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EUA remoem dúvidas sobre destino de sua supremacia
Novos livros questionam excepcionalidade do "império da liberdade" após o ufanismo militarista que se seguiu ao 11 de Setembro
CLAUDIA ANTUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
DE CAMBRIDGE (EUA)
NO MEIO do redemoinho criado pela politização do islamismo e do crescimento de
China e Índia no cenário internacional,
afirmam acadêmicos, os EUA precisam
reestruturar a visão autobenevolente que rege seu
senso histórico -no qual apenas acertos são registrados- e reexaminar as raízes e o foco de seu imperialismo. Para esses estudiosos que traçam perspectivas de
como a hiperpotência conseguirá manter sua hegemonia, o império americano pode até contar com a
condescendência que vem amparada em um excesso
de paliativos e justificativas desses tempos de guerra
contra o terror. Mas ainda constitui a melhor das alternativas em um mundo que se rearranja
William Jennings Bryan
(1860-1925), um dos mais eloqüentes oradores da história
americana, está de volta após
um longo ostracismo. O político derrotado em três tentativas
de chegar à Casa Branca tem sido lembrado pelo discurso em
que denunciou a ocupação das
Filipinas. Pronunciado em
1900, "A Influência Paralisante
do Imperialismo" foi a primeira grande peça retórica de denúncia do império -não o britânico, o americano- nos EUA.
Jennings Bryan é o "Godly
Hero" (herói devoto) da obra
do historiador Michael Kazin.
Kazin foca a mistura de radicalismo antielite e fervor religioso que o democrata imprimiu à
política. Mas as ambigüidades
do pacifismo de Bryan, que
apoiou a guerra contra a Espanha (1898) antes de criticar a
colonização das Filipinas, somam sua biografia à safra de livros e artigos em que os americanos remoem a natureza e o
destino de sua hegemonia.
Império informal, império a
convite, império consensual,
império indireto. Nos EUA, a
palavra "saiu do armário", nas
palavras do neoconservador
Charles Krauthammer, depois
do 11 de Setembro, quando a
"hiperpotência" dos anos 90
declarou oficialmente sua supremacia. Multiplicaram-se,
também, os atenuantes que a
qualificam, justificados em termos conceituais ou pela excepcionalidade do "império para a
liberdade" evocado já há 200
anos por Thomas Jefferson,
terceiro presidente americano.
Os limites dessa excepcionalidade são o foco de alguns livros recentes, depois de uma
série de textos entusiasmados.
Afinal, escreveu o historiador
inglês e professor da Universidade de Nova York Tony Judt,
mesmo que fosse demonstrado
que a hegemonia americana foi
benéfica a todos, "seus supostos beneficiários no resto do
mundo ainda a rejeitariam".
Ação cívica
Charles S. Maier, professor
de história na Universidade
Harvard, diz que escreveu
"Among Empires" (entre impérios) como uma "ação cívica".
"Os americanos têm esse mito
da benevolência, e queria que
se dessem conta de que não somos tão excepcionais. Impérios
são uma formação recorrente e
há características que compartilhamos. Isso não significa que
todo império seja igual, mas
também não significa que Abu
Ghraib ou Guantánamo sejam
exceções", diz, citando a prisão
iraquiana onde soldados americanos abusaram de detentos e
a base militar em Cuba onde os
EUA mantêm os prisioneiros
de sua guerra contra o terror.
No livro, Maier define impérios como "uma forma de organização política em que os elementos sociais que governam
no Estado dominante criam
uma rede de elites aliadas no
exterior que aceitam a subordinação em questões internacionais em troca de segurança em
sua unidade administrativa".
A definição é elástica o suficiente para incluir os EUA, mas
o professor não fecha questão
sobre o caráter da primazia
americana. Prefere relativizar a
posição, defendida pelo historiador e também professor de
Harvard Niall Ferguson, de que
impérios liberais tendem a disseminar instituições favoráveis
ao desenvolvimento.
