São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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Tibetanos iniciam cremação em massa

Centenas de monges participam das operações de resgate e de ajuda humanitária; dalai-lama envia mensagem de condolência

Mortos já somam 1.339, e 334 estão desaparecidos; deficiência na distribuição de ajuda cria mercado negro de barracas e suprimentos

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A YUSHU (CHINA)

Vestidos com trajes puídos de cor púrpura ou vermelha e de pás em mãos, centenas de monges tibetanos estão participando das operações de resgate de corpos e de ajuda humanitária na cidade de Yushu, a mais atingida pelo forte terremoto que devastou esta inóspita e empobrecida região da China.
A presença dos monges é tão visível quanto a das forças institucionais, como bombeiros, militares e policiais, e talvez seja o maior símbolo de que a China de prédios modernos está bem longe de chegar a todos os pontos do país.
Além de escavar em busca de corpos e sobreviventes, algumas vezes lado a lado com os militares, os monges são a principal fonte de conforto espiritual da população local, predominantemente tibetana.
O dalai-lama, líder tibetano no exílio acusado pela China de promover o separatismo do Tibete, enviou uma mensagem de condolência às vítimas. "Estou impossibilitado de oferecer conforto diretamente aos afetados, mas gostaria que soubessem que rezo por eles."
Ontem, monastérios fizeram cerimônias para a cremação em massa de centenas de mortos pelo terremoto de quarta-feira.
"Rezamos para que eles tenham uma boa reencarnação e que seu sofrimento termine", disse Gansong Getai, que se voluntariou para dirigir um dos caminhões usados no transporte dos corpos.
Segundo a agência de notícias chinesa Xinhua, o sismo já deixou 1.339 mortos, e 332 pessoas estão desaparecidas.
"Não é a primeira vez que trabalhamos juntos, houve casos de inundações e outros desastres naturais", diz o monge Yanle Pengcuo, que passou 31 dos seus 39 no monastério Rangshiang, o mais afetado, com 20 religiosos mortos.
Com um ferimento na cabeça e abrigado numa barraca, Pengcuo não sabe o que ocorrerá com o monastério. "A nossa crença está aqui, mas o tempo é curto para prever o futuro."
Se as operações davam ideia de cooperação, havia também indícios de que as divergências políticas são latentes. Buscando objetos entre os escombros de sua casa destruída, um lama (hierarquicamente superior ao monge) tinha entre seus objetos resgatados um porta-retrato do dalai-lama. Ele não quis falar sobre a imagem, cujo porte pode causar até prisão.
Contrário às imagens hollywoodianas de monges em trajes impecáveis, aqui impressiona o estado precário das roupas, muitas vezes com buracos e invariavelmente cobertas pelo pó incessante.
Mesmo assim, eles aparentam viver em melhores condições do que a empobrecida população local. Com poucas opções de emprego, a maioria dos desabrigados ouvidos pela reportagem diz que sobrevive fazendo extração da raiz Dongchong Xiacao, usada na medicina tradicional chinesa.
O trabalho dura apenas dois meses por ano, entre maio e junho, e rende entre US$ 1.500 e US$ 3.000, explica Jia Ji, 32, que perdeu a mulher e há três dias espera atenção médica para a sua perna quebrada num dos vários acampamentos montados pela cidade.
Distante 800 km da metrópole mais próxima, Xining, a ajuda em Yushu tem problemas de distribuição, principalmente de barracas para enfrentar o frio da noite. A escassez gerou um comércio paralelo, conta o desabrigado tibetano Yila Cairen, 41.
"Paguei 500 yuans [cerca de R$ 130] para pagar essa barraca, que foi distribuída de graça pelo governo, mas só alguns levaram. Estou desempregado e ganho esse valor de benefício por ano, agora estou sem um centavo", conta Cairen, que compartilha a barraca -bastante confortável e protegida do frio- com seis familiares.
Por outro lado, o avanço dos trabalhos é nítido no avanço dos escombros. Apesar de as casas da cidade ainda estarem sem luz, o Exército instalou ontem um sistema de iluminação pública com gerador próprio.


Colaborou DAVID YANG , em Yushu


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