Se Teerã pode ter um programa nuclear, o problema então é
mais político do que técnico?
GÉRÉ - O problema iraniano
não é técnico nem jurídico. O
Irã pode ter um programa nuclear civil e até se beneficiar de
transferência de tecnologia por
parte das grandes potências. O
que está por trás do embate iraniano é a falta de confiança política do Ocidente. O Irã paga o
preço por não ter revelado toda
a extensão de seu programa nuclear [que veio à tona por denúncia de dissidentes, em
2002]. Os iranianos têm capacidade nuclear avançada e poderiam desenvolver a bomba.
Outros grandes países, como
Japão, Alemanha e Brasil, também possuem perícia, mas no
caso deles há confiança.
FOLHA - Apesar da distensão, o Irã
descarta fechar suas centrais, e os
EUA insistem em que o objetivo é o
fim do programa iraniano.
GÉRÉ - A posição dos EUA foi
enunciada no discurso em Praga. Obama disse claramente
que o Irã tem o direito de ter
um programa nuclear civil. O
desafio é reintegrar Teerã às
normas internacionais. Só assim as dúvidas serão dissipadas
e a confiança, restaurada.
FOLHA - O sr. não acha difícil pressionar o Irã quando Israel, Paquistão
e Índia têm a bomba atômica sem
ser incomodados?
GÉRÉ - Acho. É por isso que
Obama quer ajeitar a bagunça
na geopolítica nuclear. O acordo de cooperação nuclear EUA-Índia [firmado no ano passado
sob o governo Bush] foi um golpe duríssimo contra o TNP e
um exemplo claro de que não
faz mais sentido a divisão tradicional entre países nucleares e
não nucleares. Alguns países
estão num limbo que só complica as coisas. Cedo ou tarde
Israel deverá deixar de ser um
tema que ninguém quer encarar. Mas estamos diante de um
problema jurídico sério, já que
o TNP não supõe novas potências nucleares.
FOLHA - A Coreia do Norte, que
tem a bomba, é uma ameaça?
GÉRÉ - A Coreia do Norte é um
caso à parte. O problema tem
mais a ver com a natureza do
regime do que com a utilização
da bomba atômica em si.
Pyongyang usa a bandeira nuclear como barganha para obter ajuda e respeito de outros
países. É praticamente o único
trunfo do regime. Mas é um caso mais simples de resolver.
FOLHA - Cada vez mais países buscam energia nuclear. Isso é compatível com a não proliferação?
GÉRÉ - Tem de ser compatível.
É preciso levar em conta a nova
realidade do mundo. Muitos
países, Estados árabes entre
eles, estão se voltando para a
energia nuclear porque a bonança do petróleo não é infinita. O fato de a Argélia querer
centrais atômicas não significa
que ela buscará a bomba. O nuclear civil tem um belo futuro,
desde que haja mecanismos de
controle eficientes e justos.
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