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Tibetanos iniciam cremação em massa
Centenas de monges participam das operações de resgate e de ajuda humanitária; dalai-lama envia mensagem de condolência
Mortos já somam 1.339, e 334 estão desaparecidos; deficiência na distribuição de ajuda cria mercado negro de barracas e suprimentos
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A YUSHU (CHINA)
Vestidos com trajes puídos
de cor púrpura ou vermelha e
de pás em mãos, centenas de
monges tibetanos estão participando das operações de resgate
de corpos e de ajuda humanitária na cidade de Yushu, a mais
atingida pelo forte terremoto
que devastou esta inóspita e
empobrecida região da China.
A presença dos monges é tão
visível quanto a das forças institucionais, como bombeiros,
militares e policiais, e talvez seja o maior símbolo de que a
China de prédios modernos está bem longe de chegar a todos
os pontos do país.
Além de escavar em busca de
corpos e sobreviventes, algumas vezes lado a lado com os
militares, os monges são a principal fonte de conforto espiritual da população local, predominantemente tibetana.
O dalai-lama, líder tibetano
no exílio acusado pela China de
promover o separatismo do Tibete, enviou uma mensagem de
condolência às vítimas. "Estou
impossibilitado de oferecer
conforto diretamente aos afetados, mas gostaria que soubessem que rezo por eles."
Ontem, monastérios fizeram
cerimônias para a cremação em
massa de centenas de mortos
pelo terremoto de quarta-feira.
"Rezamos para que eles tenham uma boa reencarnação e
que seu sofrimento termine",
disse Gansong Getai, que se voluntariou para dirigir um dos
caminhões usados no transporte dos corpos.
Segundo a agência de notícias chinesa Xinhua, o sismo já
deixou 1.339 mortos, e 332 pessoas estão desaparecidas.
"Não é a primeira vez que
trabalhamos juntos, houve casos de inundações e outros desastres naturais", diz o monge
Yanle Pengcuo, que passou 31
dos seus 39 no monastério
Rangshiang, o mais afetado,
com 20 religiosos mortos.
Com um ferimento na cabeça
e abrigado numa barraca, Pengcuo não sabe o que ocorrerá
com o monastério. "A nossa
crença está aqui, mas o tempo é
curto para prever o futuro."
Se as operações davam ideia
de cooperação, havia também
indícios de que as divergências
políticas são latentes. Buscando objetos entre os escombros
de sua casa destruída, um lama
(hierarquicamente superior ao
monge) tinha entre seus objetos resgatados um porta-retrato do dalai-lama. Ele não quis
falar sobre a imagem, cujo porte pode causar até prisão.
Contrário às imagens hollywoodianas de monges em trajes impecáveis, aqui impressiona o estado precário das roupas, muitas vezes com buracos
e invariavelmente cobertas pelo pó incessante.
Mesmo assim, eles aparentam viver em melhores condições do que a empobrecida população local. Com poucas opções de emprego, a maioria dos
desabrigados ouvidos pela reportagem diz que sobrevive fazendo extração da raiz Dongchong Xiacao, usada na medicina tradicional chinesa.
O trabalho dura apenas dois
meses por ano, entre maio e junho, e rende entre US$ 1.500 e
US$ 3.000, explica Jia Ji, 32,
que perdeu a mulher e há três
dias espera atenção médica para a sua perna quebrada num
dos vários acampamentos
montados pela cidade.
Distante 800 km da metrópole mais próxima, Xining, a
ajuda em Yushu tem problemas de distribuição, principalmente de barracas para enfrentar o frio da noite. A escassez
gerou um comércio paralelo,
conta o desabrigado tibetano
Yila Cairen, 41.
"Paguei 500 yuans [cerca de
R$ 130] para pagar essa barraca, que foi distribuída de graça
pelo governo, mas só alguns levaram. Estou desempregado e
ganho esse valor de benefício
por ano, agora estou sem um
centavo", conta Cairen, que
compartilha a barraca -bastante confortável e protegida
do frio- com seis familiares.
Por outro lado, o avanço dos
trabalhos é nítido no avanço
dos escombros. Apesar de as
casas da cidade ainda estarem
sem luz, o Exército instalou ontem um sistema de iluminação
pública com gerador próprio.
Colaborou DAVID YANG , em Yushu
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