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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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DIREITOS HUMANOS

Afegãos e paquistaneses dizem que as condições na prisão americana levaram vários deles a tentar se matar

Ex-prisioneiros relatam desespero em Guantánamo

CARLOTTA GALL
NEIL A. LEWIS
DO "NEW YORK TIMES", EM CABUL

Afegãos e paquistaneses que passaram meses presos pelas Forças Armadas americanas em Guantánamo (Cuba) sem acusação formal descrevem as condições de detenção como sendo desesperadoras.
De acordo com relatos de alguns dos 32 afegãos e três paquistaneses libertados até agora, era sobretudo a incerteza quanto a seu destino, somada ao confinamento em celas minúsculas, que levou alguns detentos a tentar o suicídio. Um paquistanês disse que tentou se matar quatro vezes nos 18 meses de detenção.
Um afegão que passou 14 meses em Guantánamo descreveu o clima de incerteza e medo reinante no campo. "Alguns diziam que aquela era uma prisão para 150 anos", contou Suleiman Shah, 30, ex-combatente do Taleban.
Nenhum dos entrevistados se queixou de maus-tratos físicos. Mas disseram que, nos primeiros meses de encarceramento, foram mantidos em pequenas celas feitas de tela de arame, medindo cerca de 1,9 metro por 2,3 metros cada e dispostas em blocos de dez ou 20 celas. Elas eram recobertas por um telhado de madeira, vulneráveis a chuva, vento e calor.
"Dormíamos, comíamos, orávamos e fazíamos nossas necessidades fisiológicas naquele mesmo espaço minúsculo", contou Shah. Cada homem recebia dois cobertores e uma esteira sobre a qual fazer suas orações. Todos tinham de comer e dormir no chão.
Os prisioneiros eram retirados das celas apenas uma vez por semana, para tomarem banho de chuveiro durante um minuto. "Depois de quatro meses e meio reclamamos, então nos deixaram tomar banho por cinco minutos e nos exercitar uma vez por semana", contou o ex-prisioneiro.
Shah e os prisioneiros paquistaneses libertados falaram do sentimento avassalador de injustiça que, afirmaram, é comum entre os aproximadamente 680 homens detidos em Guantánamo por tempo indeterminado.
"Eu tentei me matar", contou o paquistanês Shah Muhammad, 20, que foi capturado no norte do Afeganistão em novembro de 2001, entregue a soldados americanos e levado a Guantánamo em janeiro de 2002. "Tentei quatro vezes. Perdi o gosto pela vida. Cometer suicídio é contra as leis do islã, mas era muito difícil viver lá. Muitas pessoas tentaram se matar. Eles me trataram como culpado, mas eu era inocente."
Nos 18 meses passados desde a abertura do campo de detenção em Guantánamo, ocorreram 28 tentativas de suicídio feitas por 18 pessoas, a maioria neste ano, disse o capitão Warren Neary, porta-voz do campo. Nenhum dos prisioneiros conseguiu seu intento, mas um homem sofreu danos cerebrais graves, de acordo com seu advogado.
Os prisioneiros vêm de 40 países. Entre eles há mais de 50 paquistaneses, cerca de 150 sauditas e três adolescentes de menos de 16 anos. De acordo com Najeef bin Mohamad Ahmed Al Nauimi, ex-ministro da Justiça de Qatar e hoje representante legal de cerca de cem dos detidos, a maioria foi capturada no Afeganistão.
Nauimi representa muitos dos sauditas, e advogados americanos defendem 14 prisioneiros do Kuait. Também há 83 iemenitas, disse Nauimi, e um punhado de prisioneiros de outras nacionalidades, incluindo canadenses, britânicos, argelinos, australianos e um sueco.
Desde janeiro de 2002, pelo menos 32 prisioneiros afegãos e três paquistaneses foram libertados de Guantánamo. Cinco sauditas foram entregues às autoridades de seu país. O saudita de origem americana Yasser Esam Hamdi foi transferido do campo para uma prisão militar em Norfolk, Virgínia, em abril de 2002. Neary disse que já foram libertadas ao todo 41 pessoas.
Ao mesmo tempo, as autoridades militares americanas se preparam para enviar cerca de dez dos prisioneiros a um tribunal militar no futuro próximo.
Várias organizações de direitos humanos já expressaram temores quanto às condições vigentes em Guantánamo e à situação jurídica incerta dos detidos.
As Forças Armadas americanas se negam a considerá-los prisioneiros de guerra (apesar de a maioria ter sido capturada em campo de batalha), pois, se o fizessem, teriam de repatriá-los. Além disso, não lhes concedem acesso a advogados. Até agora, nenhum dos detidos foi formalmente acusado de algo.
Preocupado com a detenção prolongada sem julgamento nem status legal definido, a Cruz Vermelha Internacional exortou o governo Bush no mês passado a iniciar procedimentos legais referentes a vários dos detidos e a instituir mudanças nas condições do campo.
O comandante Brian Grady, psiquiatra que presta atendimento aos presos, disse que a maioria dos prisioneiros que estão sofrendo de depressão já apresentava seus sintomas quando chegaram a Cuba.


Tradução de Clara Allain


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