"Como os impérios dizem
respeito a elites, também dizem respeito a estratificação e
desigualdades. Quando havia
um império do mal eu poderia
estar grato a um império do
bem, mas não temos mais isso.
O problema é que os americanos decidiram que o terrorismo
islâmico é um novo fascismo
que só pode ser combatido com
políticas imperiais", diz Maier.
Autor de "The New American Militarism" (o novo militarismo americano), Andrew Bacevich, coronel reformado do
Exército e professor de relações internacionais da Universidade de Boston, vai na mesma
linha. "Temos uma falsa consciência histórica", diz. "O século 20 da cabeça da maioria dos
americanos são os EUA se erguendo em defesa da liberdade
e derrotando os terríveis nazistas e comunistas. Atribuímos
tudo de positivo a nós e tudo de
negativo aos outros."
O impacto dessa memória seletiva é o tema de "Empire
Workshop" (laboratório do império), de Greg Grandin. No livro, o professor da Universidade de Nova York argumenta
que a coalizão por trás do que
chama de "imperialismo revolucionário" do governo Bush,
reunindo cristãos evangélicos e
neoconservadores, já estava em
ação nas guerras sujas do governo Reagan (1981-1989) contra a ameaça esquerdista na
América Central.
"Em busca de precedentes
para o momento atual, os intelectuais evocam a reconstrução
da Alemanha e do Japão no
pós-guerra, Roma e a Grã-Bretanha do século 19, mas ignoram o único lugar em que os
EUA projetaram sua influência
por mais de dois séculos", diz.
"Desordem mundial"
Em "Colossus, the Rise and
Fall of the American Empire"
(Colosso, a ascensão e queda do
império americano), publicado
há dois anos, Niall Ferguson
previa que a supremacia dos
EUA seria substituída não por
uma "harmonia multipolar",
mas por uma "desordem mundial" (leia entrevista ao lado).
Maier discorda: "Acho que
acabaremos num tipo de equilíbrios regionais, a União Européia, a China, a Índia, os EUA".
Bacevich, igualmente, vê exageros na "guerra ao terror" e na
perspectiva de uma guerra fria
contra China. "O islã político é
profundamente antiamericano, mas minha intuição é que
ele fracassará por suas próprias
mãos. A China já é uma grande
potência, vai se tornar mais poderosa ainda e terá interesses
que vão conflitar com os nossos. Mas historicamente nunca
foi uma nação que tenha se proposto a controlar o mundo."
Em seus livros, Bacevich relaciona a expansão do poder
americano à economia política
doméstica. O novo militarismo,
diz, surgiu nos anos 70 como
uma resposta ao "derrotismo"
provocado pela Guerra do Vietnã e a crise econômica dos 60. A
"quarta guerra mundial", afirma, começou depois da primeira crise do petróleo, quando o
acesso seguro ao combustível
virou prioridade dos EUA.
"Apesar disso só ter ficado
evidente nos anos 90, mudanças na política e nas prioridades
militares converteram o golfo
Pérsico no epicentro da Grande
Estratégia Americana", afirma.
Mas tanto Bacevich quanto
Maier identificam o serviço militar voluntário e o endividamento como freios ao exercício
de uma política imperial. "Temos um Exército de aluguel",
diz Maier. "Há um fosso entre
nossas ambições militares e o
número de reservistas. Além
disso, sob a prosperidade há várias tendências inquietantes.
Devemos US$ 1,3 trilhão. Vivemos de empréstimos de outros
países", afirma Bacevich.
O professor de Harvard não
vê lideranças à altura desses
desafios. "Os democratas não
tomam posição por uma política externa e de segurança alternativa. John Kerry era incoerente. Hillary Clinton não parece disposta. O Congresso não
exerce influência. Todo mundo
quer se mostrar mais duro que
os outros. É pouco saudável."
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