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DIREITOS HUMANOS
Afegãos e paquistaneses dizem que as condições na prisão americana levaram vários deles a tentar se matar
Ex-prisioneiros relatam desespero em Guantánamo
CARLOTTA GALL
NEIL A. LEWIS
DO "NEW YORK TIMES", EM CABUL
Afegãos e paquistaneses que
passaram meses presos pelas Forças Armadas americanas em
Guantánamo (Cuba) sem acusação formal descrevem as condições de detenção como sendo desesperadoras.
De acordo com relatos de alguns dos 32 afegãos e três paquistaneses libertados até agora, era
sobretudo a incerteza quanto a
seu destino, somada ao confinamento em celas minúsculas, que
levou alguns detentos a tentar o
suicídio. Um paquistanês disse
que tentou se matar quatro vezes
nos 18 meses de detenção.
Um afegão que passou 14 meses
em Guantánamo descreveu o clima de incerteza e medo reinante
no campo. "Alguns diziam que
aquela era uma prisão para 150
anos", contou Suleiman Shah, 30,
ex-combatente do Taleban.
Nenhum dos entrevistados se
queixou de maus-tratos físicos.
Mas disseram que, nos primeiros
meses de encarceramento, foram
mantidos em pequenas celas feitas de tela de arame, medindo cerca de 1,9 metro por 2,3 metros cada e dispostas em blocos de dez
ou 20 celas. Elas eram recobertas
por um telhado de madeira, vulneráveis a chuva, vento e calor.
"Dormíamos, comíamos, orávamos e fazíamos nossas necessidades fisiológicas naquele mesmo
espaço minúsculo", contou Shah.
Cada homem recebia dois cobertores e uma esteira sobre a qual fazer suas orações. Todos tinham
de comer e dormir no chão.
Os prisioneiros eram retirados
das celas apenas uma vez por semana, para tomarem banho de
chuveiro durante um minuto.
"Depois de quatro meses e meio
reclamamos, então nos deixaram
tomar banho por cinco minutos e
nos exercitar uma vez por semana", contou o ex-prisioneiro.
Shah e os prisioneiros paquistaneses libertados falaram do sentimento avassalador de injustiça
que, afirmaram, é comum entre
os aproximadamente 680 homens
detidos em Guantánamo por
tempo indeterminado.
"Eu tentei me matar", contou o
paquistanês Shah Muhammad,
20, que foi capturado no norte do
Afeganistão em novembro de
2001, entregue a soldados americanos e levado a Guantánamo em
janeiro de 2002. "Tentei quatro
vezes. Perdi o gosto pela vida. Cometer suicídio é contra as leis do
islã, mas era muito difícil viver lá.
Muitas pessoas tentaram se matar. Eles me trataram como culpado, mas eu era inocente."
Nos 18 meses passados desde a
abertura do campo de detenção
em Guantánamo, ocorreram 28
tentativas de suicídio feitas por 18
pessoas, a maioria neste ano, disse
o capitão Warren Neary, porta-voz do campo. Nenhum dos prisioneiros conseguiu seu intento,
mas um homem sofreu danos cerebrais graves, de acordo com seu
advogado.
Os prisioneiros vêm de 40 países. Entre eles há mais de 50 paquistaneses, cerca de 150 sauditas
e três adolescentes de menos de 16
anos. De acordo com Najeef bin
Mohamad Ahmed Al Nauimi, ex-ministro da Justiça de Qatar e hoje
representante legal de cerca de
cem dos detidos, a maioria foi
capturada no Afeganistão.
Nauimi representa muitos dos
sauditas, e advogados americanos
defendem 14 prisioneiros do
Kuait. Também há 83 iemenitas,
disse Nauimi, e um punhado de
prisioneiros de outras nacionalidades, incluindo canadenses, britânicos, argelinos, australianos e
um sueco.
Desde janeiro de 2002, pelo menos 32 prisioneiros afegãos e três
paquistaneses foram libertados
de Guantánamo. Cinco sauditas
foram entregues às autoridades
de seu país. O saudita de origem
americana Yasser Esam Hamdi
foi transferido do campo para
uma prisão militar em Norfolk,
Virgínia, em abril de 2002. Neary
disse que já foram libertadas ao
todo 41 pessoas.
Ao mesmo tempo, as autoridades militares americanas se preparam para enviar cerca de dez
dos prisioneiros a um tribunal
militar no futuro próximo.
Várias organizações de direitos
humanos já expressaram temores
quanto às condições vigentes em
Guantánamo e à situação jurídica
incerta dos detidos.
As Forças Armadas americanas
se negam a considerá-los prisioneiros de guerra (apesar de a
maioria ter sido capturada em
campo de batalha), pois, se o fizessem, teriam de repatriá-los.
Além disso, não lhes concedem
acesso a advogados. Até agora,
nenhum dos detidos foi formalmente acusado de algo.
Preocupado com a detenção
prolongada sem julgamento nem
status legal definido, a Cruz Vermelha Internacional exortou o
governo Bush no mês passado a
iniciar procedimentos legais referentes a vários dos detidos e a instituir mudanças nas condições do
campo.
O comandante Brian Grady,
psiquiatra que presta atendimento aos presos, disse que a maioria
dos prisioneiros que estão sofrendo de depressão já apresentava
seus sintomas quando chegaram
a Cuba.
Tradução de Clara Allain
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